domingo, 19 de fevereiro de 2017

Projeto de Lei 6057/16: uma pauta sustentada na hipocrisia

Um projeto atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados traz perspectivas mais sombrias para quem faz alterações irregulares no sistema de controle de emissões de veículos com motor Diesel, ao tipificar na Lei de Crimes Ambientais (9605/98) a "adulteração de tecnologia ou substância destinada a reduzir poluição ambiental ou efetuar a sua medição", tendo como principal foco as diversas práticas usadas para burlar o sistema SCR em caminhões tanto por meio de emuladores (o popular "chip paraguaio") quanto pelo uso de fluidos fora das especificações da solução-padrão ARLA-32 (AdBlue/ARNOx-32/DEF). Além das punições para quem fabricar, adquirir, fornecer ou apenas guardar os dispositivos ou substâncias, também prevê penalidades para quem utilizar sabendo da adulteração, ou seja, é uma tentativa que visa conferir alguma legitimidade às prisões hoje ilegais que a Polícia Rodoviária Federal tem feito de caminhoneiros que não tiveram participação direta na instalação dos equipamentos clandestinos em veículos das empresas onde trabalham ou até autônomos vítimas da falsificação do ARLA-32.

O autor do projeto, Jerônimo Goergen (PP-RS), alega que a prática põe em risco o meio-ambiente e a saúde pública, e portanto "demanda punição condizente com a gravidade do ato praticado". No entanto, prever a reclusão de 1 a 4 anos e multa para tantos trabalhadores essenciais para movimentar a economia do país ao mesmo tempo que a violência e a corrupção se alastram pelo Brasil ancoradas numa sensação de impunidade está longe de ser algo tão sensato. Com o próprio Jerônimo Goergen sendo alvo de ao menos um inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal em função da operação Lava-Jato da Polícia Federal para apurar esquemas de corrupção instalados na Petrobras, bem como de uma Ação Civil Pública no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul onde é réu por improbidade administrativa por manter assessor parlamentar "fantasma", soa ainda mais contraditório o alegado objetivo de combater uma fraude. Diante do consumo de ARLA-32 por volta de 45% abaixo das expectativas de entidades ligadas à indústria de equipamentos de controle de emissões veiculares que previam inicialmente uma defasagem em torno de 20%, recordando também a doação de refratômetros feita em 2015 pelo Sindicom (Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes) para a PRF, uma suposta motivação "ecológica" parece menos realista à medida que alguns interesses meramente arrecadatórios vão se revelando.

Num país com forte predomínio do modal rodoviário, onde poucos esforços para minimizar a forte dependência do transporte comercial pelo óleo diesel convencional são tratados com seriedade, o ARLA-32 aparentemente se tornou mais um caça-níqueis e prevalece diante de projetos que visem o uso do etanol e do gás natural tanto eventualmente em substituição ao óleo diesel quanto como um complemento que possa se revelar tão ou mais efetivo na redução de emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) a um custo menor e com menos complexidade na manutenção dos veículos em comparação ao catalisador usado no sistema SCR que pode sofrer avarias provocadas pelo uso de insumos fora das especificações. Portanto, antes de tentar criminalizar o setor do transporte rodoviário que ainda gera tantos empregos e carrega o país nas costas em meio ao mar de corrupção que afoga a geração de riquezas, seria mais coerente promover e incentivar soluções mais adequadas às condições operacionais e, principalmente, deixar de lado a hipocrisia que atualmente se revela a face principal do cenário político brasileiro.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Observações sobre uma possível volta da inspeção veicular em São Paulo

Um dos programas mais polêmicos instituídos durante o mandato de Gilberto Kassab como prefeito de São Paulo entre 2009 e 2012, e que se estendeu até o cancelamento do contrato com a empresa Controlar quando Fernando Haddad exercia o cargo de prefeito, a inspeção veicular com um viés mais direcionado às emissões pode voltar reformulada e com abrangência estadual a partir de 2018 sob os auspícios do atual governador Geraldo Alckmin. No entanto, um dos aspectos mais discutíveis é a possibilidade de ser restrita ao menos num primeiro momento a veículos movidos a óleo diesel.

