sexta-feira, 20 de novembro de 2015

PLS 81/2008: mais uma oportunidade jogada no lixo pela burocracia brasileira

Um projeto que foi pouco divulgado à época, mas que poderia ter beneficiado principalmente ao setor agropecuário/agroindustrial mas também contemplava o transporte urbano de passageiros, o Projeto de Lei do Senado nº 81/2008, protocolado no dia 18 de março de 2008 pelo então senador Gilberto Flávio Goellner, natural da cidade de Não-me-Toque (RS) mas que representava o Mato Grosso, foi arquivado em 26 de dezembro do ano passado ao final da legislatura. Além da pretensão de diminuir em aproximadamente 20% os custos operacionais de atividades agropastoris ao viabilizar o uso de um combustível por volta de 33% mais barato que o óleo diesel convencional, também era apontada pelo autor uma melhoria na qualidade do ar nas regiões metropolitanas. Também pretendia valer-se da visibilidade internacional da Copa do Mundo ocorrida em 2014 para expor o uso de óleos vegetais como combustível para o transporte público nas cidades-sede como exemplo de preservação ambiental.

De acordo com a ementa do projeto, o uso de óleos vegetais puros ou com mistura como combustível atenderia a tratores, colheitadeiras, veículos, geradores de energia, motores, máquinas e equipamentos automotores utilizados na extração, produção, beneficiamento e transformação de produtos agropecuários, bem como no transporte rodoviário, ferroviário ou hidroviário de insumos e produtos agropecuários em geral, sem impacto sobre a Lei 11.097 de 13 de janeiro de 2005 que dispunha da adição de 5% de biodiesel ao óleo diese convencional,o que de certa forma denota uma proximidade do PLS 81/2008 com a visão que o pioneiro Rudolf Diesel tinha acerca de uma possível auto-suficiência energética em localidades rurais. Ao autorizar todas as indústrias de óleos vegetais refinados instaladas no país a comercializá-lo também para uso como combustível, dava um passo rumo à descentralização da produção de combustíveis, o que reduz ainda as despesas com transporte até as unidades consumidoras e ainda proporciona uma maior segurança energética tendo em vista que unidades produtoras mais dispersas poderiam atender também aos mercados de regiões vizinhas. E mesmo que aplicações militares não fossem levadas em consideração pelo projeto, certamente que uma oferta de óleos combustíveis de origem vegetal mais próxima de alguns quartéis em localidades interioranas seria valiosa para fins estratégicos caso viesse a ser deflagrada uma operação militar.

Ironicamente, o projeto ficou parado entre 23 de abril de 2010 e 1º de agosto de 2014, e nesse meio-tempo aconteceram tanto uma redução nos níveis de enxofre do óleo diesel convencional quanto a Copa, e assim perdeu-se uma excelente oportunidade para promover uma experiência brasileira de sucesso no uso de biocombustíveis. Não se pode esquecer também que as alterações nas especificações do óleo diesel afetaram também os preços, e por conseguinte acentuando a inflação devido à grande dependência da agricultura comercial e do transporte coletivo urbano por esse combustível enquanto uma alternativa viável para reduzir os custos operacionais dessas atividades ficava travada pela burocracia. A eliminação de alguns atravessadores, mais notadamente as distribuidoras e revendedores retalhistas que normalmente fornecem o óleo diesel convencional para os chamados "grandes consumidores", com o óleo vegetal combustível seguindo direto das usinas para as fazendas, unidades agroindustriais e garagens das empresas de ônibus e transportadoras de carga, certamente desagradava aos corruptos instalados na Petrobras e na Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

