quarta-feira, 23 de abril de 2025

Blower/supercharger: antes favorecido em motores de ignição por faísca, mas incomum em motores Diesel 4-tempos

Quando se fala em aplicações de compressores volumétricos acionados pelo próprio motor em veículos, uma das lembranças era o favoritismo que a Mercedes-Benz demonstrava anteriormente por tal solução em veículos com motor a gasolina, mesmo quando para a linha Diesel já estava consolidado o turbo, e a princípio inexistia qualquer impedimento para o dispositivo também conhecido como supercharger ou blower eventualmente ser usado tanto como única provisão de indução forçada quanto em associação ao turbocompressor. A bem da verdade, o supercharger é essencial nos motores Diesel 2-tempos por serem incapazes de gerar pressão de admissão simplesmente pela movimentação dos pistões, exceto os poucos que ainda eram na prática uma evolução dos "semi-Diesel" com ignição por incandescência que tinham o uso mais restrito basicamente a maquinário agrícola, mas nos Diesel 4-tempos como predomina hoje em aplicações veiculares é uma absoluta raridade. A comparação entre os métodos de indução forçada é bem exemplificada pela geração W203 do Mercedes-Benz Classe C, que teve o ciclo de produção entre os anos de 1999 a 2007 sem contar uma gambiarra feita entre 2008 e 2010 no Brasil, tendo em vista que foi a última geração a ter somente o supercharger como opção para quem quisesse indução forçada nos motores com 4 ou 6 cilindros a gasolina e a primeira a abolir os motores Diesel de aspiração natural em favor dos turbodiesel, enquanto a geração posterior começava a gradual transicão do supercharger para o turbo também em motores a gasolina com a intenção de aprimorar a eficiência energética.

Enquanto o supercharger, frequentemente referido como blower principalmente nos Estados Unidos e historicamente recebendo a denominação comercial Kompressor pela Mercedes-Benz, era acoplado ao virabrequim para ser acionado diretamente pelo motor, na maioria das aplicações automotivas modernas através de uma correia e portanto gerando arrasto como qualquer acessório, um turbocompressor sendo acionado somente pelo fluxo dos gases de escape exerce na prática a função de recuperar uma parte da energia que de outra forma seria desperdiçada, o que naturalmente resulta numa maior eficiência geral e já fica de acordo com a proposta da economia de combustível como principal motivação de muitos que optam por motores Diesel. Naturalmente, como as faixas de rotação dos motores Diesel em operação normal são historicamente quase sempre muito menores em comparação ao observado nos motores de ignição por faísca, até a possibilidade de usar um turbocompressor de dimensões menores que já seria suprido com um volume adequado de gases de escapamento a um intervalo mais reduzido após a partida minimizava o incômodo turbo-lag antes que as injeções eletrônicas e ignições mapeadas oferecessem alguma provisão para pressurizar mais rapidamente a turbina, além de muitos motores Diesel às vezes dispensarem a válvula de prioridade que é imprescindível como medida de segurança ao usar um turbo de geometria fixa em motores de ignição por faísca. Além de algumas evoluções na própria concepção do turbocompressor terem mitigado o turbo-lag, com destaque para os turbos de geometria variável e os twin-scroll ou bipulsativos que superam mais rapidamente a inércia ao direcionar com mais eficiência o fluxo dos gases de escape para a turbina, o fato de motores Diesel dependerem basicamente do volume e pressão da carga de ar de admissão que é aquecida durante a compressão para que o combustível ao ser injetado sofra uma ignição espontânea faz com que a maior pressão fornecida pelo turbocompressor proporcione uma combustão mais eficiente.