Depois do fracasso a nível municipal, quem garante que o mesmo programa vá ser eficaz agora se vier a ser efetivamente implementado em todo o estado de São Paulo? Cabe refletir sobre o erro inicial do ex-prefeito Kassab, que concedeu um monopólio do serviço a uma única empresa que não adequou a estrutura para atender adequadamente à demanda de uma metrópole do porte de São Paulo. Embora uma terceirização futura não esteja descartada, a gestão Alckmin planeja iniciar a medida nos 46 postos da Cetesb espalhados pelo estado e tenha início pela Grande São Paulo e pelas regiões de Campinas, Ribeirão Preto e da Baixada Santista. A bem da verdade, seria mais sensato que as empresas de vistorias veiculares já credenciadas junto ao Detran e ao Inmetro também pudessem disponibilizar o mesmo serviço, considerando uma certa similaridade com alguns procedimentos realizados para regularizar alterações de características como mudanças do combustível do veículo, tomando como principais exemplos as conversões para gás natural ou para etanol.

Limitar a fiscalização para abranger exclusivamente veículos com motor Diesel é outro equívoco grave, tendo em vista que uma conservação mais precária não afeta exclusivamente caminhões, ônibus, pick-ups, furgões e sport-utilities nem faz distinção quanto ao tipo de combustível. Embora o material particulado em suspensão na fumaça preta visível a olho nu já leve um utilitário movido a óleo diesel que esteja fora das especificações de emissões a saltar mais aos olhos em comparação a um automóvel ou motocicleta com motor do ciclo Otto movido a gasolina, gás natural ou etanol que apresente irregularidades diversas como a remoção do conversor catalítico (o popular "catalisador") ou estejam queimando óleo lubrificante em quantidades excessivas, seria de se esperar que prevaleça a isonomia caso o aspecto ambiental venha a ser levado a sério. Como já está em tramitação na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo ao menos um projeto de lei que prevê um programa de inspeção veicular abrangendo toda a frota, seria até mais coerente aprová-lo do que tentar incluir um destaque como o governador cogita que possa ser efetuado.

Outro ponto polêmico é a possibilidade de que veículos emplacados em outras unidades federativas estejam passíveis de autuação por técnicos da Cetesb caso seja constatada alguma irregularidade nas emissões, com os autos de infração a serem emitidos pelo Ibama, medida que em tese pode levar outros estados a também instituírem programas próprios de inspeção veicular. Considerando a enorme dependência do país inteiro pelo modal rodoviário no transporte de cargas e passageiros, não é de se descartar algum impacto em setores como o turismo. Por mais que o transporte aéreo se revele vantajoso em longas distâncias pela rapidez, e de fato venha ficando mais competitivo diante dos ônibus ao menos desde que a Gol Linhas Aéreas iniciou as operações em 2001, é oportuno frisar que alguns serviços fretados como as excursões de "sacoleiros" de certa forma são mais favoráveis à operação com ônibus devido a fatores que vão desde o grande volume de carga transportada pelos passageiros no retorno ao local de origem até a maior complexidade dos procedimentos de check-in, despacho de bagagens e embarque num aeroporto, passando pela redução de custos com hospedagem quando o passageiro aproveita para dormir a bordo do veículo. Certamente, tanto os coreanos do Bom Retiro quanto os árabes e chineses da 25 de Março não ficariam nada satisfeitos vendo uma parcela considerável dos fregueses habituais buscando por novos fornecedores em algum pólo têxtil no Nordeste ou indo buscar muamba diretamente no Paraguai.

Em meio a tantos pontos desfavoráveis a uma inspeção veicular mais restrita ao Diesel, há de se levar em conta alguns interesses que podem estar por trás dessa medida tão infeliz. Não se pode descartar que o setor sucroenergético, diante da perda de competitividade que o etanol vem sofrendo fora de São Paulo, possa ver em tal medida a esperança de assegurar uma reserva de mercado diante de experiências mal-sucedidas como a introdução de ônibus urbanos movidos a etanol na cidade de São Paulo que acabaram na maioria dos casos gradativamente sucateados para servir como "doadores" de peças ou então convertidos para operar com óleo diesel convencional, além da concorrência mais acirrada com o gás natural e mais recentemente o biometano. Ainda que exista a viabilidade para o setor sucroenergético participar mais ativamente da cadeia produtiva do biometano, tanto através do aproveitamento direto da vinhaça (ou "vinhoto") quanto indiretamente mediante o tratamento de dejetos pecuários após o bagaço da cana ser usado como "volumoso" na alimentação dos rebanhos, recuperar o prestígio do etanol ainda é uma prioridade, levando-se em consideração a maior concorrência diante de outras matérias-primas que começam a ganhar espaço na produção do etanol como o milho no Centro-Oeste.

