sábado, 10 de setembro de 2016

Uma reflexão sobre a real extensão da dependência brasileira pelo gás natural importado da Bolívia

Não há dúvidas quanto à posição privilegiada que o gás natural encontrou no mercado brasileiro desde a liberação do uso desse combustível para veículos particulares em '96, inicialmente com uma ênfase maior no eixo Rio-São Paulo devido à produção nacional concentrada nas bacias de Campos e de Santos e posteriormente alcançando uma parcela mais expressiva de consumidores com a implementação do gasoduto Bolívia-Brasil. Embora existam outros campos de gás em operação fora das bacias de Campos e de Santos, como por exemplo em Coari (AM), e outras reservas conhecidas que não estão sendo exploradas como no Vale do Rio do Peixe em Santa Catarina, hoje a maior parte do gás natural consumido no Brasil é importada da Bolívia.
De certa forma, não é equivocado avaliar a popularidade do gás natural veicular (GNV) mais como um efeito colateral das restrições ao Diesel em veículos leves que por outros fatores como pretensões "ecológicas" ou até mesmo o preço menor em comparação a outros combustíveis tradicionais como a gasolina e o etanol. Desvantagens um tanto óbvias como uma redução na capacidade de carga dos veículos adaptados para gás natural, e outras que parecem menos evidentes para o povão alienado pelas novelas da Rede Globo como os riscos de se comprometer a segurança energética por meio da pesada dependência por um fornecedor estrangeiro, acabam por dar margem a questionamentos em torno de outras opções menos arriscadas e que priorizem fontes de energia nacionais e preferencialmente renováveis.
No contexto do Rio Grande do Sul, onde os invernos rigorosos acabavam naturalmente tornando-se um desincentivo ao uso do etanol, seria um erro grave ignorar o potencial de outros biocombustíveis que poderiam ser desenvolvidos em um âmbito mais regionalizado como o biodiesel, óleos vegetais naturais e o biogás/biometano com a clara intenção de reduzir a demanda pelo gás boliviano. Por mais que o biodiesel e o uso direto de óleos vegetais como combustível ao menos num estágio inicial viessem a ter uma aplicabilidade restrita em função da capacidade de carga, passageiros e/ou tração tornando quase nula a oferta de veículos leves com motor Diesel, seria precipitado descartar uma mudança na política energética, e até mesmo a liberação do gás natural anteriormente restrito a táxis e frotas de empresas e do serviço público pode ser apontada como um precedente a ser analisado. Há ainda alguns subprodutos da extração de óleos vegetais e da transesterificação, desde a torta da moagem das sementes até mesmo a glicerina caso não venha a ser totalmente aproveitada pela indústria química, que podem então ser usados como matéria-prima para o biogás/biometano de modo a atender não apenas aos veículos movidos pelo gás natural boliviano como também aplicações estacionárias residenciais, comerciais e industriais que também fazem uso desse combustível, ou até avançar para outras nas quais o óleo diesel convencional ainda é predominante como em grupos geradores.
A integração do biogás/biometano, ao contrário da forma um tanto antagônica que os combustíveis gasosos de um modo geral vem sendo apontadas com relação ao óleo diesel convencional, abriria exatamente uma valiosa possibilidade para fazer do biogás/biometano um importante aliado em defesa da liberação do Diesel para veículos leves. Mesmo que alguns segmentos como o dos táxis hoje tenham uma participação muito expressiva do gás natural, não se pode ignorar a existência de operadores que, apesar do custo operacional já inferior ao da gasolina, ainda se revelam insatisfeitos com alguns aspectos como a sensível diminuição no espaço do porta-malas, desempenho menos vigoroso e os testes hidrostáticos aos quais os cilindros de armazenamento do gás devem ser submetidos de 5 em 5 anos. Portanto, caso outra alternativa com uma relação custo/benefício mais de acordo com as necessidades operacionais ou preferências pessoais seja oferecida, não seria tão espantoso que viesse a haver uma menor dependência de boa parte dos taxistas pelo gás natural importado da Bolívia.

