segunda-feira, 3 de agosto de 2015

"Maria louca": a cachaça de presidiário pode servir como combustível veicular improvisado?

O assunto de hoje foi definido após uma conversa com o Felipe Fagundes, de Rio Pardo, que enlouqueceu de vez anda cogitando comprar uma Chevrolet C-10 de cabine dupla com o bom e velho motor "Stovebolt Six", mas está mais interessado em manter a ignição por faísca e fazer uma leve preparação orientada ao desempenho, descartando a hipótese de fazer a conversão para Diesel conhecida por "misto quente". No entanto, não deixa totalmente de lado a possibilidade de fazer alguma experiência com biocombustíveis.

A experiência brasileira com o etanol já é bastante conhecida a nível mundial, mas valendo-se da cana de açúcar como principal matéria-prima e reacendendo temores quanto a um desabastecimento como o que ocorreu na safra '89-'90 da cana, quando a exportação de açúcar foi prioridade para o setor sucroalcooleiro em detrimento da oferta do álcool etílico carburante no mercado interno. Entretanto, há muitos outros materiais com um teor de açúcares (não apenas a sacarose, mas também frutose, maltose e outras "oses") adequado à produção de etanol. Vem à memória algumas referências à "Maria louca", uma espécie de cachaça improvisada produzida clandestinamente em presídios pelos detentos e também por mendigos na rua, que não tem qualquer controle de qualidade mas evidencia a viabilidade de uma produção artesanal de etanol com matérias-primas mais diversificadas, principalmente arroz e cascas de frutas.

A fermentação é feita em recipientes improvisados, geralmente garrafas plásticas, mas pode ser feita em baldes ou até mesmo em vasos sanitários. Umidade e calor são requisitos essenciais nesse processo, e assim a adição de água se torna necessária quando é usado algum material mais seco como é o caso das cascas de frutas em comparação com a polpa, mais suculenta e que pode ser fermentada com mais facilidade como observado na produção do vinho ou de licores frutados conhecidos como "brandy". A fermentação dura em média 6 dias, e pode ser induzida por esporos de mofo em suspensão no ar, mas o mais comum é acrescentar fermento biológico para pão, podendo-se usar restos secos da produção anterior de "Maria louca" ou até pão velho embolorado para prover as leveduras necessárias ao processo, e açúcar também é normalmente adicionado na mistura para incrementar a ação das leveduras. Há quem beba a primeira partida da "Maria louca" sem passar pela destilação, que pode ser considerada análoga à "kaffir beer" da África Meridional, principalmente mendigos em função da maior dificuldade em se obter os meios necessários para fazer um alambique improvisado, mas o uso como combustível veicular nesse estágio ainda não é recomendado, pois mesmo que já possa ter um teor alcoólico em volume na faixa do mínimo de 80% necessário para ser aplicado num motor convencional ainda há o risco de desenvolvimento microbial no tanque, filtros e linhas de combustível do veículo.

Como a destilação normalmente é feita com equipamentos improvisados, é comum que a mistura seja peneirada para separar a parte sólida de modo a evitar entupimentos que possam acarretar em acidentes, até mesmo em explosões que podem ter consequências graves e provocar lesões permanentes, sendo mais comum entre os detentos usar uma meia para fazer esse procedimento. Em seguida, é aquecida, e o álcool evaporado é coletado e resfriado para condensar e voltar ao estado líquido. Presidiários normalmente usam uma lata com um furo na tampa, conectado a uma serpentina metálica, normalmente de cobre (pode ser retirada de um bebedouro ou de equipamentos de refrigeração), recorrendo a aquecedores elétricos improvisados para aquecer, e fazendo a serpentina passar por um balde com água fria para promover a troca de calor necessária à condensação dos vapores de álcool. Uma panela de pressão comum também pode ser modificada para servir a esse processo, com a serpentina conectada no lugar da válvula.

É um processo tecnicamente simples, embora demorado, e de fato o produto final pode ter aplicações como combustível veicular ou mesmo como reagente para produção caseira de biodiesel. É uma alternativa economicamente viável quando se dispõe do espaço necessário à montagem de um alambique, e acesso fácil a uma quantidade considerável de resíduos orgânicos ricos em açúcares. No caso do Felipe, não seria tão fácil garantir a saciedade de um "6 canecos" exclusivamente com "Maria louca", mas nada impede que seja aplicada de forma complementar para reduzir as despesas com o etanol disponível comercialmente ou manter um estoque próprio durante a entressafra da cana.

2 comentários:

  1. E deu certo para o teu amigo usar essa cachaça como combustível? Eu tentei fazer com abacaxi para beber mesmo e até que ficou bom.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html