sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Breves observações sobre o biodiesel e a solubilização do etanol ao óleo diesel convencional

Já não é novidade que o Brasil reúne condições muito propícias para implementar uma substituição mais ampla dos combustíveis fósseis pelos renováveis. A experiência com o etanol nos motores com ignição por faísca, que já encontrava apoio em algumas regiões com tradição canavieira antes mesmo que fosse esboçado o ProÁlcool, é o exemplo mais divulgado a nível mundial, enquanto a opção pelo biogás/biometano igualmente adaptável não apenas em aplicações estacionárias e industriais no lugar do gás natural de origem fóssil e do gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha") mas também ao uso em veículos leves como alternativa à gasolina passou a ser levada em consideração só mais recentemente. Outra fonte de energia que vem sendo subestimada de uma forma até surpreendente em se tratando de um país tão dependente do modal rodoviário para o transporte comercial e portanto do óleo diesel convencional, bem como a peculiaridade da região amazônica onde a navegação se revela essencial para atender às populações ribeirinhas, é o biodiesel. Diante da possibilidade de promover uma integração mais efetiva entre soluções tão diversificadas para atender à demanda do transporte comercial e até promover uma maior integração regional, realçada pela solubilização entre o óleo diesel convencional e o etanol a ser proporcionada pelo biodiesel, soa ainda mais absurdo que esse combustível permaneça sendo tratado com descaso pelo poder público.

Mesmo com o biodiesel já incluindo algum álcool na formulação, tanto o metanol que é habitual no exterior quanto o etanol bastante adequado à realidade brasileira, e não seja de todo inviável fomentar uma implementação mais imediata, pode ser útil explorar em escala comercial a maior solubilidade que o biodiesel proporciona entre etanol e óleo diesel convencional, ao menos num estágio inicial da renovação da matriz energética do transporte. Tendo em vista que o setor sucroalcooleiro se encontra mais consolidado no mercado brasileiro de combustíveis, enquanto o biodiesel ainda necessita algum fomento para atingir uma escala de produção mais efetiva no atendimento às necessidades dos atuais usuários do óleo diesel convencional, é importante aproveitar a oportunidade para integrar diferentes combustíveis. Dentre os benefícios, além de uma redução e neutralização de emissões, cabe destacar a possibilidade de fortalecer a segurança energética em virtude da variedade de matérias-primas que venham a oferecer uma menor dependência pela cana de açúcar no caso do etanol ou da soja quando se trata do biodiesel. Outro ponto que se revela importante num âmbito estratégico é a preservação de divisas no país ao invés de comprometê-las com países exportadores de petróleo, que não costumam ser lá grandes exemplos de democracia e respeito às liberdades individuais ou aos valores judaico-cristãos ainda tão caros à esmagadora maioria da população brasileira. Portanto, além de conciliar a economia com a tão falada sustentabilidade, explorar mais essa vantagem do biodiesel pode favorecer até mesmo a segurança nacional e o bem-estar dos cidadãos brasileiros.

Em meio a temores relacionados a uma suposta necessidade de expandir as atuais fronteiras agrícolas para manter uma escala de produção que assegure a viabilidade econômica do biodiesel e do etanol, é fundamental ressaltar alguns resíduos do beneficiamento de cultivares tradicionais que apresentam as melhores condições para que venham a servir de matérias-primas, com destaque para o baixo valor de mercado e a menor concorrência com a produção de gêneros alimentícios. Um dos exemplos que se revelam mais adequados a essa circunstância é a borra do refino do óleo de caroço de algodão, que chegou a ser testado já na década de '80 pela Cocamar na região de Maringá e chegou a apresentar até mesmo uma redução de consumo em comparação ao óleo diesel convencional em alguns caminhões das marcas Mercedes-Benz e Scania que serviram de parâmetro para o teste, além de uma previsível redução nas emissões de material particulado e uma melhoria na lubrificação do sistema de injeção. De um modo geral, a agroindústria brasileira já vem demonstrando ter condições para desenvolver uma variedade de alternativas a um custo bastante competitivo para suprir ao menos grande parte da demanda nacional por combustíveis veiculares, domésticos, bem como outras aplicações tão variadas quanto grupos geradores, máquinas agrícolas integradas à própria cadeia produtiva e os mais diversos equipamentos estacionários/industriais. Até mesmo a hegemonia da cana como matéria-prima para o etanol, que parecia incontestável diante do rendimento superior em litros/hectare comparada ao milho predominante na produção desse combustível nos Estados Unidos ou à beterraba açucareira usada na Europa, já vem sendo articulada a nível nacional com o milho durante a entressafra da cana e até com o melaço de soja restante da produção de proteína concentrada de soja, contribuindo assim para uma maior estabilidade dos preços ao longo do ano sem depender tanto dos "estoques reguladores" que tem se revelado uma medida inócua para manter o preço do etanol competitivo com a gasolina ao longo do ano na maioria das unidades da federação.