Até o milho, tão apreciado pelo valor alimentício tanto em grão quanto em especialidades como a polenta, um dos acompanhamentos mais tradicionais para um delicioso galeto al primo canto, também pode ser um importante aliado em defesa da segurança energética. Apesar das polêmicas em torno da menor quantidade de etanol numa comparação com a cana-de-açúcar tanto por área cultivada quanto pela energia aplicada nas diferentes fases do cultivo, colheita e beneficiamento, o milho ainda rende óleo e um substrato com alto teor de proteínas conhecido como "grão de destilaria" ou DDG (distillation-dried grain - grão seco por destilação) que pode ser incorporado tanto na alimentação humana quanto na formulação de rações para animais. Diga-se de passagem, eventuais perdas por evaporação durante a produção do etanol são menos problemáticas sob o ponto de vista ambiental, causando um impacto menor no efeito-estufa que a emissão de metano resultante da fermentação da maltodextrina (principal carboidrato natural do milho in natura) no trato digestivo de alguns animais. Não seria de se estranhar que, por exemplo, o DDG seja usado tanto na ração consumida pelo galeto na granja quanto adicionado em proporções variáveis no fubá usado para preparar polenta.

Antes de qualquer carne chegar à mesa, também há de se considerar o manejo dos dejetos dos animais e de resíduos do abate. Desde o esterco e a "cama de frango" na granja até sangue, vísceras de baixo valor comercial e pelos ou penas no abatedouro, há uma grande quantidade de material orgânico que pode ser encaminhado a um biodigestor para que sejam produzidos biogás/biometano e fertilizante agrícola N-P-K orgânico. Também não se pode deixar de lado a possibilidade de usar o óleo de vísceras de frango como matéria-prima para biodiesel, tendo em vista que a adição dessa gordura em rações vem sendo desencorajadas devido à expressiva participação de empresas brasileiras em mercados onde existam tanto restrições sanitárias quanto culturais e religiosas a essa prática. Em algumas regiões, além de preocupações quanto à contaminação de rios por dejetos suínos não-tratados, há também o interesse econômico no biogás/biometano justamente em função da ausência de ramificações do gasoduto Bolívia-Brasil. Naturalmente, excedentes de produção podem ser inseridos na rede canalizada de modo a complementar o gás atualmente importado da Bolívia e eventualmente até substituí-lo.


Lixo e esgoto doméstico são outras fontes de energia atualmente subestimadas. Por mais que o biometano possa ser usado nas frotas de caminhões de coleta de lixo e nos auto-vácuo (limpa-fossa) com um custo próximo do zero, e mesmo o biogás bruto também seja aproveitável em equipamentos como motobombas e grupos geradores, o descarte irregular de resíduos em "lixões" e a abrangência insuficiente da rede coletora de esgoto são um desafio em muitas cidades. Até capitais como Porto Alegre enfrentam esse problema, cujo impacto vai além do custo operacional dos serviços de coleta de lixo e saneamento básico. A proliferação de vetores patogênicos é outro aspecto que deve ser lembrado e portanto, além da economia que o biogás/biometano proporciona, a destinação correta de resíduos reduz os riscos de uma quantidade considerável de doenças infecto-contagiosas.

Também não se pode ignorar as animosidades em função da influência cubana/venezuelana sobre a política externa boliviana, levando a atritos entre o governo brasileiro e a escória "bolivariana" insatisfeita com o impeachment da Dilma. O que parecia uma brecha para a Bolívia quebrar o contrato de exportação de gás para o Brasil, no entanto, revela quem realmente está na mão de quem. Com o acordo hoje em vigor beirando o vencimento, previsto para 2019, o governo boliviano já engole o choro começa a buscar um tom mais conciliador visando condições mais favoráveis para negociar uma continuidade da operação. Tendo em vista que o gás natural é o principal produto na pauta de exportações boliviana sem considerar a cocaína e derivados, é previsível que fiquem temerosos quanto a um atrito com o principal cliente. Certamente o fanfarrão aspirante-a-ditador Evo Morales, que já teve até a petulância de ameaçar invadir militarmente o Brasil, sabe que o buraco é mais embaixo e que o Exército Brasileiro é muito mais capacitado para guerra na selva.

Enfim, por mais que o gás natural importado da Bolívia ocupe hoje uma posição de destaque na matriz energética brasileira, está longe de ser imprescindível. Não faltam opções mais seguras com implementação relativamente fácil e baixo custo, tendo como principal impedimento para uma utilização em grande escala a pura e simples incompetência política. É perfeitamente viável que o Brasil eventualmente venha a se libertar da dependência hoje observada com relação à Bolívia, e temores quanto a um desabastecimento de gás estão mais distantes do que possa parecer à primeira vista.

2 comentários:

  1. Eu não sou contra o gás natural, até acho que agora com o biometano tem mais futuro que o álcool.

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  2. Ficar dependente de um paiseco miserável como a Bolívia dá vergonha mesmo.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html