A bem da verdade, é possível que ao menos num primeiro momento um programa de inspeção veicular configurado como uma mera caça às bruxas resulte numa maior procura pelas versões com motor "flex" de diversas pick-ups e sport-utilities que ainda contam com tal opção, eventualmente levando-a a ganhar espaço também em vans de passageiros e alguns VUCs (veículos urbanos de carga) atualmente oferecidos apenas com motores Diesel. Além da mentalidade medíocre que ainda predomina entre operadores e gestores de frota adeptos do imediatismo, não se pode descartar de antemão os custos menores de aquisição e do seguro de um veículo equipado com motor do ciclo Otto como uma possível justificativa para a eventual migração de uma parcela do público que hoje dá preferência ao Diesel caso a inspeção ambiental não tenha uma abrangência mais ampla. Nada garante, no entanto, a vitória que o setor sucroalcooleiro parece estar esperando. Os maiores esforços dedicados a nível mundial pela indústria automobilística ao desenvolvimento de sistemas para gás natural, bem como a diversificação de matérias-primas mais expressiva para o biometano, já vem os tornando mais promissores tanto de forma complementar quanto substitutiva ao óleo diesel convencional em aplicações utilitárias comerciais.

Não custa lembrar que brasileiro é um povo que adora fazer gambiarra, e certamente vá ter quem recorra à adaptação de alguns motores a gasolina (ou etanol) bastante populares para burlar a obrigatoriedade de uma eventual inspeção ambiental focada exclusivamente em veículos movidos a óleo diesel. O que poderia parecer lógico no âmbito de uma redução de emissões, no entanto, acabaria reforçando a incoerência da medida tendo em vista que possam vir a ser adaptados alguns motores com certificação de emissões defasada em relação à dos veículos que os recebam. Ou alguém em sã consciência consideraria racional, por exemplo, adaptar motor de Opala numa Nissan XTerra e logo em seguida instalar kit GNV? Além da exigência de gerenciamento eletrônico para os kits de conversão para gás natural a serem adaptados em veículos produzidos a partir de 1997, não convém esquecer que uma grande quantidade de motores de ignição por faísca recorriam a uma mistura ar/combustível excessivamente rica apenas para refrigerar os pistões e sedes de válvula, resultando numa emissão excessiva de hidrocarbonetos crus, ou seja, combustível que não foi corretamente queimado. No caso do metano, principal componente do gás natural, cabe recordar que é um dos gases-estufa com meia-vida mais longa que a do dióxido de carbono (CO² - "gás carbônico").

Em meio a tantos projetos engavetados tanto no âmbito da renovação de frota quanto da inspeção veicular, alguns erros já deveriam ter servido de lição justamente para não serem repetidos da forma que vem ocorrendo agora. Transformar a pauta do controle de emissões num palanque anti-Diesel é uma estupidez, não apenas por ser uma forma simplória e menos efetiva de tratar essa questão do que poderia parecer à primeira vista mas, principalmente, pelo desrespeito a tantos usuários que dependem da maior confiabilidade oferecida pelos motores do ciclo Diesel em condições operacionais extremas.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Breve observação sobre a popularidade do freio a tambor em caminhões no Brasil

Mesmo nesses tempos em que tantos veículos comerciais pesados procuram oferecer uma experiência de condução cada vez mais próxima de um carro de passeio, um tema que ainda suscita reflexões é a diferença na concepção de alguns sistemas como suspensões e freios. Chega-se a um ponto em que a resistência de uma parcela significativa do mercado de caminhões e ônibus à adoção de tecnologias mais atuais até causa algum espanto, como a preferência de alguns operadores e gestores de frota pelo freio a tambor que já vem perdendo participação de mercado até nas motocicletas de baixa cilindrada mas permanece firme e forte entre os brutos.

