quinta-feira, 5 de junho de 2014

Uma reflexão sobre o biometano como complemento ao biodiesel

Num contexto amplo, que vai desde a segurança energética até metas de redução de emissões, o biodiesel e óleos vegetais puros se destacavam pela implementação relativamente fácil, embora as novas gerações de motores Diesel venham apresentando algumas dificuldades de ordem técnica devido à interferência dos dispositivos de controle de emissões mais comuns tanto no processo de combustão quanto pós-tratamento dos gases de escape, e assim abrem-se lacunas que podem ser complementadas pela inserção do etanol e do gás natural em alguns cenários operacionais como o transporte de passageiros nos grandes centros urbanos onde a emissão de material particulado (a infame fumaça preta) vem sendo considerada um ponto crítico ou aplicações militares que porventura não contem com um padrão de qualidade tão constante do suprimento de combustíveis.

Chama a atenção a previsão de que até 2030 o gás natural alcance cerca de 30% de todos os veículos novos no mercado europeu, desde automóveis até caminhões e ônibus destinados às mais diversas aplicações, abrangendo desde o uso do gás natural comprimido (GNC) já usado no Brasil ao gás natural liquefeito (GNL), que ainda desperta temores quanto à segurança e críticas ao impacto ambiental do metano ventilado diretamente à atmosfera para despressurizar os tanques à medida que vai regaseificando, visto que é um gás-estufa mais potente e com meia-vida mais longa que o dióxido de carbono. Cabe salientar que 11% da frota mundial de veículos movidos a gás natural está na Europa, embora corresponda a apenas 0,4% da frota circulante no continente. Com 66% desse combustível sendo importado, a forma mais eficaz de conciliar as metas de redução na dependência de recursos energéticos importados e promover uma oferta segura e estável do gás natural é por meio do biometano proveniente de estações de tratamento de esgoto, aterros sanitários e biodigestores instalados em zonas agropastoris.

Quando apenas comprimido e não liquefeito, o gás natural, incluindo o biometano, apresenta menos riscos de incêndios e explosões que o gás liquefeito de petróleo (GLP), conhecido no Brasil como "gás de  cozinha" e proibido para fins automotivos, embora em outros países como Austrália, Japão, Inglaterra e Portugal seja até mais usado como combustível veicular que o GNV. Outra vantagem é a dispersão mais rápida na atmosfera em caso de vazamento, reduzindo o deslocamento de oxigênio num espaço mais confinado como ocorre com o GLP e mesmo com o GNL, a ponto de ser proibido o estacionamento de veículos movidos a qualquer gás liquefeito em garagens subterrâneas em alguns países.

O biogás bruto tem cerca de 40% do volume composto de dióxido de carbono, sulfeto de hidrogênio e vapor d'água, indesejáveis ao uso como combustível veicular tanto pelos prejuízos ao desempenho quanto uma consequente redução na autonomia, que ainda dificultam a pressurização do gás como nos sistemas de GNV tradicionais com pressão entre 200 e 275 bar, mas já pode ser usado como substituto ao gás liquefeito de petróleo para fins culinários como ocorre no Vietnam, na China e até no Brasil. Numa fazenda mantida por freiras franciscanas na cidade catarinense de Angelina, eu já cheguei a ver um biodigestor usado para processar dejetos bovinos e gerar biogás usado na cozinha do convento e de um restaurante. Cabe salientar que o tratamento dos excrementos de um boi de 500kg pode gerar por dia a energia equivalente a 1 litro de óleo diesel em biogás.

Dentre os resíduos orgânicos que podem ser processados numa usina de biogás, também constam a vinhaça gerada na produção de etanol e a glicerina extraída dos óleos e gorduras convertidos em biodiesel, o que tende a reforçar a possibilidade de articular tais combustíveis alternativos de forma complementar ao invés de simplesmente canibalizarem-se no mercado. Cabe recordar, ainda, que a infra-estrutura específica para veículos movidos a gás natural na Europa ainda é muito limitada, muitas vezes restrita a frotas de empresas ou órgãos públicos e portanto inacessível ao consumidor comum, além de diferenças de pressão operacional e acoplamento entre o sistema instalado no veículo e a estação de reabastecimento. Ainda assim, tanto por ações governamentais quanto pela iniciativa privada, em alguns mercados como a Alemanha, a Itália, a França, a Holanda, a Suécia e a Noruega há vantagens tributárias levando a uma maior adesão ao GNV, contando também com uma maior atenção por parte dos fabricantes que já oferecem modelos aptos a rodar com esse combustível, desde subcompactos como o Volkswagen up! até utilitários-esportivos como o Volkswagen Tiguan, atendendo a consumidores com diferentes perfis.

