quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Reflexão: até que ponto os híbridos são capazes de manter a competitividade da ignição por faísca?

Já não é novidade que os veículos híbridos combinando um motor a gasolina e um elétrico vem sendo apresentados de uma forma quase messiânica, com destaque para o Toyota Prius por ter difundido esse sistema a nível mundial. No entanto, em meio ao fenômeno do downsizing, não deixa de chamar a atenção que o Prius, atualmente na 4ª geração, e outros modelos com uma configuração semelhante permaneçam alheios à popularização do turbocompressor e da injeção direta nos motores de ignição por faísca. De fato, a permanência da aspiração natural pode ser vista como um contraponto ao maior custo inerente a um sistema de tração híbrido, além da injeção multiponto sequencial indireta favorecer o controle das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) ao proporcionar uma vaporização completa do combustível antes do processo de combustão quando comparada à injeção direta que vem ganhando espaço em automóveis não-híbridos. Ainda assim, é uma estratégia controversa, principalmente no tocante à adaptabilidade a combustíveis alternativos.

Enquanto o Toyota Prius era novidade no mercado brasileiro ainda na geração anterior, muita especulação foi feita em torno de uma eventual incorporação da tecnologia "flexfuel" ao motor 2ZR-FXE com o intuito de aproveitar a experiência de sucesso no uso do etanol em substituição à gasolina, mas no fim das contas a proposta não foi adiante. O próprio funcionamento intermitente do motor a gasolina no anda-e-para do trânsito urbano viria a se tornar um empecilho, dificultando a vaporização do etanol durante as sucessivas partidas. Naturalmente, uma parte da energia recapturada através do sistema de frenagem regenerativa poderia ser usada para pré-aquecer o combustível como se observa em alguns carros "flex" produzidos no Brasil, México e países do Mercosul, com o etanol atingindo uma temperatura suficiente para vaporização durante o intervalo de tempo entre o início da movimentação do Prius através do motor elétrico e a entrada do motor a gasolina em ação, mas iria contra as expectativas de uma redução na desvantagem do etanol com relação à gasolina no tocante à eficiência geral. Dentre os combustíveis alternativos disponíveis em escala comercial, o gás natural ainda se mostra mais adequado para uso em veículos híbridos que o etanol justamente por permanecer em estado de vapor nas temperaturas ambientes observadas em diferentes regiões do país, podendo ser substituído por biogás/biometano com facilidade quando disponível.


Um exemplo claro do contraste entre os motores destinados aos híbridos e os que apenas se enquadram no conceito de downsizing é a atual geração do Ford Fusion. Enquanto a injeção indireta aplicada ao híbrido depende do calor latente do ar para promover a vaporização do combustível, o motor EcoBoost dotado de turbo e injeção direta recorre ao aquecimento aerodinâmico promovido durante a fase de compressão, e também pela indução forçada, para que o combustível vaporize apenas quando for injetado diretamente nas câmaras de combustão. Ainda que tanto o Hybrid quanto o EcoBoost não sejam disponibilizados em versões "flex", a injeção direta elimina boa parte das dificuldades associadas à partida a frio com o etanol. Outro aspecto a salientar é referente às taxas de compressão: a injeção direta traz uma maior segurança ao usar taxas mais elevadas nos motores a gasolina sem o risco de uma pré-ignição, permitindo também que o motor opere com uma proporção mais pobre em combustível para uma dada massa de ar. Embora o híbrido também recorra a uma taxa de compressão alta, diga-se de passagem 23% mais elevada que a do EcoBoost, o prolongamento na duração da abertura das válvulas de admissão avançando sobre o tempo de compressão acaba por tornar a compressão dinâmica menor que a compressão estática de modo a reduzir as chamadas "perdas por bombeamento" através do efeito Atkinson, fazendo com que a fase de expansão tenha um curso efetivo mais longo que a compressão.



Em que pese a menor adaptabilidade dos principais automóveis híbridos ao etanol, que até certo ponto pode constituir um obstáculo para a aceitação de uma grande parte do público brasileiro, ainda levam vantagem num contexto mundial pós-Dieselgate no qual a histeria eco-normativa vem sendo posta em xeque. Os fluxos mais quentes devido à preservação do calor latente no ar admitido sem antes vaporizar ao menos uma porção do combustível fazem com que discrepâncias nas emissões de NOx de forma análoga às que levaram a um dos maiores escândalos dos últimos anos possam também ser observadas em um motor a gasolina ou "flex", até mesmo eventualmente convertido para funcionar com combustíveis gasosos. Outro efeito colateral da injeção direta em motores de ignição por faísca que vem recebendo mais atenção recentemente é a formação de material particulado, que antes parecia um problema inerente apenas ao Diesel. Tendo em vista que, com exceção do gás natural, outros combustíveis normalmente usados num motor do ciclo Otto (gasolina, etanol e até o gás liquefeito de petróleo - vulgo GLP ou "gás de cozinha" - nos países onde é regulamentada a aplicação como combustível automotivo) são injetados ainda na fase líquida quando a injeção direta está presente, uma parte que não esteja suficientemente vaporizada pode sofrer combustão incompleta. Não é de se estranhar que hoje no mercado europeu a Lexus, divisão de luxo da Toyota, venha dando prioridade aos híbridos, e modelos como o NX que aqui contam com motor 2.0L turbo com injeção dupla (direta e indireta) sejam oferecidos em países como Portugal e Espanha apenas com o 2.5L aspirado de injeção indireta usado nas versões híbridas.

Ao menos hoje, não seria tão equivocado apontar uma maior ênfase que venha a ser dada ao gás natural e por extensão ao biogás/biometano em detrimento do etanol como um fator preponderante para que os híbridos ainda consigam manter a ignição por faísca suficientemente competitiva, ao passo que o downsizing puro e simples tem trazido inconvenientes e exigiria um grande investimento como o que já vem sendo feito no desenvolvimento de soluções para o controle de emissões nos motores Diesel modernos. O que vai realmente ditar as regras vão ser as conveniências políticas e a integração das cadeias produtivas dos principais biocombustíveis a serem destinados ao uso automotivo tanto puros quanto combinados, desde o etanol e o biodiesel até o biogás/biometano. Nesse sentido, os híbridos podem até ser vistos como uma alternativa para que a ignição por faísca mantenha alguns nichos de mercado cativos nas próximas décadas, ainda que o Diesel se sobressaia no tocante ao custo/benefício a ponto de algumas aplicações como o ônibus híbrido da Volvo derrubarem a percepção de Diesel e híbridos como antagônicos.

3 comentários:

  1. Agora começa a fazer algum sentido para mim que não tenha saído nenhum híbrido flex.

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  2. Mas se aparecer um híbrido com motor de injeção direta, o etanol se torna viável?

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html