terça-feira, 3 de julho de 2018

4 motivos para os motores de ignição por bulbo quente não serem adequados ao uso veicular

Não é nenhuma novidade que brasileiro gosta de levar vantagem em tudo, como apregoa a "Lei de Gérson" celebrizada por uma antiga propaganda de cigarros. Às vezes esse costume ainda pode favorecer junto ao grande público o uso de soluções técnicas primitivas em função tão somente de um custo inicial menor e/ou de uma facilidade de manutenção que pressuponha ser possível efetuar até reparos de maiores proporções sem ter à mão todos os recursos que viessem a ser desejáveis. Porém, vale lembrar que mesmo algumas alternativas aparentemente "milagrosas" que remontam ao passado nem sempre são as mais viáveis. No caso dos motores de ignição por bulbo quente, cuja aptidão para operar com praticamente todos os combustíveis oferecidos regularmente e outros que hoje são menos convencionais soaria atrativa para tentar burlar as atuais restrições ao uso do óleo diesel convencional em veículos leves, há algumas peculiaridades que os tornam menos adequados a determinadas condições operacionais. Dentre as razões para justificar uma rejeição a esse tipo de motor, inclusive algumas que acabam sendo mais subjetivas, ao menos 4 são dignas de um destaque especial por serem tecnicamente justificáveis.
1 - Dificuldade para uma partida imediata: por depender de um pré-aquecimento do(s) cabeçote(s) até que fiquem em rubro, podendo ser tanto com uma fonte de calor externa como as lamparinas a querosene quanto um aquecedor elétrico acionado pela bateria, a partida levaria um tempo muito mais prolongado do que o habitual nos motores veiculares modernos. Até chegaram a ser feitos motores com ignição por bulbo quente dotados de uma vela de ignição moderna para efetuar a partida na gasolina (e que também poderia funcionar com combustíveis gasosos ou eventualmente até com etanol) e alternar em seguida para um combustível pesado quando a temperatura do bulbo de ignição estivesse estabilizada, tendo sido usados com sucesso em alguns modelos de trator fabricados pela empresa polonesa Ursus, mas a eventual necessidade de 2 tanques de combustível tornaria essa opção menos prática, especialmente com uma presença mais maciça do sistema start-stop de desligamento automático na marcha-lenta em carros modernos;

2 - Faixa útil de rotações muito estreita: apesar dessa dificuldade não ser impossível de contornar, tendo em vista o avanço das transmissões do tipo CVT que permitem maior variação na velocidade do veículo sem que se faça necessário oscilar demais a rotação do motor, com a ignição por bulbo quente a faixa útil costuma não apenas ser muito estreita mas também estar situada em regimes extremamente baixos. Levando em consideração que os fatores preponderantes para o eventual uso de um motor tão rudimentar fossem o baixo custo e a reconhecida longevidade, não deixaria de soar no mínimo irônica a dependência por um câmbio que começou a ter mais presença de mercado só a partir das últimas duas décadas;

3 - Peso e volume excessivos dificultando aplicações em espaços limitados: dadas as faixas de rotação muito baixas e estreitas, torna-se necessário um motor de porte e cilindrada mais avantajados para oferecer um desempenho compatível com as exigências atuais do mercado automobilístico. Também há de se notar o impacto sobre a aerodinâmica devido à necessidade de um compartimento maior para acomodar o mesmo. A bem da verdade, não parece muito provável que um consumidor fosse preferir um veículo com as dimensões externas de uma Kombi e o espaço interno de um Fusca pelo peso de uma pick-up full-size por exemplo;

4 - Dificuldade para enquadrar em normas de emissões modernas: outro ponto que não deixa de ter certa relevância na atualidade, afetado pelas especificidades do processo de combustão num motor de ignição por bulbo quente que não oferece um controle muito apurado de parâmetros como o avanço de ignição e a refrigeração. O consumo do óleo lubrificante, característica frequentemente associada aos motores 2-tempos de ignição por faísca mas que também é aplicável no caso da ignição por bulbo quente, também deve ser levado em consideração, bem como a atomização menos precisa do combustível devido às pressões de injeção mais baixas. Há também de se levar em conta quais tipos de combustível viriam a ser usados em um mesmo motor, desde etanol e gasolina ou gás natural até o óleo diesel convencional e eventuais substitutivos como o biodiesel ou óleos vegetais brutos, de modo que soluções diferentes eventualmente tenham de ser integradas para garantir o enquadramento às normas em vigor. Apesar da faixa de rotações estreita fazer com que pareça mais fácil adequar o controle de emissões em comparação a motores que operem com uma maior oscilação dos regimes de giro, nesse caso uma simplicidade incontestável acaba se tornando uma ilusão.

