sábado, 22 de agosto de 2015

Kombi Diesel: ame ou odeie, mas é impossível ficar indiferente diante dela

Um modelo incompreendido pelo público, a Kombi Diesel dos anos 80 ficou estigmatizada devido à refrigeração inadequada do motor, sendo comum atribuir à distância entre radiador dianteiro e motor traseiro o maior peso na composição do problema. Isso no entanto não constitui mais do que uma meia-verdade, especialmente ao recordarmos o sucesso que o motor EA-827 1.6D fez no Passat, no Santana, no Gol, no Voyage e na Parati em versões de exportação, além de ter sido oferecido na Saveiro também no mercado interno durante um breve período durante os anos 80 e ser até hoje bastante requisitado para adaptações tanto regulares quanto clandestinas. Na verdade, o ponto mais crítico é  bomba d'água original, que não gera pressão suficiente para vencer um calço de vapor que se forma em alguns dutos de refrigeração, mas o problema pode ser corrigido com uma bomba que tenha um rotor de 70mm.
Ainda que a potência de 50cv e o torque de 9,5kgf.m hoje pareçam motivo de chacota, não se pode esquecer que o parque industrial automobilístico instalado no Brasil à época estava muito mais isolado das tecnologias que começavam a ganhar uma maior participação nos mercados desenvolvidos, ou até mesmo em países periféricos como a Argentina, o Uruguai e até mesmo a Venezuela que hoje está mais quebrada que arroz de terceira. Muitos dos que vivenciaram a "década perdida" já me disseram que nem sequer ousariam sonhar que turbocompressores passariam a ser produzidos no Brasil... Mas voltando à Kombi Diesel, ainda é digna de respeito pelas médias de consumo entre 16 e 18km/l, apesar de ter uma simplicidade franciscana, contrastando com a relativa sofisticação de furgões com projeto mais recente que apresentem capacidade de carga numa faixa próxima. Vale destacar ainda que a injeção indireta, presente no motor do modelo, é uma ótima plataforma para testes com combustíveis alternativos como biodiesel ou óleos vegetais puros...

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

"Maria louca": a cachaça de presidiário pode servir como combustível veicular improvisado?

O assunto de hoje foi definido após uma conversa com o Felipe Fagundes, de Rio Pardo, que enlouqueceu de vez anda cogitando comprar uma Chevrolet C-10 de cabine dupla com o bom e velho motor "Stovebolt Six", mas está mais interessado em manter a ignição por faísca e fazer uma leve preparação orientada ao desempenho, descartando a hipótese de fazer a conversão para Diesel conhecida por "misto quente". No entanto, não deixa totalmente de lado a possibilidade de fazer alguma experiência com biocombustíveis.

A experiência brasileira com o etanol já é bastante conhecida a nível mundial, mas valendo-se da cana de açúcar como principal matéria-prima e reacendendo temores quanto a um desabastecimento como o que ocorreu na safra '89-'90 da cana, quando a exportação de açúcar foi prioridade para o setor sucroalcooleiro em detrimento da oferta do álcool etílico carburante no mercado interno. Entretanto, há muitos outros materiais com um teor de açúcares (não apenas a sacarose, mas também frutose, maltose e outras "oses") adequado à produção de etanol. Vem à memória algumas referências à "Maria louca", uma espécie de cachaça improvisada produzida clandestinamente em presídios pelos detentos e também por mendigos na rua, que não tem qualquer controle de qualidade mas evidencia a viabilidade de uma produção artesanal de etanol com matérias-primas mais diversificadas, principalmente arroz e cascas de frutas.

A fermentação é feita em recipientes improvisados, geralmente garrafas plásticas, mas pode ser feita em baldes ou até mesmo em vasos sanitários. Umidade e calor são requisitos essenciais nesse processo, e assim a adição de água se torna necessária quando é usado algum material mais seco como é o caso das cascas de frutas em comparação com a polpa, mais suculenta e que pode ser fermentada com mais facilidade como observado na produção do vinho ou de licores frutados conhecidos como "brandy". A fermentação dura em média 6 dias, e pode ser induzida por esporos de mofo em suspensão no ar, mas o mais comum é acrescentar fermento biológico para pão, podendo-se usar restos secos da produção anterior de "Maria louca" ou até pão velho embolorado para prover as leveduras necessárias ao processo, e açúcar também é normalmente adicionado na mistura para incrementar a ação das leveduras. Há quem beba a primeira partida da "Maria louca" sem passar pela destilação, que pode ser considerada análoga à "kaffir beer" da África Meridional, principalmente mendigos em função da maior dificuldade em se obter os meios necessários para fazer um alambique improvisado, mas o uso como combustível veicular nesse estágio ainda não é recomendado, pois mesmo que já possa ter um teor alcoólico em volume na faixa do mínimo de 80% necessário para ser aplicado num motor convencional ainda há o risco de desenvolvimento microbial no tanque, filtros e linhas de combustível do veículo.

Como a destilação normalmente é feita com equipamentos improvisados, é comum que a mistura seja peneirada para separar a parte sólida de modo a evitar entupimentos que possam acarretar em acidentes, até mesmo em explosões que podem ter consequências graves e provocar lesões permanentes, sendo mais comum entre os detentos usar uma meia para fazer esse procedimento. Em seguida, é aquecida, e o álcool evaporado é coletado e resfriado para condensar e voltar ao estado líquido. Presidiários normalmente usam uma lata com um furo na tampa, conectado a uma serpentina metálica, normalmente de cobre (pode ser retirada de um bebedouro ou de equipamentos de refrigeração), recorrendo a aquecedores elétricos improvisados para aquecer, e fazendo a serpentina passar por um balde com água fria para promover a troca de calor necessária à condensação dos vapores de álcool. Uma panela de pressão comum também pode ser modificada para servir a esse processo, com a serpentina conectada no lugar da válvula.

É um processo tecnicamente simples, embora demorado, e de fato o produto final pode ter aplicações como combustível veicular ou mesmo como reagente para produção caseira de biodiesel. É uma alternativa economicamente viável quando se dispõe do espaço necessário à montagem de um alambique, e acesso fácil a uma quantidade considerável de resíduos orgânicos ricos em açúcares. No caso do Felipe, não seria tão fácil garantir a saciedade de um "6 canecos" exclusivamente com "Maria louca", mas nada impede que seja aplicada de forma complementar para reduzir as despesas com o etanol disponível comercialmente ou manter um estoque próprio durante a entressafra da cana.