Embora o princípio de funcionamento seja basicamente o mesmo, com sapatas que se expandem de encontro à face interna do tambor, não se pode deixar de observar os diferentes meios de acionamento aplicados tanto a motocicletas quanto às linhas automotiva e comercial leve e nos utilitários pesados, bem como a tolerância a problemas como a fadiga térmica (fading) e a disponibilidade de outros auxílios à frenagem. No caso das motos, um acionamento totalmente mecânico (a cabo para o freio dianteiro e a varão para o traseiro) nos modelos que ainda contam com freios a tambor tende a se tornar um problema à medida que o sistema ABS for se tornando mais frequente, embora o problema não sejam os tambores propriamente ditos. Enquanto isso na linha automotiva e comercial leve, que passou a incorporar sistemas de freio hidráulicos como padrão por volta de 30 a 40 anos atrás, hoje o tambor só costuma ser aplicado às rodas traseiras tanto em função do menor custo quanto pela maior facilidade em acoplar tanto a linha hidráulica para o freio de serviço quanto o cabo para acionamento mecânico do freio de estacionamento (vulgo "freio de mão"). Nas rodas dianteiras, que normalmente recebem a maior transferência de peso durante a frenagem, a maior dissipação de calor inerente aos discos pesa a favor, até para reduzir a condução de calor excessivo para o fluido de freio que, em caso de contaminação por umidade, apresentaria uma redução no ponto de ebulição e por conseguinte tornaria o freio mais "borrachudo".

Já nos caminhões e ônibus, em função da maior presença do freio pneumáticos (o famoso "freio a ar"), a presença de filtros secadores que eliminam a umidade do sistema conta como uma vantagem. Também vale ressaltar o uso dos retardadores de frenagem ("freio-motor", Top Brake, Retarder, VEB, Jake-Brake ou qualquer outra denominação comercial que venha a ser adotada pelos fabricantes), que proporcionam uma menor demanda sobre os freios de serviço em situações como declives acentuados e também podem ser aplicados em conjunto numa frenagem em condições normais. Embora não tenha a mesma eficiência do disco principalmente no tocante à dissipação do calor gerado pelo atrito no momento da frenagem, o tambor também encontra um forte argumento de vendas nas condições precárias de algumas vias. Em rotas mistas, nas quais ocorre a operação tanto em rodovias quanto em terrenos mais irregulares que acabam impondo uma diminuição da velocidade, a maior vedação do tambor é vista como uma vantagem ao proporcionar maior proteção do mecanismo de acionamento contra danos provocados tanto por umidade quanto por detritos. A própria configuração dos tambores também é mais resistente à torção e facilita o recondicionamento de componentes que vão desde o tambor propriamente dito e o espelho até os cilindros atuadores, reduzindo o custo de manutenção.

Por mais que a eficácia dos freios a disco seja comprovada não apenas em aplicações leves de alto desempenho mas também em alguns veículos pesados que já contam com o equipamento, ainda seria precipitado especular sobre uma eventual diminuição mais significativa da participação de mercado dos freios a tambor. O correto uso de recursos como o retardador de frenagem, que diga-se de passagem teve o desenvolvimento voltado para atender às necessidades de operadores de veículos com motor Diesel, de certa forma diminui a desvantagem quanto à fadiga térmica, enquanto a maior resiliência às condições de rodagem pesadas ainda garante que os tambores vão permanecer populares por um longo prazo...

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Refletindo sobre a ilusão do carro movido a água

Uma das lendas urbanas mais difundidas entre a população brasileira, mas que também atrai atenção no exterior, é a remota possibilidade de se fazer um motor automotivo funcionar com o hidrogênio extraído da água por meio da eletrólise. Na teoria chega a soar fácil, e a alegada vantagem sob o ponto de vista ambiental por emitir supostamente apenas vapor d'água é outro aspecto frequentemente destacado. Porém, não seria prudente desconsiderar algumas dificuldades de ordem técnica que na prática inviabilizam uma aplicação prática em escala comercial.