Diante do recrudescimento das normas de emissões, cujas gerações mais recentes de motores Diesel vem sendo forçadas a acompanhar não apenas em aplicações automotivas mas também agrícolas, estacionárias/industriais e náuticas, algumas dificuldades associadas ao biodiesel e interferências no funcionamento de dispositivos como o filtro de material particulado (DPF - Diesel Particulate Filter), há de se considerar eventuais vantagens na mistura com etanol que não pode ser feita de forma segura sem recorrer a algum aditivo capaz de promover a emulsão no óleo diesel convencional. Nesse caso, a maior volatilidade do etanol pode até contrabalançar as dificuldades que concentrações mais altas de biodiesel tem apresentado para vaporizar durante o processo de autolimpeza (ou "regeneração") do filtro. A redução na geração de material particulado em função da mistura com etanol também deve ser levada em consideração, visto requerer uma menor frequência de ciclos de autolimpeza do filtro, e uma menor obstrução nesse dispositivo acaba sendo benéfica a uma redução de consumo que possa eventualmente até compensar uma menor densidade energética inerente ao etanol dependendo da proporção de mistura entre óleo diesel convencional, biodiesel e etanol. As emissões de óxidos de nitrogênio (NOx), outro calcanhar-de-Aquiles do ciclo Diesel, também tendem a manter-se em valores mais modestos com o etanol, podendo reduzir o consumo do ARLA-32/ARNOx-32/AdBlue no caso de motores dotados do sistema SCR. Já nos equipados com o sistema EGR para recirculação de uma parte dos gases de escape, a menor fuligem também se reflete em um menor acúmulo de sedimentos carbonizados que possam entupir o coletor de admissão ou mesmo se acumular em sedes de válvula quando combinados com vapores oleosos provenientes da ventilação do cárter.

O desafio de conciliar metas de redução de emissões à necessidade de manter o custo operacional sob controle tem às vezes dado mais visibilidade a alternativas tecnicamente mais complexas e de difícil implementação, que nem sempre tem uma aceitação tão ampla junto a pequenos operadores e ainda diminuem o valor de revenda dos veículos quando chega o momento da renovação de frota. Nesse contexto, a solubilidade do biodiesel tanto com o etanol quanto com o óleo diesel convencional acaba sendo importante não só como uma alternativa para agilizar a transição para fontes de energia limpas e renováveis mas, principalmente, por oferecer uma aplicabilidade até mais imediata que outras mais sofisticadas e inacessíveis à grande maioria dos operadores brasileiros do transporte comercial, bem como proporcionar uma maior segurança energética. Enfim, diante das especificidades do mercado brasileiro que vão desde a precária qualidade do óleo diesel convencional disponível em algumas regiões mais interioranas até o atual cenário de subaproveitamento dos recursos agroenergéticos, valer-se da integração com o já consolidado etanol pode ser a oportunidade que faltava para recuperar a competitividade do biodiesel e promover uma redução de emissões sem abrir mão das vantagens dos motores Diesel no tocante à eficiência geral.

3 comentários:

  1. No Brasil imperam os interesses de politiqueiros pilantras, porque se critérios técnicos fossem considerados até o biogás seria usado. Em um país onde o tratamento do esgoto cloacal é mínimo e a destinação do lixo doméstico em muitos lugares é feita equivocadamente, o uso do biogás como combustível poderia servir como estímulo a investimentos na área de saneamento.

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    1. Sem sombra de dúvidas. O biogás poderia servir bem tanto em áreas urbanas como eventual substituto ao gás natural de origem fóssil quanto nas zonas rurais onde hoje o gás natural canalizado não é oferecido regularmente. Chega a soar até estúpido que alguns projetos de saneamento nos últimos 10 anos não tenham nem sequer contemplado a possibilidade de recuperar o biogás para aproveitamento como fonte de energia, ao invés de simplesmente descartá-lo diretamente na atmosfera.

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  2. Biogás já tem quem use em sítio, mas ainda é mais para fogão ou para esquentar água. Já vi também uns motores Caetano Branco com um filtro para usar biogás direto do biodigestor, mas no carro o jeito seria abastecer com o biogás já purificado mesmo senão dá problema mesmo.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html