quarta-feira, 25 de julho de 2018

A moda dos SUVs: restrições ao Diesel em veículos leves tem peso maior que as condições das estradas

Já não é nenhuma novidade que alguns veículos enquadrados naquela definição arbitrária e imprecisa de "utilitários" para fins de autorização ao uso de motor Diesel acabam tendo um uso diferente do que se propunha à época das restrições, tomando como exemplo adaptação de cabine dupla nas pick-ups para uso privado/familiar abrangendo também modelos compactos como a Saveiro durante uma época em que foi liberada a regularização de exemplares adaptados com motor Diesel e até a venda direta de modelos originalmente dotados dessa motorização por parte da Volkswagen, até chegar ao atual modismo dos SUVs que apesar de ainda contarem com tração 4X4 passaram a priorizar um perfil de utilização cada vez mais urbano ou rodoviário como o Jeep Renegade. Uma série de fatores foi decisiva para tal situação, desde uma tributação menos desfavorável às pick-ups durante o governo Sarney até a atual imagem aspiracional que se fomentou em torno dos SUVs, bem como a própria restrição ao Diesel em automóveis. Ainda pode-se alegar a percepção de uma maior robustez para enfrentar as condições de rodagem severas encontradas no Brasil, mas até que ponto esse seria um motivo tão ou mais decisivo que as regras baseadas em capacidades de carga, passageiros ou tração para direcionar uma parcela expressiva do mercado a esses segmentos?

Naturalmente as restrições ao uso do Diesel em veículos com tração simples, capacidade de carga inferior a uma tonelada e acomodação para menos de 9 passageiros além do motorista se tornariam um desafio para convencer um consumidor mais pragmático a preferir por exemplo um "crossover" compacto como o Peugeot 2008 ao invés de um furgão multiuso como o Peugeot Partner que ofereça uma versatilidade maior a custo menor. Deixando de lado as diferenças nas gerações das plataformas mas considerando o uso de ao menos uma motorização comum às versões de entrada do 2008 brasileiro e ao Partner argentino, mais especificamente o motor EC5 1.6L "flex" a gasolina e etanol que não deixa de ser basicamente uma nova versão do TU5 e portanto adaptável para Diesel com relativa facilidade, bem como a existência de uma versão pretensamente aventureira para o Partner que foi oferecida no Brasil como Escapade e na Argentina como Patagónica, uma diferenciação aos olhos do consumidor que faça parecer justificável uma faixa de preços mais alta e uma percepção de maior valor agregado acaba se atendo ao desenho de carroceria, pacotes de equipamentos e um acabamento interno mais pretensamente sofisticado. Tomando esses exemplos como referência, já fica evidente a estratégia de substituir diferentes estilos de veículos tradicionais de passageiros acima dos hatches "populares" por uma única categoria e ganhar na economia de escala.
Se por um lado a retirada das versões de passageiros do Peugeot Partner do mercado brasileiro não chega a ser uma surpresa diante da maior popularidade que os "crossovers" de tamanho próximo tem alcançado, por outro chega a ser intrigante outro tipo de carroceria tradicional que é uma das poucas a manter bons volumes de vendas mundo afora também esteja de certa forma sendo deixada de lado na estratégia da Peugeot que insiste em não trazer para o Brasil o sedan compacto 301. Convém lembrar que entre o final da década de '90 e início dos anos 2000, quando hatches "populares" já haviam se consolidado como o segmento de volume mais expressivo, eram justamente os sedans derivados das mesmas plataformas que se destacavam como uma opção para quem desejava algo pretensamente "superior" sem ter de aderir a modismos como o das minivans que antecedeu o dos SUVs. Apesar de usar a mesma plataforma PF1 compartilhada entre outros com o 2008 já servindo de pretexto para descartar uma relação entre tipo de carroceria e aptidão a condições de rodagem severas, e ter um custo de produção menor que poderia se refletir em faixas de preço competitivas para atrair a uma parcela ainda expressiva de consumidores tradicionais que rejeitam o modismo dos SUVs, parece não encontrar espaço em meio às pretensões de se manter uma aura de sofisticação em torno da Peugeot no mercado brasileiro em contraponto à proposta mais direcionada a outros países emergentes onde os sedans pequenos e médios em geral tem garantida uma sobrevida pelos altos volumes de venda.

