sexta-feira, 10 de março de 2017

Breve reflexão: até que ponto as normas de emissões MAR-I podem trazer novos desafios para a mecanização em pequenas propriedades rurais

Que a agricultura e a pecuária constituem uma fonte importante de riquezas para o Brasil, não há dúvidas. Tanto os grandes "barões" e "coronéis" da cana, do milho e da soja concentrados principalmente em alguns dos maiores pólos agropecuários nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, quanto os pequenos e médios produtores rurais por todo o Brasil, acabam tendo que enfrentar desafios para assegurar não apenas o escoamento da produção diante da infra-estrutura precária mas também a produtividade diante de condições adversas como a violência promovida por guerrilhas rurais e o acesso ainda limitado à assistência técnica agronômica. Como seria de se esperar, em alguns aspectos esses desafios se tornam ainda mais complexos para o pequeno produtor, como por exemplo no âmbito da implementação de medidas que visam um aumento na precisão e produtividade, especialmente a mecanização.

Com a efetiva abrangência das normas de emissões MAR-I sobre tratores e outras máquinas agrícolas autopropelidas de potência superior a 75kW (102cv) já em 2017, vindo a ser aplicada também em todas as faixas de potência mais baixas a partir de 2019, não é nenhuma surpresa um aumento no custo dos equipamentos em função da tecnologia de gerenciamento eletrônico agregada a uma maior proporção dos motores novos com o intuito de adequá-los aos índices de emissões que venham a ser exigidos. Embora seja aberta a possibilidade de incorporar diagnóstico on-board (OBD - On-Board Diagnostics) para facilitar a detecção de falhas e a precisão dos reparos, não se deve ignorar a necessidade de ferramentas mais especializadas e sistemas eletrônicos cuja disponibilidade imediata na propriedade rural não é tão simples de providenciar quanto um conjunto de chaves e alicates, além do custo de algumas peças de reposição também acompanhar a maior complexidade das mesmas sem que isso necessariamente venha a se refletir numa maior vida útil.

É importante levar também em consideração a aplicabilidade de combustíveis alternativos, que vem se revelando cada vez mais crucial para garantir a sustentabilidade das mais diversas atividades econômicas. As regulamentações atuais, apesar das desvantagens já enfatizadas, não tornaram-se de imediato um empecilho ao uso do biodiesel ou mesmo óleos vegetais brutos, tendo em vista que na grande maioria dos casos ainda não é necessário recorrer a dispositivos como o EGR ou o SCR para manter as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) sob controle e nem ao filtro de material particulado (DPF - Diesel Particulate Filter) para reter e posteriormente reduzir a fuligem negra em suspensão nos gases de escape durante a fase de "regeneração" e autolimpeza do filtro em condições específicas de rotação do motor a ser mantida num regime constante e prolongado para que a temperatura dos gases de escape (EGT - Exhaust Gas Temperature) se mantenha suficientemente elevada para que ocorra a vaporização e auto-ignição de uma pequena quantidade extra de combustível a ser injetada durante a fase de escapamento com o intuito de promover a redução do material particulado acumulado. Cabe salientar que tanto blends com concentração de biodiesel superior a 20% (B20) quanto óleos vegetais brutos apresentam maior dificuldade para vaporizar no ciclo de pós-injeção, principalmente quando não há um bico injetor à parte para suprir diretamente o DPF.

Ainda é possível que o pequeno produtor rural brasileiro, que na maioria dos casos permanece muito dependente de terceiros para o eventual beneficiamento e agregação de valor à produção, mantenha-se receoso quanto às possibilidades de promover a auto-suficiência energética na propriedade. Nesse sentido, até não se pode ignorar que a opção mais fácil de consorciar com as produções tradicionais de diferentes regiões e que eventualmente ainda possam apresentar maior adaptabilidade a motores de ignição por faísca acabam subestimadas, como é o caso do biogás/biometano que se revela uma boa alternativa para promover a destinação segura de dejetos provenientes da criação de animais em regime intensivo tanto na pecuária quanto na avicultura. Até o polêmico etanol, cuja perigosa dependência da cana de açúcar e a participação ainda pequena do milho na cadeia produtiva em âmbito nacional ainda servem de pretexto para críticas e desconfiança, pode vir a ser reabilitado mediante a incorporação de outras matérias-primas atualmente subestimadas como resíduos do beneficiamento de frutas, legumes e cereais com os mais variados teores de sacarose, frutose, maltose, amido ou celulose. A pouca tecnologia requerida para a produção de bebidas alcoólicas como o cauim de mandioca consumido por algumas tribos indígenas, a "Maria louca" dos presidiários e a grappa ou "bagaceira" produzida a partir do bagaço da uva utilizada para se fazer vinho também pode servir de pretexto para uma implementação relativamente rápida e a baixo custo de uma microdestilaria de etanol tanto numa pequena propriedade familiar quanto eventualmente numa cooperativa agrícola, e também vale recordar que durante a entressafra da cana não é incomum que se importe etanol de uva italiano para manutenção dos estoques reguladores.

Levando em consideração as experiências de sucesso com tratores movidos a gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha") em aplicações industriais e até mesmo hospitalares, bem como dos aviões agrícolas Embraer Ipanema movidos a etanol, não seria de se duvidar que alguns pequenos e médios produtores passem a levar em consideração a maior simplicidade aparente dos dispositivos de controle de emissões aplicados a motores de ignição por faísca que ainda tem se resumido a conversores catalíticos e EGR, além da ventilação positiva do cárter (a famosa válvula PCV - Positive Crankcase Ventilation) e quando aplicável o cânister para controlar as emissões evaporativas do óleo lubrificante e de combustível ainda armazenado no tanque. A notável expansão do mercado motociclístico, alcançando também muitas cidades pequenas espalhadas pelo interior onde o trânsito não havia se tornado tão caótico quanto nos centros regionais e grandes metrópoles, por incrível que pareça também indica novos rumos que a mecanização agrícola pode tomar para alcançar pequenos produtores, tendo em vista alguns exemplos de microtratores artesanais com motor de motocicleta (normalmente da Honda CG 125) que podem ser encontrados no YouTube.

De fato, as normas MAR-I trazem desafios em faixas de potência e cilindrada mais modestas, enquanto aplicações mais pesadas beneficiam-se da economia de escala compartilhando soluções já consolidadas no mercado de veículos pesados. Portanto, é essencial que os fabricantes de tratores, máquinas agrícolas e implementos reconheçam que o Brasil não se resume às plantações de soja no Mato Grosso ou aos milharais de Goiás, tampouco aos parreirais da Serra Gaúcha ou de áreas irrigadas no Vale do São Francisco, e estejam preparados para oferecer alternativas que não apenas respondam às exigências ambientais a um custo de aquisição competitivo mas também no tocante ao uso de combustíveis como o etanol e o biogás/biometano de acordo com as vocações agropecuárias de diferentes regiões, e até reduzir a pressão exercida sobre o óleo diesel convencional e o biodiesel ainda muito usada como pretexto para impedir a liberação em veículos leves.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html