Não se pode esquecer que, enquanto o Diesel detém amplo respaldo em uma infinidade de segmentos além das aplicações veiculares, a ignição por faísca ainda encontra pretextos para uma continuidade principalmente em função de veículos leves nos quais os custos de fabricação e aquisição são críticos, e em alguns equipamentos portáteis que tem foco na redução de peso para a escolha do motor mais adequado. Nesse contexto, por mais incrível que possa parecer, até mesmo aquele motor 4-tempos de pistões opostos projetado na startup americana Pinnacle Engines ainda enfrenta alguma resistência mesmo diante de uma previsão de incrementar somente de 2,5 a 3% no preço final de uma moto de baixa cilindrada ou de um triciclo utilitário daqueles muito populares no sudeste asiático e oferecendo uma eficiência energética comparável à dos sistemas de tração híbrida gasolina-elétrica notadamente mais caros, complexos e pesados. Uma característica interessante desse projeto da Pinnacle Engines é o uso das camisas de cilindro como válvulas, podendo ser feita uma analogia ao sistema desenvolvido por Charles Knight e amplamente usado tanto em automóveis americanos e europeus como também em motores aeronáuticos por eliminar a ocorrência de recessão de sedes de válvula de escapamento quando ainda nem se falava em gasolina com chumbo ou no preenchimento de hastes de válvulas com sódio visando uma melhor refrigeração. Na prática, como os motores de pistões opostos ao menos aparentam ter uma boa tolerância às variações de inclinação que possam ser submetidos, até que não seria de se estranhar que começassem a aparecer em substituição aos motores 2-tempos que hoje ainda são o padrão nas motosserras...
Embora a cultura predominante na indústria automobilística em geral permaneça um tanto refratária a tecnologias desenvolvidas por terceiros, não faltam boas oportunidades em outros segmentos. A bem da verdade, não se deve esquecer que o ciclo Diesel ganhou notoriedade em aplicações náuticas e estacionárias/industriais antes que fosse levado a sério como uma alternativa para veículos terrestres. Portanto, não seria de se estranhar que projetos como o desenvolvido pela startup americana Achates Power, proponente de uma reabilitação dos motores Diesel 2-tempos com pistões opostos no segmento veicular, num primeiro momento conquistassem uma maior receptividade para o uso em embarcações e grupos geradores. Guardadas as devidas proporções, pode-se considerar o sistema de injeção direta desenvolvido pela empresa australiana Orbital Corporation para motores 2-tempos de ignição por faísca como um precedente favorável tendo em vista que, após toda a empolgação em torno de eventuais aplicações automotivas que no fim foram engavetadas, acabou consolidando-se como uma alternativa adequada tanto às particularidades de motores marítimos quanto de outros produtos especiais como snowmobiles, além de ser compatível com o uso de combustíveis alternativos como o etanol, o gás natural, e também o querosene de aviação e o óleo diesel convencional em algumas aplicações militares.
Como seria de se esperar, fabricantes de veículos da Índia e da China ainda considerados pequenos diante dos principais conglomerados americanos, europeus, japoneses e sul-coreanos e ainda muito dependentes da transferência de tecnologia proveniente tanto dos fabricantes mais tradicionais quanto de consultorias independentes oferecem uma possibilidade mais promissora para os outsiders. Entre os fatores que podem influenciar nessa perspectiva, a rápida expansão das frotas locais e também em mercados de exportação onde o custo baixo garante uma certa competitividade aos veículos indianos e mais recentemente chineses, bem como a necessidade de conciliar a manutenção da vantagem no preço com o cumprimento de normas de emissões mais rigorosas e metas de redução de consumo de combustíveis que se fazem necessárias para ir além dos mercados periféricos na Ásia, África, América Latina e Oriente Médio. Não se pode esquecer da competição com os carros usados exportados diretamente do Japão e da Coréia do Sul em países onde tal prática é permitida, e a larga escala que a hibridização tem atingido na frota japonesa impõe um desafio no tocante à manutenção e ao descarte de componentes como as baterias tracionárias ao final da vida útil operacional, e assim alguns projetos desenvolvidos fora das indústrias automobilísticas mais tradicionais podem vir a se mostrar mais adequados tanto à realidade dos mercados emergentes quanto dos subdesenvolvidos. No caso específico de alguns carros fabricados na China, onde ainda predomina entre os fabricantes locais o costume de copiar motores antigos da Mitsubishi, Toyota e Isuzu nem sempre com o devido licenciamento, há de se levar em consideração eventuais restrições à exportação a alguns mercados que levam o respeito à propriedade intelectual mais a sério.