Pela pressão do supercharger ser diretamente proporcional à rotação do virabrequim, seria necessário ter algum artifício para alterar a relação das rotações do virabrequim e do compressor como chegou a ter o uso mais restrito a alguns motores radiais de aviação na II Guerra Mundial que para proporcionar algum grau de compensação da menor pressão atmosférica em altitude recorriam a diferentes relações na seção de engrenagens que acoplavam o compressor ao virabrequim a serem selecionados pelo piloto como se troca as marchas em um câmbio manual, ao contrário do turbo que por ter um eixo próprio já apresenta uma maior variação da rotação apenas em função da pressão atmosférica e densidade do ar ambiente. É evidente que os grandes motores radiais usados nos aviões antigos operavam a faixas de rotação mais baixas até que as de muitos motores turbodiesel de alta rotação que equipam automóveis e utilitários modernos, e também em função da II Guerra Mundial o turbocompressor chegou a ser aplicado junto ao supercharger exatamente para proporcionar uma compensação mais efetiva dos efeitos da altitude em alguns motores de aviões americanos, embora nesse caso a principal prioridade tenha sido preservar o desempenho. Enfim, mesmo que o acionamento direto do supercharger através do próprio motor pareça vantajoso à primeira vista, e a Mercedes-Benz ainda o tivesse favorecido até 2011 por uma importância histórica que já teve no automobilismo, o maior destaque obtido inicialmente pelo turbo ter sido em motores Diesel ocorreu por historicamente apresentarem maior sensibilidade aos efeitos da altitude, que o supercharger era incapaz de compensar com a mesma efetividade.

terça-feira, 15 de abril de 2025

Gás natural: pode atender bem a algumas condições operacionais, mas longe de ser um substituto adequado a todas as circunstâncias para o óleo diesel convencional

Após experiências com o etanol tanto no Brasil quanto na Suécia, a Scania parece ter ficado convencida a priorizar o gás natural como eventual substitutivo para o óleo diesel convencional, já podendo até ser vistos caminhões Scania movidos a gás natural pelas estradas brasileiras com relativa facilidade. Porém, vale destacar que essa aposta no gás natural nunca foi encarada como pretexto para ignorar uma aptidão superior dos motores Diesel em algumas aplicações mais específicas, entre as quais viaturas militares e de serviços de emergência para os quais o peso e volume dos reservatórios de gás natural a bordo é um empecilho e uma dificuldade para acessar suprimentos do combustível com a rapidez necessária possa impossibilitar a implementação, lembrando que a Scania também oferece motores compatíveis até com o biodiesel puro (B100) além do óleo diesel convencional e portanto uma transição para combustíveis alternativos permanece tecnicamente viável. Naturalmente, alguns operadores podem ser favoráveis ao gás natural por diferentes fatores, indo desde metas de redução ou neutralização de emissões alinhadas à pauta ESG até um acesso mais fácil ao gás em rotas regionais com itinerários fixos, passando também por considerações quanto à maior simplicidade dos sistemas de pós-tratamento de gases de escape para os motores de ignição por faísca aptos ao uso do gás natural ou do biogás/biometano.

A mais substancial diferença de um motor a gás natural em um caminhão é recorrer ao ciclo Otto, como em veículos leves a gasolina ou os flex também aptos a operar com etanol, embora predomine o uso do gás natural sem provisões para um eventual uso emergencial de gasolina ou etanol, e portanto as rotas a serem atendidas com um caminhão a gás devem ser muito bem planejadas para assegurar o suprimento do combustível, em contraste com os caminhões mais convencionais movidos a óleo diesel que contam tanto com a maior facilidade do manejo de um combustível líquido quanto uma maior disponibilidade nos postos de abastecimento mesmo mais distante dos principais eixos rodoviários. Naturalmente seria rechaçado o uso da gasolina tanto devido à menor densidade energética em comparação ao óleo diesel quanto pela principal motivação para a implementação do gás natural em caminhões ter a ver com uma alegada "sustentabilidade", nesse caso favorecendo especialmente o biogás/biometano que pode ser obtido em aterros sanitários ou em estações de tratamento de efluentes, e até alguns resíduos gerados na atividade agropecuária podem ser úteis como matéria-prima para uma produção integrada de fertilizante agrícola orgânico e gás combustível. Já com relação ao etanol, outro fator a considerar é o gás natural apresentar menos intercorrências para a partida a frio por já ser injetado na fase de vapor, além de ter uma resistência ainda melhor à pré-ignição mesmo com uma mistura ar/combustível mais pobre como é mais comum nos motores Diesel e portanto fomenta uma aceitação mais fácil junto a alguns operadores.