Um dos casos mais emblemáticos da ilusão do "carro a água" foi o projeto inacabado que o mecânico francês Jean Pierre Marie Chambrin iniciou ainda na época que administrava uma oficina autorizada da Citroën na cidade de Rouen, que tratou de fechar antes de ser chegar ao Brasil em 1976, trazido pelo empresário Jarbas Oiticica, uma das principais lideranças do setor sucroalcooleiro das Alagoas à época. Já desacreditado na Europa, o francês encontrou um ambiente propício para continuar as experiências com o chamado "reator Chambrin" que nada mais era do que uma mufla aquecedora que recuperava calor dos gases de escapamento para evaporar uma mistura de etanol e água em iguais proporções e, supostamente, fazer com que o hidrogênio contido na água e no etanol fosse dissociado através do contato entre o vapor e um catalisador metálico para então ser aspirado pelo motor. Já começam nesse ponto algumas dificuldades, como a necessidade de pré-aquecer o motor com um combustível mais convencional, bem como o uso de água desmineralizada para evitar que eletrólitos encontrados tanto na água mineral na fonte quanto na água de torneira interferissem nas reações de oxirredução e eventualmente diminuíssem a vida útil do catalisador. Também é importante observar que o tal "reator" proporcionava um efeito inverso ao da injeção suplementar de água com algum álcool (normalmente metanol) incorporada em motores destinados a aplicações de alto desempenho. Considerando que não ocorra de fato uma liberação de hidrogênio purificado, por mais que os vapores de etanol ainda sejam inflamáveis, a água permaneceria quimicamente inerte, de forma um tanto análoga ao dióxido de carbono (CO² - "gás carbônico") recirculado nos gases de escapamento de motores movidos a algum combustível convencional através da válvula EGR e, sendo aspirada a uma temperatura alta e já na fase de vapor, acabaria diminuindo a concentração de oxigênio disponível para uma combustão completa, além da menor densidade do fluxo de admissão resultante também levar a uma compressão dinâmica menos intensa e por conseguinte levar a um decréscimo dos valores de potência e torque do motor.

Apesar de ser efetivamente uma ilusão, o desenvolvimento do "reator Chambrin" chegou a receber apoio do regime militar ainda na época que o general Ernesto Geisel exercia a presidência, para ser encerrado em meio a desentendimentos entre Jean Pierre Chambrin e alguns oficiais das Forças Armadas lotados à época no antigo Serviço Nacional de Informação (SNI, a partir do qual se estruturou a atual ABIN - Agência Brasileira de Inteligência) que supervisionavam o projeto. Após casar-se com uma gaúcha, e já radicado em Porto Alegre, o francês prosseguiu com as experiências até o ano de 1982 tendo como laboratório uma oficina localizada dentro da Escola de Bombeiros da Brigada Militar, localizada na Avenida Silva Só. Testes em estrada entre Porto Alegre e Osório teriam sido reportados com médias de consumo da mistura de etanol com água na ordem de 9,4km/l em um Ford Corcel I e 4,5km/l em um caminhão Mercedes-Benz 1113, além de um trator e um grupo gerador também terem sido supostamente testados. Considerando algumas peculiaridades da aplicação do etanol em motores do ciclo Diesel, no entanto, parece improvável que o dispositivo tenha funcionado satisfatoriamente no caminhão, bem como no trator e no grupo gerador.

Ao contrário de rumores quanto a uma suposta queima de arquivo, Jean Pierre Chambrin morreu de infarto em 1989, enquanto a viúva Maria Elena Knüppeln de Almeida faleceria em 1996 em decorrência de problemas respiratórios. A oficina onde o projeto era desenvolvido em caráter confidencial foi lacrada em 1982, reaberta em 1988 para devolução de materiais quando foram constatado o sumiço de itens que iam desde pneus até um protótipo do "reator", e lacrada novamente até ser reaberta novamente em 2012 para uma reforma das instalações visando atender a funções administrativas da Escola de Bombeiros em seguimento à emancipação do Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul. Ninguém sabe ao certo que fim levou o "reator" desaparecido, mas boatos dão conta de que estaria em algum rincão do interior do estado ou em regiões tão improváveis quanto o estado americano do Kansas, além de outras teorias absurdas referentes a uma suposta comercialização de cópias piratas do dispositivo.

Outro projeto desenvolvido no Brasil que no fim das contas não deu em nada foi iniciativa do engenheiro químico e professor universitário Nicanor de Azevedo Maia, que usava um catalisador à base de silício, hidróxido de sódio (a popular "soda cáustica") e cal extinta batizado de "hidrogenita" e teria conseguido fazer algum automóvel Chevrolet funcionar com o hidrogênio proveniente da eletrólise da água. Modelos tão diversos quanto um sedan Biscayne e uma station-wagon Bel-Air importados, além de um Chevette, são mencionados como mulas de testes realizados na cidade de Natal-RN por volta de 1975. As únicas menções ao motor que teria supostamente equipado o veículo apontam para um Stovebolt Six de 6 cilindros em linha e 250pol³ (4.1L), o mesmo usado pelo Opala à época e que provoca uma concentração excessiva de peso sobre o eixo dianteiro quando adaptado num Chevette além de requerer modificações na parede de fogo para ficar bem acomodado. Por mais que o professor Nicanor fosse dotado do conhecimento técnico necessário para executar um projeto dessa natureza, a inconsistência das informações disponíveis faz com que um eventual sucesso em testes práticos da aplicação do hidrogênio como combustível veicular permaneça uma incógnita.