Mesmo a questão ambiental, que em alguns momentos parecia dificultar exponencialmente o atendimento a normas de emissões cada vez mais rigorosas sem acarretar prejuízos tanto ao desempenho e à economia de combustível quanto à durabilidade, acaba por proporcionar situações antes consideradas praticamente impossíveis mas que reforçam tanto a viabilidade futura do ciclo Diesel em diversos cenários operacionais quanto da incorporação de tecnologias fornecidas pelos outsiders. Por exemplo, quem poderia supor que a Cummins, notabilizada por nunca ter oferecido um motor 2-tempos como resultado da decepção do fundador Clessie Cummins com um protótipo danificado durante uma corrida, iria algum dia desafiar a tradição e estabelecer um convênio com a Achates Power visando exatamente o desenvolvimento de um motor Diesel 2-tempos a ser inicialmente destinado ao uso em viaturas militares? Também não é possível ignorar a eficiência térmica superior inerente ao ciclo Diesel em comparação à ignição por faísca, sendo portanto um importante aliado na promoção de uma utilização mais racional de recursos energéticos e ainda oferecendo uma boa relação custo/benefício diante de alguns problemas inerentes aos sistemas híbridos como o maior gasto de energia aplicada aos processos produtivos e a utilização mais intensa de alguns minerais destinados à fabricação de ímãs para os motores elétricos e de compostos químicos presentes nas baterias.
É importante levar em consideração os efeitos de um maior rigor em normas de emissões que vem sendo implementadas em aplicações que até pouco tempo atrás sofriam menos restrições nesse âmbito, como equipamentos de construção e manejo de materiais, que eventualmente possam ter o desempenho e a operacionalidade afetados de forma mais prejudicial com alguns dos métodos de controle de emissões aplicados pela indústria automobilística. Tomando como referência alguns equipamentos do tipo skid-steer, para os quais não é incomum que a marca BobCat seja usada incorretamente como um sinônimo, as dimensões compactas tornam indispensável que o conjunto motriz e respectivos periféricos também não sejam demasiadamente volumosos ou pesados, e nesse sentido fica evidente uma oportunidade para a aplicação de algumas tecnologias que eventualmente o setor automobilístico ainda venha tratando com descaso enquanto se vê dependente de métodos um tanto problemáticos como o SCR por pura teimosia em desprezar soluções mais práticas e eficientes simplesmente por serem oferecidas por outsiders. Ou alguém em sã consciência ficaria satisfeito em ter que atrasar um serviço para fazer a "regeneração" de um filtro de material particulado (DPF) entupido, por exemplo?
Cara, sempre me perguntei porque motores diesel não tem espaço na industria aeronáutica...
ResponderExcluirPergunta: seria possivel fazer um motor diesel do Wankel?
Já foi tentado pela Rolls-Royce, mas não deu muito certo.
ExcluirBem lembrado nessa questão do Gurgel. Quando ele estava começando a voar mais alto, foi sabotado pelo poder público. E mesmo sendo uma empresa pequena, eu até não acredito que uma adesão a tecnologias desenvolvidas por terceiros sem participação direta de algum fabricante estrangeiro grande teria dado tanta sustentação para a empresa diante do poder de fogo da concorrência que sufocou a Gurgel até onde achou que devia.
ResponderExcluirApesar do desenvolvimento de um motor próprio ter sido um passo "ousado" para um fabricante dum país sem tanta tradição na indústria automobilística quando se exclui os fora-de-série e outros modelos com volume de produção mais contido, nesse ponto a eventual assessoria de um outsider realmente não seria suficiente para assegurar um destino mais promissor ao Gurgel. Já no tocante a motores Diesel, torno a repetir, o próprio mercado ainda favorece uma maior participação de fornecedores independentes que não dependem exclusivamente de aplicações veiculares (não apenas rodoviárias mas também ferroviárias, marítimas e até mesmo aeronáuticas) para garantir um volume de produção satisfatório.
ExcluirSeria realmente estranho ver um fabricante tradicional partir para um motor a gasolina projetado por terceiros, mas agora que muita coisa está mudando nas indústrias automotivas eu já não duvido de mais nada. Mas para fabricantes chineses que ainda copiam projetos mais antigos principalmente da Toyota, Mitsubishi e Isuzu, pode fazer a diferença nessa questão das emissões mas ia acabar obrigando a se mexerem para prover reposição de peças que não seriam mais intercambiáveis com os originais japoneses.
ResponderExcluirJá vi fotos e vídeos de motores Fairbanks-Morse com pistões opostos em funcionamento, mas nunca vi um de perto. Talvez não seja uma ideia de todo má retomar uma aplicação em larga escala desse sistema em motores mais adequados ao uso veicular, mas se depender dos fabricantes tradicionais e da indústria do petróleo isso vai demorar muito.
ResponderExcluirAgora com tanta scooter nova na rua, é que seria uma hora boa para que esse motor Pinnacle fosse lançado. Tenho uma Burgman 125 e só troco se for por outra scooter.
ResponderExcluirQuando será que esse motor de pistões opostos a gasolina finalmente sai do papel? Isso se não engavetarem o projeto como foi feito com o motor Elko movido a óleo vegetal.
ResponderExcluirInfelizmente tem esse risco ainda.
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