A bem da verdade, tanto o biodiesel quanto o uso direto de óleos vegetais brutos como combustível veicular se mostram adequados às necessidades de muitos operadores pelo país afora, não apenas no segmento rodoviário mas também em aplicações fora-de-estrada como na agricultura e na navegação. É uma solução tecnicamente simples, e com a possibilidade de articular a oferta dos combustíveis com o perfil da produção agropecuária de cada região do país, viabilizada diante da idade média avançada da frota comercial brasileira e também da defasagem nas regulamentações de emissões para motores destinados a aplicações não-rodoviárias. Temores quanto a um impacto na disponibilidade e custo de alimentos também podem ser rebatidos em função do reaproveitamento de óleos vegetais descartados de aplicações culinárias e industriais, bem como da utilização de algumas oleaginosas energéticas em rotações de cultura para favorecer a retenção de nitrogênio no solo durante a entressafra de alguns cultivares alimentícios cujo metabolismo apresente um alto consumo desse elemento. Além da mamona que se desenvolve facilmente em solos pobres e melhora a qualidade dos mesmos, ou do pinhão-manso (também conhecido como "purgueira" ou "pinha de purga" em alguns países lusófonos da África) que pode ser usado para cercamento vivo em áreas de pastagem, vale lembrar a viabilidade de se usar espécies do gênero Salicornia em áreas litorâneas devido à viabilidade do uso de água salgada ou salobra para irrigação das mesmas.
Sob o ponto de vista do custo inicial, opositores de uma liberação do Diesel alegariam uma maior simplicidade dos motores de ignição por faísca e sistemas de controle de emissões associados aos mesmos. Porém, modelos como o Peugeot 508 e o Lexus NX jogam por terra essa teoria ao serem oferecidos no mercado brasileiro apenas com motores a gasolina dotados de sistemas como a injeção direta e o turbocompressor com o intuito de alcançar uma eficiência mais próxima a padrões antes associados ao ciclo Diesel. A injeção direta acaba por ser a mais controversa dessas características, tendo em vista que torna menos expressivas as vantagens da ignição por faísca como a menor emissão de óxidos de nitrogênio (NOx) e a solubilização de vapores oleosos provenientes da ventilação positiva do cárter (PCV - positive crankcase ventilation) para que não se acumulem retendo impurezas nas paredes do coletor de admissão.
Também há de se levar em conta a possibilidade de explorar ainda resíduos tanto do cultivo quanto do beneficiamento das oleaginosas para integrar a produção de óleo combustível com etanol e biogás/biometano. A torta da prensagem das sementes, além de ser usualmente reaproveitada tanto na formulação de ração animal no caso de espécies alimentícias como o girassol ou como fertilizante agrícola orgânico no caso da mamona, também pode ser processada através de biodigestores para que a produção de gás combustível seja agregada à operação, aumentando a rentabilidade. Outras partes da planta, como talos e folhas, também podem vir a ter algum valor agregado mediante o uso como matéria-prima para etanol celulósico, eventualmente aplicável também como reagente na transesterificação do óleo vegetal para produção de biodiesel.
Um dos cultivares mais rodeados de mitos no tocante à aplicabilidade na indústria agroenergética é o milho, alvo constante de comparações com a cana-de-açúcar quando destinado à produção de etanol devido ao volume menor por hectare. Entretanto, deveriam ser levadas em consideração as diferenças entre as demais aplicações alimentícias tanto da cana quanto do milho. Além do valor energético, tanto na concentração de carboidratos que podem servir para a produção do etanol quanto de lipídeos adequados ao biodiesel, é injusto ignorar o uso do milho como substrato proteico tanto na alimentação humana quanto elaboração de rações para animais, e nesse caso o "grão de destilaria" (DDG - distillation-dried grain) resultante da produção de etanol se destaca por apresentar uma concentração de proteínas superior à do grão de milho in natura. É natural que a questão dos subsídios agrícolas nos Estados Unidos aumente as polêmicas em torno à real viabilidade como matéria-prima para a indústria agroenergética, mas não há uma real justificativa para o desprezo ao milho.