No exterior, uma das principais referências para os adeptos das experiências com o hidrogênio proveniente da eletrólise da água foi o engenheiro-eletricista búlgaro-australiano Yull Brown. Com uma proporção estequiométrica exata de 2:1 entre os átomos de hidrogênio e oxigênio, o chamado "gás de Brown" teria ao menos teoricamente uma maior estabilidade em comparação ao hidrogênio puro e suportaria melhor a compressão para armazenamento, além da expectativa quanto a eventuais aplicações na neutralização de elementos radioativos que poderia ter alguma serventia até na resposta a emergências nucleares como o incidente  que envolveu uma cápsula contendo cloreto de césio no ano de 1987 em Goiânia (o famoso "caso Césio-137"). Sem negar que a ficção científica de Júlio Verne teria servido de inspiração, Brown obteve em 1977 uma patente do dispositivo que muitos conhecem por "dry cell" ("célula seca" ou "pilha seca") ou "HHO", embora seja encarado mais frequentemente como um complemento à gasolina ou ao óleo diesel que como um efetivo substituto, e mais recentemente até tenha despertado algum interesse como um artifício para burlar testes de emissões durante a inspeção veicular que já é implementada em países como os Estados Unidos. De fato, uma proporção mais próxima do ideal para a combustão completa e com uma menor concentração do nitrogênio no fluxo de admissão em comparação ao ar atmosférico não deixa de ter algum potencial para tornar mais "limpo" o processo de combustão e eventualmente levar a uma redução na formação dos óxidos de nitrogênio (NOx) e na emissão de hidrocarbonetos crus, eventualmente suprindo a falta de um conversor catalítico que venha a ser simplesmente removido e descartado quando uma substituição é considerada economicamente injustificável pelo proprietário de um "sucatão", mas está longe de ser viável para aplicações em larga escala.

Tendo em vista que a energia resultante da combustão do hidrogênio corresponde a apenas 70% da energia elétrica requerida para obter a reação de eletrólise através de um HHO, e que poderia ainda ser proveniente de fontes mais "sujas" que o motor do veículo a ser suprido com o hidrogênio, já seria um pretexto suficiente para desacreditar o dispositivo, mas há outros pontos críticos como a dependência por catalisadores químicos que eventualmente tenham a produção e distribuição controladas pelo Exército por motivos estratégicos como é o caso do ácido sulfúrico. Outra limitação, comum aos outros sistemas que supostamente liberariam hidrogênio, é a necessidade de usar água desmineralizada. Alguns equipamentos já oferecidos por charlatões teriam supostamente a capacidade de dispensar catalisadores e promover a eletrólise com água de qualquer procedência, incluindo água da torneira, mas na prática liberam somente vapor d'água e resultariam num prejuízo ao desempenho do motor devido à redução da densidade do ar admitido e da concentração de oxigênio. Alguns usuários ainda alegam observar alguma melhoria na economia de combustível mesmo com equipamentos de qualidade duvidosa que liberam somente vapor, em função da compensação automática de mistura ar/combustível feita pela injeção eletrônica, mas estão longe de valores tão mirabolantes quanto uma substituição de até 80% do combustível primário do veículo por uma suposta geração de hidrogênio on-board prometida por fabricantes de dispositivos piratas. O uso em substituição total à gasolina, ao etanol, ao gás natural ou até mesmo ao óleo diesel também fica completamente fora de cogitação.

A bem da verdade, mesmo com a eletrólise da água não sendo apenas um devaneio de fanáticos por ficção científica, não convém esquecer que o hidrogênio é altamente reativo, e portanto deve ser tratado com o devido cuidado para evitar acidentes. É importante evitar que o anseio por uma alternativa de mobilidade mais "limpa" e econômica que o petróleo venha a se tornar o precedente de uma tragédia anunciada. Enfim, por mais que de vez em quando apareça alguém alegando ter tornado viável o sonho do carro "movido a água", a realidade é mais cruel que as fantásticas teorias.