sábado, 27 de setembro de 2014

Refletindo sobre a integração de soluções em combustíveis alternativos

Uma parcela considerável do público brasileiro, equivocadamente, ainda vê em propostas de liberação do Diesel em veículos leves sem as atuais distinções por capacidade de carga, passageiros ou tração uma possível ameaça à disponibilidade de óleo diesel convencional para operações de transporte pesado, principalmente ao recordarmos a dependência do Brasil pelo modal rodoviário.
Para afastar em parte algum receio quanto ao impacto econômico, é fundamental ressaltar que o ciclo Diesel ainda figura entre as principais plataformas para experiências com combustíveis alternativos, perfeitamente integradas às diferentes necessidades e preferências de operadores e adaptação às muitas realidades regionais que podem ser encontradas no nosso país.
Mesmo com o atual cenário caótico no mercado de combustíveis veiculares de modo geral, com regulações esdrúxulas que perpetuam uma reserva de mercado para a Petrobras e desincentivam investimentos privados, ainda é possível apontar alternativas economicamente viáveis tanto para o transporte de cargas quanto de passageiros. Nesse meio-tempo, o consumidor sofre com a volatilidade dos preços...
De fato, alguns cenários operacionais são até mais propícios à implementação de algumas das principais alternativas consideradas, não apenas em função de uma maior estabilidade na planilha de custos no que tange aos combustíveis mas também para se adequar a outras exigências como o controle de emissões, não apenas no tocante aos óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado que são um calcanhar-de-Aquiles do ciclo Diesel mas também o nível de ruídos. O incremento no conforto acústico pode ser notado por passageiros e operadores em aplicações veiculares, mas também é apreciável em aplicações estacionárias, como grupos geradores.

Convém recordar a experiência de frotas militares, onde a adaptabilidade a alguns combustíveis como querosene de aviação (Jet-A1/JP-5/JP-8) acabava por impor um desafio no tocante à lubrificação de elementos do sistema de injeção, visto que o querosene poderia danificar mancais de eixo em bombas injetoras. Soluções oriundas desse cenário operacional tão peculiar também podem ser aproveitadas com outros combustíveis que possam ser mais direcionados ao uso civil, bem como eventuais aplicações extraordinárias em operações militares devido à disponibilidade regional.
Vale destacar que em aplicações militares há ainda uma preocupação quanto à segurança e, embora o querosene de aviação seja mais volátil que o óleo diesel convencional, já apresenta vantagens nesse aspecto em comparação com a gasolina, tanto que alguns países signatários do Tratado do Atlântico Norte já proibiram o transporte de gasolina a bordo de suas embarcações militares. Outro ponto importante é a simplificação dos processos logísticos obtida com o uso de um combustível único.

Apesar de viaturas destinadas às Forças Armadas estarem isentas das normas de controle de emissões aplicáveis a veículos civis, a ponto de ainda serem incorporados às frotas de Marinha, Exército e Aeronáutica alguns modelos especificados na Euro-2 e com injeção 100% mecânica, também vem ocorrendo uma menor resistência à injeção eletrônica.

A aviação civil também é um cenário propício para o desenvolvimento de alternativas que possam ser aplicadas para reduzir tanto a dependência ao querosene quanto ao óleo diesel convencional, embora este último não seja usado atualmente na aviação comercial mas seja essencial para serviços aeroportuários e suporte em pista. O desafio é particularmente crítico em função das condições ambientais severas e respectivas variações durante um voo, além do custo dos combustíveis, tanto que a Boeing recentemente demonstrou interesse em homologar o biodiesel para aplicações aeronáuticas junto aos principais órgãos regulatórios do setor, numa estratégia que não apenas proporciona uma amortização mais rápida de investimentos em pesquisas direcionadas ao biodiesel como também oferece uma boa oportunidade para analisar a viabilidade de algumas matérias-primas em situações mais extremas, além de simplificar os processos logísticos.

Um aspecto especialmente relevante no mercado brasileiro é a popularidade dos veículos bicombustível a gasolina e etanol, popularmente conhecidos como "flex", que atingiu não só os automóveis e utilitários leves mas até motocicletas. Baseados na ignição por faísca como os motores a gasolina tradicionais, acabam por manter a desvantagem na eficiência térmica quando comparados à ignição por compressão usada no ciclo Diesel, como pode ser bem observado pela experiência da Scania com ônibus e caminhões a etanol. Logo, mesmo que a princípio se mantivessem as restrições ao uso do óleo diesel convencional, não faria sentido proibir o uso de um motor operando no ciclo Diesel com o etanol, já consolidado como um combustível para veículos leves.
É muito pouco provável que venha a ressurgir junto ao consumidor brasileiro o interesse por veículos movidos exclusivamente a etanol, temendo uma crise de desabastecimento como a que ocorreu entre '89 e '90 devido à prioridade dada pela indústria sucroalcooleira à produção do açúcar para atender ao mercado de exportação, mas cabe considerar ainda a possibilidade de integrar outras matérias-primas na cadeia produtiva do etanol brasileiro. Basicamente qualquer resíduo do beneficiamento de produtos agrícolas que tenha alguma quantidade de celulose, como cascas e bagaços de frutas, pode servir à produção do etanol celulósico, também conhecido como "etanol de segunda geração", reduzindo problemas associados à sazonalidade da cana-de-açúcar. Até o etanol de milho, tão subestimado e criticado devido ao saldo energético menos favorável que o similar derivado da cana produzido no Brasil, não deixa de ser uma opção racional, ao considerar o uso do DDG (grão seco por destilação) que sobra do processo de produção do etanol como fonte de proteínas na elaboração de ração para animais, ou até mesmo em alimentos industrializados destinados ao consumo humano.