A tecnologia necessária para adaptar os veículos e equipamentos agrícolas/agroindustriais de modo a viabilizar tecnicamente a implementação do projeto a nível nacional com sucesso já é uma realidade, tanto que o uso regular de óleos vegetais como combustível é adotado por diversos operadores em países como os Estados Unidos, a Inglaterra e a Alemanha, enquanto kits de conversão já são disponibilizados comercialmente por empresas como a alemã Elsbett (que apesar do nome não tem relação com a antiga Elsbett Konstruktion que desenvolveu o misterioso motor ELKO Multifuel) e a americana Frybrid, lembrando que naqueles países não apenas veículos de carga e máquinas agrícolas podem ser convertidos mas também veículos particulares. Cabe salientar que ônibus movidos a óleos vegetais reaproveitados de aplicações culinárias chegaram a ser testados e aprovados por operadores comerciais na cidade inglesa de Liverpool, mais famosa pelos Beatles. Ainda que o PLS 81/2008 fomentasse especificamente o uso de óleos virgens, não se pode esquecer que óleos saturados também podem atender satisfatoriamente à aplicação como combustível.

De forma análoga ao que ocorreu com o etanol em relação à gasolina através do ProÁlcool, o uso direto de óleos vegetais como combustível veicular derrubaria um dos principais argumentos em torno do consumo de óleo diesel importado para atender ao transporte de massa e outras aplicações fora-de-estrada tão diversas quanto a agricultura, a navegação e a geração de energia elétrica. E assim, considerando o grande potencial agroenergético ainda inexplorado e a disponibilidade de matérias-primas mais adequadas às distintas realidades regionais do Brasil, apesar de ter gerado mais expectativas entre produtores de soja nas regiões Centro-Oeste e Sul, o PLS 81/2008 ainda é um pretexto válido não só para questionar acerca de alternativas para substituir o óleo diesel convencional nas atividades produtivas mas também para posteriormente fazer um contraponto às restrições ao uso de motores Diesel em veículos com capacidade de carga inferior a uma tonelada, acomodação para menos de 9 passageiros além do condutor, e tração 4X2, ou 4X4 com caixa de transferência de velocidade simples (sem "reduzida") dependendo do escalonamento das marchas.

11 comentários:

  1. Caros, foi uma satisfação encontrar este blog, também sou entusiasta dos motores diesel.
    Gostaria de fazer uma sugestão: poderiam modificar o layout da página, para proporcionar uma leitura mais confortável?
    Abraço!

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    1. Atendendo a uma sugestão anterior, já foi alterado o tamanho das letras. Outras alterações poderão seguir.

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  2. O governo e os sem-terra sempre falam em agricultura familiar, mas um projeto desse porte que poderia trazer benefícios para o pequeno produtor ser simplesmente engavetado por causa da mudança de legislatura e ninguém fazer mais nada? Me desculpem, mas é tão absurdo quanto o poste mijar no cachorro.

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  3. Dá raiva mesmo. Sempre que aparece um projeto decente, vai sendo empurrado com a barriga até que se perca o prazo.

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  4. Resta a esperança de que algum governante com vergonha na cara apareça e derrube as restrições ao diesel, e a partir daí comece a puxar do fundo do baú essas ideias de substitutivos renováveis.

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    1. Mas idéias como essa serviriam justamente como um contraponto aos temores quanto ao impacto da liberação do Diesel sobre os custos do transporte comercial, por isso até faria sentido que fossem implementadas antes para já ir proporcionando aos operadores comerciais um tempo para se acostumar com as novas alternativas energéticas.

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  5. Tanto projeto que poderia trazer algum benefício é travado, mas na hora de aumentar o próprio salário ou auxílios e verba indenizatória é aquela festa.

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  6. Para as regiões onde se planta soja até poderia ter dado certo, mas aqui em São Paulo compraria uma briga boa com os usineiros.

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    1. Já eu considero que os usineiros estão indo a passo de tartaruga. Se realmente quisessem brigar, estariam investindo mais pesado no diesel de cana e pressionando a ANP para liberar a venda no varejo.

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  7. Sou a favor de usar óleo vegetal como combustível, mas não só para o setor ruralista e os ônibus urbanos. Ônibus rodoviários e os táxis deveriam também ser beneficiados.

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  8. Para mim seria perfeito poder usar óleo produzido na minha propriedade até nos caminhões que carregam a soja para o terminal da cooperativa, mas infelizmente esse governo só faz vergonha para o país e acaba com qualquer esperança de melhoria para o produtor rural.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

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