Convém lembrar também que o gás natural ainda é frequentemente usado na síntese de uréia industrial, que pelo grau elevado de pureza é usada na formulação do fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32 aplicado pelo sistema SCR para controle das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) em praticamente todos os motores turbodiesel modernos, de modo que para alguns operadores que possam conciliar uma instalação mais pesada e volumosa do sistema de combustível o uso direto do gás natural pode até fazer mais sentido simplesmente por evitar o gasto de energia para a produção de outro insumo. O controle de emissões de NOx em motores de ignição por faísca estando mais frequentemente associado a métodos como a recirculação de gases de escape (EGR) para reduzir a concentração total de oxigênio na carga de admissão, tal qual ocorreria com uma mistura ar/combustível mais rica, também já chegou a ter alguma aplicação em motores turbodiesel entre as vigências das normas Euro-4 e Euro-5, mas perdeu espaço em motores para veículos pesados a partir da Euro-6 tanto pelo maior impacto sobre a eficiência geral quanto por causar uma saturação mais rápida do filtro de material particulado (DPF), e mesmo que em motores leves do ciclo Otto uma maior massificação da injeção direta ao longo da última década tenha levado à necessidade de também incorporar filtros de material particulado esses tendem a ser ausentes em motores movidos exclusivamente a gás natural. E como motores do ciclo Otto ainda costumam ter taxas de compressão mais conservadoras mesmo ao usar somente o gás natural, e com esse combustível ainda predomine a injeção sequencial no coletor de admissão em vez da injeção direta, uma vaporização sempre mais completa em comparação tanto ao óleo diesel e outros combustíveis pesados que possam ser usados como substitutivos quanto a combustíveis líquidos voláteis como a gasolina e o etanol cuja vaporização tende a ser mais difícil em associação à injeção direta faz com que alguns operadores sejam facilmente convencidos a incorporar o gás natural, e o biogás/biometano caso as condições operacionais proporcionem fácil acesso a esse combustível para atender a metas de neutralização de emissões.

É natural que diferentes condições operacionais possam ser desafiadoras, e historicamente os motores Diesel tenham sido os que melhor demonstraram aptidões para atender às mais variadas necessidades do transporte pesado e também em serviços especializados, de modo que tentar apresentar exclusivamente uma opção como substitutivo possa se revelar insuficiente na prática, e assim uma aplicabilidade do gás natural ou do biogás/biometano facilmente integrável a rotas regionais com itinerários rígidos esteja distante de atender às condições um tanto imprevisíveis para as quais uma viatura de bombeiros precise estar de prontidão. Deixar-se levar por uma histeria travestida de preocupação com o meio-ambiente, e abrir mão de opções mais eficientes para conciliar uma almejada "sustentabilidade" com a capacidade operacional em condições extremas, pode resultar em problemas que seriam facilmente evitáveis usando o bom senso, e para os quais qualquer falsa solução que seja apresentada alcance um custo incalculável. Enfim, por mais que alguma lógica possa dar a entender que o gás natural seja um combustível próximo da perfeição no tocante a aspectos como uma combustão eficiente e uma facilidade no pós-tratamento dos gases de escape, e haja viabilidade técnica para usar também o biogás/biometano e agregar valor a subprodutos da atividade agropecuária, de fato o gás natural pode atender bem a algumas condições operacionais, mas está longe de ser efetivo para substituir totalmente o óleo diesel convencional.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Iveco Daily da Pepsico e a capacidade de carga: uma conta que não fecha?

É natural que o peso de algum implemento seja descontado da capacidade de carga nominal em algum veículo utilitário para a lotação total ser definida, ainda de acordo com o peso bruto total do veículo original, e em alguns casos até pode ficar menor que o mínimo de uma tonelada que ainda serve como parâmetro para um modelo de tração simples e acomodação para menos de 9 passageiros além do motorista poder usar um motor Diesel no Brasil. No caso de um Iveco Daily da atual geração, considerando o peso de uma versão chassi-e-cabine original em torno de duas toneladas a capacidade de carga nominal fica ao redor de uma tonelada e meia em versões que ainda podem ser conduzidas com a carteira de habilitação da categoria B, e portanto já seria descontado o peso da carroceria a ser instalada. Mas chega a ser curioso um exemplar com carroceria tipo baú ficar com só 250kg de lotação máxima para permanecer enquadrado no limite de PBT da CNH categoria B, de modo que o implemento fique demasiado pesado mesmo com o uso de materiais leves como o alumínio para a estrutura ou painéis de plástico reforçado (geralmente com fibra de vidro) nos acabamentos internos e externos.