A indústria alimentícia, de um modo geral, oferece um cenário bastante favorável à implantação de programas direcionados ao desenvolvimento e aplicações de combustíveis alternativos. Gerando uma considerável redução no custo operacional das frotas e agregando valor a materiais que antes seriam considerados simplesmente lixo, também há de se considerar a possibilidade de negociar créditos de carbono como uma forma de acelerar a amortização de investimentos.
Além de óleos de fritura velhos reaproveitáveis tanto diretamente como combustível quanto convertidos em biodiesel, ou do uso de cascas de batata e outros materiais com algum conteúdo de celulose como matéria-prima para a produção de etanol. há ainda uma grande quantidade de resíduos provenientes do processamento de carnes (tanto bovina quanto ovina, suína, de aves, peixes e outros) que também podem ser direcionados não apenas ao biodiesel mas também ao biogás (biometano).
Apesar de combustíveis gasosos serem mais difundidos como uma opção direcionada a motores de ignição por faísca, podem ser usados de forma complementar em motores do ciclo Diesel, tendo como principais benefícios um processo de combustão mais completo, gerando menos material particulado, o que pode prolongar a vida útil de alguns dispositivos de controle de emissões como o DPF (filtro de particulados) devido à menor saturação, gerando economia adicional ao prolongar o intervalo entre ciclos de regeneração. Também ocorre uma redução nos níveis de ruídos.

Um cenário no qual a integração com o biogás seria ainda mais óbvia é em veículos de coleta de lixo. Em aterros sanitários devidamente controlados, é perfeitamente viável recuperar o gás, filtrar e usar como alternativa ao óleo diesel a um custo próximo do zero, trazendo significativa economia tanto associado a uma injeção-piloto de outro combustível para gerar centelha quanto eventualmente puro num motor de ignição por faísca.
Importante salientar que os dispositivos de controle de emissões aplicáveis a motores de ignição por faísca é mais simples que os destinados a motores Diesel, o que também tem atraído operadores em outros segmentos, motivados até certo ponto também pela popularidade do gás natural de origem fóssil em veículos leves, com destaque para os táxis que normalmente usam esse combustível nas principais capitais brasileiras como Porto Alegre. Diga-se de passagem, chega a ser absurdo que se importe gás natural da Bolívia enquanto uma alternativa mais plausível sob o ponto de vista da segurança energética nacional é desprezada.

Opções para promover uma integração de diferentes soluções visando uma redução da dependência do transporte pesado pelo óleo diesel já são conhecidas, e encontram no atual cenário político brasileiro um ambiente até certo ponto hostil mas que não inviabiliza totalmente a implantação de tais medidas, e assim torna-se insustentável um dos pontos mais controversos em torno dos possíveis efeitos econômicos de tal medida, que apenas tem mantido o consumidor brasileiro alienado e sem acesso a uma alternativa com relação custo/benefício já consagrada em alguns dos principais mercados mundiais.

4 comentários:

  1. Com a questão da integração do gás ficaria mais fácil fazer nos abatedouros para atender caminhões que trazem o gado da fazenda serem abastecidos com biodiesel de sebo e depois os que levam a carne para os mercados seriam mais adequados para usar gás por causa de menos barulho em zonas urbanizadas. A propósito: agora toda vez que eu vou no McDonald's eu lembro de biodiesel.

    ResponderExcluir
  2. Se for o caso ainda tem como usar o etanol proveniente de resíduos da industrialização de hortaliças como reagente na produção do biodiesel. Assim daria de fechar por completo a cadeia de produção do biodiesel que servisse para a frota duma fábrica de salgadinhos, já que não só as cascas de batata mas também a palha e o sabugo do milho usado para fabricar fubá e DDG normalmente usados nesse tipo de produto são outra fonte de celulose muitas vezes desperdiçada. E depois de tudo isso o que sobrar do processo alcoólico também pode ir para o biodigestor para se extrair o biogás e produzir adubo. Tudo acaba ficando tão óbvio que não dá para entender como ninguém faz nada para aproveitar isso no Brasil, um país que é praticamente um grande celeiro.

    ResponderExcluir
  3. As opções estão batendo à nossa porta, mas falta vontade política ou algum investidor com coragem o suficiente para cutucar esse vespeiro.

    ResponderExcluir
  4. Querer que se faça alguma coisa que preste com os combustíveis no Brasil é complicado, basta ver que o PT está conseguindo falir a Petrobras.

    ResponderExcluir

Seja bem-vindo e entre na conversa. Por favor, comente apenas em português, espanhol ou inglês.

Welcome, and get into the talk. Please, comment only either in Portuguese, Spanish or English.


- - LEIA ANTES DE COMENTAR / READ BEFORE COMMENT - -

Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html