terça-feira, 8 de novembro de 2016

Reflexão: que benefícios econômicos e sociais seriam trazidos por uma liberação do Diesel para veículos leves?

Não é incomum que a defesa de uma liberação do Diesel para veículos leves no mercado brasileiro seja rotulada como interesse em um mero favorecimento pessoal mediante a possibilidade de se usar um combustível mais barato que a gasolina e com um maior rendimento por litro. Por mais que tal percepção até tenha um pequeno fundo de verdade, afinal ninguém em sã consciência iria se dispor a defender algo onde saísse perdendo, é muito simplório ignorar benefícios econômicos e sociais que estariam atrelados a uma liberação do Diesel e por extensão uma maior presença de fontes de energia renováveis para o transporte rodoviário.

Com uma maior centralização não apenas da produção do etanol mas também dos combustíveis derivados de petróleo como a gasolina e o óleo diesel convencional, não se pode ignorar o impacto ambiental que a distribuição por todo o país acarreta devido às maiores distâncias a serem vencidas. Convém recordar uma das críticas que o engenheiro João Augusto Conrado do Amaral Gurgel costumava fazer ao etanol, quando dizia que o ProÁlcool era "movido a diesel", e certamente a quantidade de óleo diesel consumido nos caminhões-tanque usados para levar etanol de São Paulo para outros estados poderia ser reduzida praticamente à metade se o próprio óleo diesel convencional já pudesse ser usado em veículos com capacidade de carga inferior a uma tonelada, acomodação para menos de 9 passageiros além do condutor, e tração 4X2 ou 4X4 de velocidade simples (sem "reduzida"). Ainda assim, não faria muito sentido acomodar-se em torno do óleo diesel convencional e ignorar os biocombustíveis em geral, tampouco demonizar completamente o etanol.

Naturalmente, os temores quanto a um súbito incremento na demanda por óleo diesel convencional e o respectivo efeito sobre a disponibilidade do principal combustível usado no transporte pesado comercial, agroindústria e atividades extrativistas como a pesca e o manejo florestal não devem ser ignorados. Por outro lado, a própria adaptabilidade do ciclo Diesel a uma grande variedade de combustíveis alternativos já favorece uma busca por soluções eficientes e relativamente baratas para garantir a segurança energética e evitar um aumento nos custos operacionais das principais atividades econômicas brasileiras. Embora alguns sistemas de controle de emissões aplicados aos motores Diesel automotivos mais modernos sejam desafiadores por apresentar incompatibilidade com proporções mais elevadas de biodiesel e o uso direto de óleos vegetais como combustível, a idade média avançada da frota de caminhões e a defasagem na regulamentação de emissões nos segmentos fora-de-estrada (principalmente agrícola, estacionário/industrial e náutico) ainda viabiliza uma maior participação do biodiesel e até dos óleos vegetais brutos na matriz energética.

É evidente que cada combustível alternativo tem vantagens e desvantagens, bem como uma maior adaptabilidade às condições climáticas e ambientais de cada região, com o biodiesel e o uso direto de óleos vegetais naturais apresentando uma melhor integração às cadeias produtivas agropecuárias já estabelecidas. Ao contrário do etanol, que ainda tem uma forte dependência pela cana de açúcar e uma produção mais concentrada em São Paulo, há uma ampla variedade de oleaginosas que podem servir de matéria-prima para o biodiesel enquanto alguns subprodutos conservam propriedades alimentícias e podem servir tanto na elaboração de ração animal quanto aplicados em alimentos industrializados. Apesar da soja permanecer como a mais importante nesse cenário, há outras opções que se adaptam bem a um manejo mais simples como o girassol e o amendoim, e outras menos convencionais como o pequi nativo do Cerrado e que em reservas cultivadas para fins extrativistas pode apresentar uma produtividade de óleo por hectare até 5 vezes superior à da soja ainda que a polpa do pequi apresente uma quantidade elevada de espinhos e se mostre menos palatável quando administrada ao gado. Mesmo em meio a diferenças regionais, a diversidade de matérias-primas viáveis ao biodiesel permite uma inserção mais efetiva do pequeno produtor rural na cadeia produtiva dos biocombustíveis.

A possibilidade de tornar mais regionalizada a produção de combustíveis e das respectivas matérias-primas oferece uma perspectiva para o desenvolvimento da auto-suficiência energética de produtores rurais, reduzindo custos e contribuindo para derrubar um dos principais argumentos de opositores em torno de um impacto dos biocombustíveis sobre o preço de gêneros alimentícios. Até mesmo alguns resíduos com baixo valor agregado que hoje são subaproveitados, como sementes e caroços de frutas, podem servir como matéria-prima para a produção de óleos combustíveis de boa qualidade, com algum destaque para a semente de uva e o caroço de manga. Gorduras animais também se mostram adequadas ao intuito de conciliar a oferta de alimentos com a necessidade de uma renovação da matriz energética do transporte rodoviário, com oportunidades para aproveitar o potencial energético e agregar valor desde o sebo e gorduras viscerais provenientes principalmente de bovinos, suínos e aves até o óleo do fígado de peixes brancos. Dessa forma, um custo menor da energia aplicada ao manejo, beneficiamento e processos logísticos pode servir de pretexto para uma maior estabilidade nos preços de alguns alimentos.

Outro aspecto a ser levado em consideração é uma maior facilidade para manter o suprimento de combustíveis o menos afetado possível em resposta a emergências. Ainda que de qualquer forma um racionamento se tornasse inevitável devido à necessidade de transportar biodiesel e/ou óleos vegetais provenientes de outras regiões, o impacto de um acidente, sabotagem ou ataque a uma usina de biocombustíveis com uma área de abrangência menor causaria menos prejuízos que a mesma ocorrência em uma refinaria de petróleo maior. É relevante ainda a localização das principais refinarias brasileiras, geralmente mais próximas ao litoral e portanto a maior suscetibilidade a um eventual ataque estrangeiro não deveria ser descartada por completo. Do mesmo jeito que a segurança nacional foi um dos principais argumentos que levaram à transferência da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília na década de '60, o mesmo princípio também seria aplicável à localização de indústrias estratégicas, de modo que uma interiorização da produção de combustíveis compatíveis com a maior parte da frota militar brasileira seria benéfica à defesa da soberania nacional. E que Deus nos livre de virar uma colônia da Venezuela ou da Arábia Saudita...

Apesar de tanta desconfiança que ainda rodeia as propostas de uma liberação do Diesel, há vantagens que não podem seguir ignoradas. A questão ambiental é outra que também suscita controvérsias, embora a forte dependência pelo óleo diesel convencional desde a produção até o processo logístico de outros combustíveis reputados como menos poluentes já sirva como um contra-argumento. Enfim, uma eventual liberação do Diesel para veículos leves no mercado brasileiro acarretaria em diversos benefícios econômicos e sociais, principalmente ao ser complementada por um efetivo compromisso com o fomento ao biodiesel e uso direto de óleos vegetais como combustível.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html