Embora algumas cargas possam apresentar diferentes proporções entre peso e volume, com pacotes de salgadinhos da Elma Chips tendo uma densidade muito menor que potes de Toddy por exemplo, eventualmente uma lotação máxima tão pequena possa até passar despercebida, por mais absurdo que possa parecer um baú com capacidade para 6 a 8 pallets pesar vazio quase a capacidade de carga nominal toda do utilitário que seja equipado com esse implemento. Também pode ser o caso de observar como o limite de PBT da CNH categoria B talvez seja mais restritivo que o necessário, e mesmo que um limite como o de 26000 libras ou cerca de 11900kg aplicável nos Estados Unidos para detentores de uma carteira de motorista comum seja praticamente impossível de ser implementado no Brasil convém lembrar o caso da Austrália onde o limite de PBT para 4500kg já pode ser mais aproveitável que os 3500kg em vigor no Brasil e na Europa Ocidental. Enfim, sem entrar no mérito de diferentes configurações e especificações técnicas que vão influir nas capacidades e pesos de um veículo, às vezes algumas contas acabam não fechando, e expondo o quão arcaico é restringir o uso de um tipo de motor ou combustível tão somente com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração de um veículo utilitário.

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Precisamos reconhecer o real valor dos furgões compactos de uso misto

Muito provavelmente pela influência de turistas, principalmente argentinos, que iam veranear nas praias de Florianópolis entre a última metade da década de '90 e pouco depois do ano 2000, furgões compactos como a primeira geração do Citroën Berlingo e Peugeot Partner me chamavam muito a atenção desde o início pela versatilidade, mas também por uma integração estética mais efetiva entre a cabine dianteira e o salão traseiro em comparação a gerações anteriores de utilitários com uma proposta semelhante. Ainda caberia mencionar que o uso de motores Diesel em veículos leves ainda era especialmente comum tanto na Argentina quanto no Uruguai, facilitado pelas normas de emissões menos restritivas daquela época e a maior austeridade que era possível aplicar à concepção dos motores antigos, a ponto de parecerem "de trator" comparados a motores turbodiesel modernos como o DV5 HDi hoje oferecido na 3ª geração de furgões compactos da atual holding Stellantis que administra entre outras marcas a Citroën e a Peugeot. O fator nostalgia certamente pudesse ter algum peso para me fazer preferir um motor mais "arcaico" que requeira menos recursos especializados para fazer a manutenção, embora seja perfeitamente justificável que a evolução técnica capaz de manter uma disputa minimamente equilibrada mesmo à medida que os motores de ignição por faísca passam a incorporar mais maciçamente o turbo e a injeção direta como já tem acontecido com motores Diesel para veículos leves ao longo dos últimos 30 anos.
Tomando como referência a 3ª geração desses furgões, que em versões de passageiros teve a mudança do nome no Peugeot Partner para Rifter, cabem algumas observações acerca de algumas restrições ao uso de motores Diesel em veículos leves, que no Uruguai já faz algum tempo estão mais reservados aos táxis, enquanto no Brasil permanecem vigentes aquelas restrições arbitrárias com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração, embora possam ser naturalmente melhores que muito SUV até mesmo no tocante à trafegabilidade em ambientes mais bravios. Se por um lado possa parecer exagero esperar que um carroapreciado por taxistas e passageiros pelo conforto e bom aproveitamento de espaço para acomodar bagagens no Uruguai possa justificar a escolha do motor DV5 turbodiesel no lugar do EB2 PureTech a gasolina mesmo se eventualmente viesse a ser comercializado no Brasil, o que é improvável também pela cultura automotiva brasileira condicionada a pick-ups e SUVs, por outro vale lembrar que versões 4X4 cuja montagem do sistema de tração é feita de forma terceirizada pela Dangel substituíram alguns jipes derivados dos Land Rovers do Ejército de Tierra na Espanha, e portanto seria de se esperar a capacidade de atender também aos parâmetros usados para definir como "utilitário" no Brasil veículos cuja capacidade de carga abaixo de uma tonelada e acomodação para menos de 9 passageiros além do motorista. Enfim, mesmo subestimados por brasileiros, é compreensível a popularidade desses furgões compactos perdurar na Argentina e no Uruguai...