Outro caso a se observar é o do Logan, projeto desenvolvido pela Renault inicialmente para atender à necessidade da subsidiária romena Dacia por um modelo "popular" com baixo custo de produção e que fosse apto a suportar condições de uso pesadas em países terceiro-mundistas e acabou chegando também ao mercado brasileiro onde a robustez caiu como uma luva para enfrentar a precariedade da malha viária. Não deixa de ser uma receita bem-sucedida, mas naturalmente a mesma plataforma acabou por ser aproveitada em um SUV que no fim das contas oferece basicamente o mesmo em uma carroceria da moda, embora tenha na percepção de valor agregado proporcionada justamente pela aparência um pretexto para a inclusão da opção de tração 4X4 que de fato amplia as capacidades de incursão fora-de-estrada. E até poderia ter sido oferecida ao menos uma versão do Renault Duster com motor Diesel no Brasil, tendo em vista que o escalonamento do câmbio usado nas versões 4X4 com motor 2.0L "flex" tem a 1ª marcha "crawler" já qualificada como análoga a uma "reduzida" de acordo com os Requisitos Operacionais Básicos (ROBs) definidos pelo Exército Brasileiro e que serviram de pretexto para classificar como "utilitários" alguns veículos com tração nas 4 rodas com capacidade de carga nominal inferior a uma tonelada e acomodação para menos de 9 passageiros além do condutor.

O exemplo do Fusca, que não só deu origem a derivativos com boa capacidade de incursão off-road mas também chegou a ser alvo de projetos-piloto visando o uso de motores "de trator" em conversões para Diesel, também serve para fomentar mais a discussão ao compararmos com a Kombi Diesel na versão pick-up de cabine dupla. Por mais que a Kombi tenha dimensões compactas e próximas às do Fusca, sendo apenas cerca de 30cm mais longa, esse acaba sendo mais um daqueles casos em que o peso e maior arrasto aerodinâmico podem prejudicar a eficiência energética geral da frota brasileira quando capacidades de carga, passageiros ou tração sejam subaproveitadas visando assegurar o direito ao uso do motor Diesel. Mesmo que a liberação possa trazer dúvidas quanto à disponibilidade de combustível para aplicações efetivamente utilitárias, cabe levar em conta o melhor aproveitamento que o óleo diesel convencional, o biodiesel e até mesmo óleo vegetal poderiam ter caso a opção de usar veículos com características inerentemente mais eficientes. Enfim, mesmo que alguns veículos utilitários possam transparecer uma maior sensação de resiliência a condições de rodagem severas diante de veículos compactos dos quais derivam, esse fator é menos relevante que uma pura e simples restrição ao uso do Diesel.

4 comentários:

  1. Acho sempre meio difícil apontar uma causa exata para esse modismo, mas como é um fenômeno de nível mundial eu tenho lá minhas dúvidas sobre até que ponto o Brasil demoraria muito para seguir essa mesma mudança se não houvesse a proibição aos motores a diesel em carros.

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  2. Muita gente já comprava achando que vai ser mais seguro em caso de bater. Pode ver em qualquer porta de escola particular na hora da saída, sempre tem aquelas mães superprotetoras que dizem preferir um SUV por acharem que os filhos vão estar mais protegidos.

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  3. Natural que a la gente les prefieran los SUVs que hoy se cree que son más prestigiosos. Acerca de esas furgonetas que les gusta mucho a los argentinos, me acuerdan a los AUVs que solian ser más populares en las Filipinas pero ahora empiezan a dejar de ser producidos por cuenta del costo para arreglar motores electrónicos.

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  4. Se pudesse ter carro tipo Parati a diesel aqui como tem no Paraguai, acho que metade das vendas de SUV estaria perdida.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html