Também é conveniente recordar que a maltodextrina, principal carboidrato presente no milho, não é processada pelo sistema digestivo de ruminantes, convertendo-se em metano que é liberado diretamente na atmosfera através da eructação e da flatulência do gado, e portanto o conteúdo energético seria melhor aproveitado através da produção de etanol mesmo com as eventuais perdas por evaporação que até não tem um peso tão significativo para o alegado aquecimento global antropogênico como aconteceria com o metano. De fato, seria inviável promover uma substituição total do açúcar e do etanol de cana por derivados do milho, como é o caso do xarope de glicose (também conhecido como "xarope de milho com alta concentração de frutose" ou "mel Karo", embora atualmente o xarope da marca Karo comercializado no Brasil tenha uma maior concentração de sacarose de cana) que é muito usado para substituir o açúcar em países onde as condições são menos favoráveis ao cultivo canavieiro, mas não se deve ignorar as possibilidades de uma integração do milho até mesmo como uma alternativa para promover a segurança energética brasileira durante a entressafra da cana.
Afastados alguns temores quanto à disponibilidade dos combustíveis ao longo do ano, cabe avaliar as melhores opções de acordo com o tipo de veículo e a operação que vá ser efetuada. Para os táxis, cuja operação normalmente é mais regionalizada e envolve distâncias curtas, as pontuais desvantagens do gás natural no tocante ao volume ocupado pelo sistema de combustível e o peso agregado ao veículo podem até não fazer tanta diferença principalmente quando leva-se em consideração o custo de aquisição reduzido que ainda caracteriza os motores de ignição por faísca em comparação com um Diesel de desempenho comparável. É um segmento que se destaca pelo sucesso do Fiat Grand Siena Tetrafuel, atualmente o único veículo que já sai de fábrica preparado para funcionar com gás natural no mercado brasileiro e um dos modelos mais usados como táxi hoje em Porto Alegre.
Não se pode ignorar que cenários operacionais distintos viriam a apresentar condições específicas que tenderiam a favorecer a um determinado combustível alternativo mais que a outros. Caminhões de lixo, por exemplo, são mais adequados a experiências com o biogás/biometano por ser gerado de forma espontânea nos aterros sanitários e ter um custo próximo do zero após passar pelos processos de filtragem para que possa ser usado com segurança como combustível veicular. Tratores também podem oferecer condições adequadas ao uso de combustíveis gasosos, como já ocorre em alguns parques industriais e complexos hospitalares embora seja dada uma ênfase maior ao gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha"). Por exemplo, nada impede que um trator Agrale 4.100 Industrial originalmente movido a GLP seja convertido para gás natural e possa ser abastecido com biometano, ou que um conjunto mecânico semelhante venha a ser aplicado a versões agrícolas para fazer uso de um combustível que pode ser gerado em qualquer propriedade rural a partir de resíduos diversos tanto de origem vegetal quanto animal de modo a evitar desabastecimentos durante entressafras.
Nada impede que o biogás/biometano venha a ser usado para promover uma substituição apenas parcial do óleo diesel convencional ou do biodiesel e óleos vegetais brutos tanto em aplicações veiculares quanto estacionárias como em grupos geradores de acordo com a disponibilidade dos combustíveis em cada região. Ao ser aspirado junto com o fluxo de admissão, acaba por absorver ao menos uma parte do calor latente de vaporização e reduzindo a temperatura da massa de ar, levando a uma menor formação de NOx durante o processo de combustão. Também ocorre uma diminuição na concentração de oxigênio nas câmaras de combustão, a ser compensada com um débito menor da injeção do combustível principal para que se mantenha a correta proporção estequiométrica, no entanto a propagação de chama mais rápida e a combustão mais completa fazem com que não haja prejuízo ao desempenho. A combinação entre o combustível gasoso e o óleo diesel convencional ou biodiesel e óleos vegetais tem, na prática, menos desvantagens que o uso do EGR para promover a recirculação de uma parte dos gases de escape com a intenção de reduzir a concentração de oxigênio e o aquecimento aerodinâmico por compressão que favoreceriam a formação dos NOx, mais notadamente a queda nas emissões de material particulado e um efeito mais benéfico sobre o processo de combustão como um todo.
Também é válido recordar que a maior parte da uréia industrial hoje usada para elaboração da solução-padrão ARLA-32/ARNOx-32/AdBlue/DEF aplicada ao sistema SCR para redução dos NOx é sintetizada a partir do gás natural, o que além de não trazer nenhum benefício ao processo de combustão ainda desperdiça recursos energéticos. Nessa circunstância, tanto o biogás/biometano quanto o etanol ao serem usados em injeção suplementar se revelam vantajosos. Enfim, além de promover um melhor aproveitamento do potencial das commodities agroenergéticas, a integração do biogás/biometano e do etanol em complemento ao biodiesel e óleos vegetais é uma boa opção para contornar eventuais riscos de desabastecimento que pudessem estar associados à liberação do Diesel em veículos leves no mercado brasileiro.
Até que não parece tão ruim esse trator a gás.
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