Uma usina de biogás acaba sendo extremamente rentável, visto que nela podem ser obtidos dióxido de carbono para fins industriais mediante a purificação do biogás, fertilizantes orgânicos líquidos ou peletizados, e ser integrada a um sistema de cogeração de energia elétrica e térmica que atendem não apenas às necessidades operacionais mas também o mercado consumidor instalado na região. Pelo menos uma usina com tecnologia alemã já está em operação no Brasil, no distrito de São Maurício, cidade de Braço do Norte, Estado de Santa Catarina, gerenciada pela empresa Biogastec. Atualmente a Alemanha é líder no desenvolvimento de usinas de biogás, consideradas essenciais para atender à meta de desativar todos os reatores nucleares até 2022, e já tem até alguns postos de combustíveis vendendo Bio-GNV regularmente. Com o grande rebanho suíno na Alemanha, não faltam dejetos a serem convertidos em biogás e também banha que pode servir como matéria-prima para o biodiesel, e não há de se duvidar que aproveitando esses recursos o país consiga se desvencilhar dos riscos associados à energia nuclear em breve. Não podemos esquecer do adubo para as plantações de repolho destinadas ao sauerkraut...

O gás natural já era conhecido dos europeus desde o período entre-guerras, mas teve um uso mais limitado à Itália e à Suécia, enquanto predominava no resto do continente o uso do "gás pobre" sintetizado principalmente a partir do carvão mineral e usado em sistemas de baixa pressão (na faixa de 15 bar) que usavam sacos de lona emborrachada como reservatório para o combustível, posteriormente aplicados na China também com o gás natural de origem fóssil e o biometano. Pode-se alegar que a destruição da II Guerra Mundial ajudou a consolidar a preferência pelo Diesel, motivada tanto pela maior disponibilidade de substitutivos em caso de extrema necessidade quanto por combustíveis líquidos em geral terem um manejo considerado mais simples, lembrando que o óleo diesel ainda é mais seguro contra incêndios acidentais que a gasolina. Hoje as circunstâncias mudaram muito, os motores Diesel não são mais os mesmos engenhos rústicos de antes, e a agenda da redução de emissões já ganha adeptos até em aplicações marítimas e ferroviárias, nas quais vem surgindo uma preferência pelo GNL que apesar da complexidade envolvida nos protocolos de segurança leva vantagem na maior densidade energética comparado ao GNC.

Além dos óxidos de nitrogênio (NOx), que são o principal calcanhar-de-Aquiles do ciclo Diesel, há ainda questões aos materiais particulados e compostos de enxofre, e o biometano traz bons resultados na redução dessas emissões tanto combinado ao óleo diesel e substitutivos quanto puro. Vale destacar também que o principal método de controle das emissões de óxidos de nitrogênio em veículos pesados tem sido o sistema SCR de redução catalítica seletiva, que usa uma solução aquosa de uréia industrial (ARLA-32/ARLOX-32/AdBlue/DEF) para neutralizar esses compostos, e atualmente a principal matéria-prima da produção de uréia e fertilizantes nitrogenados é o gás metano de origem fóssil, logo parece fazer sentido eliminar algumas etapas do processo industrial e respectivos gastos de energia usando tanto o metano quanto o biometano diretamente como combustível, valendo-se também da combustão mais completa para reduzir a saturação do filtro de material particulado (DPF) e os ciclos de regeneração necessários para manter o correto funcionamento desse dispositivo quando associado ao óleo diesel ou outro combustível pesado de modo a manter a ignição por compressão.

Embora no mercado brasileiro o gás natural seja constantemente apontado como um pretexto para manter as restrições ao Diesel em veículos leves, o mais racional é considerar os prós e contras de cada combustível alternativo não com o intuito de menosprezar um ou proibir aplicações de outro, mas conciliar as principais vantagens de modo a proporcionar uma operação mais adequada abrangendo desde o "ciclo da dona de casa" até o transporte rodoviário de longa distância...

2 comentários:

  1. Num país onde se come tanta carne, não só de boi mas também de porco e de frango, além da produção para exportação, é até estranho que não se invista com tanta força no biogás. Em cidades do interior onde não se vende o gás natural, seria uma boa opção para se complementar ao álcool e reduzir a dependência pela gasolina que é muito cara e de pouca qualidade.

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  2. Nunca tive carro, só moto, mas até andei vendo o preço de uns carros usados adaptados para gás. Se o preço do biometano poder se manter como o preço do gás natural está agora, ficaria perfeito pelo menos enquanto não liberam o carro a diesel.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html