Por mais que a durabilidade observada em outras tantas aplicações nos segmentos agrícola, marítimo e estacionário/industrial não deixe de ser um possível atrativo, bem como um custo de produção que não pareceria ser dos mais elevados, outros desafios acabam se sobrepondo e fazem dos motores de ignição por bulbo quente tão somente uma lembrança dos pioneiros da motorização. Até mesmo a adaptabilidade praticamente irrestrita à operação com combustíveis diversos, que seria relevante tanto para um fazendeiro visando conciliar a independência energética à destinação adequada de resíduos agropecuários quanto para um contingente militar que precisasse efetuar deslocamentos em uma zona conflagrada com qualquer combustível que estivesse à mão, acaba sucumbindo às condições de uso modernas que acentuaram a divisão entre a ignição por faísca para operar com combustíveis voláteis e o ciclo Diesel para fazer uso de óleos combustíveis pesados (ainda que eventualmente os associe a combustíveis gasosos). Enfim, a ignição por bulbo quente pode ainda ter seus méritos, mas um uso automobilístico de motores equipados com esse sistema não lhes faria a devida justiça.

10 comentários:

  1. Eses motores de cabeza caliente son asombrosos u aún se ve en buques y tractores, todavia no iban a servir a un coche. Un motor de 50PS a 300RPM suele pesar más que un coche moderno.

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  2. Só mesmo na época dos nossos bisavós para esse tipo de motor fazer algum sentido porque agora tem muita coisa mais fácil de usar. Se bem que às vezes quando está fazendo muito frio até vale a pena esquentar o motor ou com fogo ou colocando um rabo quente dentro do radiador para arrancar mais fácil.

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  3. Já vi tratores com esse tipo de motor, da marca Landini. Podia funcionar com qualquer coisa mesmo, mas a parte de esquentar com lamparina na partida já não é mais muito convidativa.

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  4. Não é tão inservível para uso náutico, e talvez ainda possa quebrar o galho também em algumas instalações estacionárias. O uso veicular seria de fato improvável, apesar dos primeiros calhambeques terem usado ignição por um sistema de tubo quente que era até certo ponto semelhante.

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  5. Não lembro com muito detalhamento porque eu era pequena, mas um gaúcho que estudou com o meu irmão mais velho chegou a comentar que tinha dias tão frios na cidade dele que só se ligava caminhão velho com uma tocha acesa no lugar onde deveria estar montado o filtro de ar.

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    1. Era uma prática bastante comum nos caminhões Chevrolet com motor Perkins, e em alguns Mercedes-Benz mais antigos que ainda tinham injeção indireta.

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  6. Meu avô materno é caminhoneiro aposentado, e comentou a alguns dias atrás sobre um carro que ele viu no interior do Rio Grande do Sul com motor a diesel de partida a lamparina. Será que é esse mesmo tipo de motor?

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    1. Das duas uma: ou usavam a lamparina para compensar uma falha no sistema de pré-aquecimento elétrico por incandescência, ou algum colono adaptou por conta própria um motor estacionário de ignição por bulbo quente.

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    2. Eu também já vi carro velho com esse esquema de esquentar o motor com um lampião a querosene. É estranho, mas funcionava e era relativamente fácil na época que se vendia querosene na bomba em qualquer posto de beira de estrada.

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  7. Por volta duns 15 anos atrás eu li numa revista sobre carros antigos uma matéria falando dum carro artesanal com carcaça de madeira e motor "com partida a lamparina". Nunca mais achei nenhuma referência a respeito.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

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