segunda-feira, 27 de maio de 2024

Chassis de vans de tração dianteira: um maior uso no Brasil certamente seria benéfico à eficiência geral entre os utilitários

Um motivo aparentemente improvável para observar algumas incoerências na restrição ao uso de motores Diesel definida com base em capacidades de carga e passageiros ou tração, o peso dos chassis disponíveis para a montagem de veículos especiais acaba tendo uma grande influência tanto no uso do óleo diesel convencional quanto na percepção da viabilidade da implementação do biodiesel e outros substitutivos. O exemplo do mercado europeu, onde chassis de vans são oferecidos regularmente para instalação de carrocerias especiais, incluindo alguns motorhomes cuja carroceria chega a ser muito semelhante às de microônibus, torna bastante evidente um erro que acaba sendo insistir em chassis de concepção mais pesada e até ineficiente para aplicações que seriam até melhor atendidas com outras configurações. A boa aceitação da tração dianteira também entre veículos especiais na Europa Ocidental, com o chassi Fiat Ducato Scudato sendo o maior expoente, pode parecer difícil de assimilar para muitos operadores profissionais brasileiros, embora ofereça vantagens que vão desde uma altura reduzida da plataforma de embarque até um arrasto aerodinâmico reduzido que pode ser alcançado com uma diminuição da altura do veículo sem sacrificar a volumetria interna.

Embora para utilitários de porte compacto a médio a tração dianteira já tenha deixado de ser alvo de desconfianças, especialmente em associação ao motor transversal, aplicações mais próximas ou até ligeiramente acima do limite de peso bruto total até 3500kg para os veículos permitidos a detentores da carteira de habilitação categoria B na União Européia e no Brasil expõem essa diferença cultural, e a ineficiência energética que acaba surgindo mesmo em categorias que por algum motivo exijam habilitação acima da categoria B sem distinção por faixas de peso bruto total. Até podem ser considerados também aspectos de "sustentabilidade" pela eventual substituição de um chassi de tração traseira e peso bruto total homologado ao redor de 5 toneladas em aplicações onde é possível um congênere de tração dianteira executar o mesmo serviço e ainda oferecer melhor manobrabilidade em espaços mais exíguos nos principais centros urbanos, e a presença mais massificada de recursos como os controles eletrônicos de estabilidade e tração também proporciona melhor experiência quando as condições de terreno imponham desafios adicionais como aqueles calçamento de pedra ainda comuns nos centros históricos das capitais brasileiras ficam muito escorregadios em dias chuvosos. Proibições explícitas às operações com vans para transporte remunerado de passageiros em algumas regiões, fomentando o mercado dos microônibus mesmo que qualquer van com acomodação para mais de 8 passageiros seja documentada como microônibus, talvez tenham um impacto negativo nesse cenário, e os fabricantes e importadores fiquem mais receosos de oferecer os mesmos chassis das vans para instalação de carrocerias especiais porque a economia de escala possa parecer favorecer somente chassis de microônibus.

Diante de eventuais reflexos na melhoria da economia de combustível que se possa obter através de uma redução do peso morto nos veículos utilitários, especialmente associada a uma aerodinâmica mais apurada, também é justificável esperar que uma substituição do óleo diesel convencional por biodiesel ou outros combustíveis renováveis seria alvo de menos desconfianças do grande público, e até um menor temor quanto ao impacto na disponibilidade de terras agricultáveis para o cultivo de gêneros alimentícios. Ainda que alguns biocombustíveis possam ter a cadeia produtiva bem integrada com cultivares que sejam mais frequentemente destinados ao uso alimentício, e também com a criação de animais principalmente para a obtenção de carne mas possam ter gorduras corporais aproveitadas como insumo para a produção de biodiesel ou óleo combustível sintético, o temor quanto a um desabastecimento de alimentos tende a ser explorado à exaustão naquele contexto de demonização do motor de combustão interna de um modo geral, e que nos últimos anos tem recrudescido com mais frequência especificamente contra os motores Diesel. E a bem da verdade, caberia considerar até mesmo a eventual adequação que o álcool/etanol ou o gás natural e mais recentemente o biogás/biometano teriam em alguns casos específicos com a ignição por faísca, embora seja muito mais justo tratar tais opções como complementares à demanda pelo óleo diesel convencional que como efetivos substitutos, lembrando da abordagem equivocada que acabou sendo consolidada quanto aos híbridos que foram apresentados como antagônicos ao Diesel para os veículos leves até na Europa.

Naturalmente preferências mais subjetivas de quem vá viajar ao redor do mundo com um motorhome podem contrastar com uma efetiva necessidade de usuários comerciais, embora vantagens como um menor peso e a possibilidade de recorrer a uma carroceria mais compacta sem prejuízos à volumetria interna possam ter até uma maior utilidade para operadores estritamente profissionais. O exemplo específico de um motorhome que, graças a um chassi de tração dianteira com peso bruto total ao redor de 3500kg, pode ter basicamente as mesmas dimensões externas e uma capacidade volumétrica muito maior que um veículo de transporte de valores com quase o dobro do peso bruto total, deixa escancarado o potencial pouco explorado que a tração dianteira teria a oferecer para melhorar a eficiência geral no transporte comercial brasileiro, apesar de ainda ser muito subestimada. Portanto, mesmo que às vezes surja uma dúvida se o problema tem mais a ver com um eventual receio por parte dos fabricantes em oferecer tal opção ou com o comodismo do mercado brasileiro que ainda parece "traumatizado" desde a época da proibição das importações de veículos, o uso de chassis de vans de tração dianteira na montagem de veículos especiais como ocorre frequentemente na Europa poderia cair como uma luva também para um parte expressiva do mercado brasileiro.

quinta-feira, 23 de maio de 2024

Apontando alguns erros da Ford ao ter reaproveitado o motor Hurricane proveniente do espólio da Willys-Overland do Brasil

A fusão das operações brasileiras da Ford e da Willys-Overland em 1967 foi um daqueles momentos de sorte que postergaram um encerramento das operações industriais da Ford no Brasil, tendo em vista que caiu de bandeja uma linha de utilitários que então se demonstrava mais adequada à efetiva necessidade tanto de operadores urbanos quanto rurais, embora com um motor que deixava muito a desejar. No caso do motor Hurricane, que chegou a equipar utilitários de origem Willys como a pick-up Ford F-75 até o motor 2.3 OHC ter a produção iniciada em Taubaté na década de '70, com uma configuração conhecida por "cabeçote em F" com as válvulas de admissão no cabeçote e as de escape ainda no bloco, era óbvio que as taxas de compressão ficavam muito limitadas, e inadequadas até mesmo para experiências com o álcool etílico. E embora fosse um motor "de calhambeque" a bem da verdade, basicamente uma discreta evolução dos motores Go Devil com 4 cilindros e Lightning/Super Hurricane de 6 cilindros que tinham a configuração de válvulas laterais (flathead), o precedente histórico da Mitsubishi que detinha a licença para produzir a linha Jeep CJ no Japão e o fez entre 1953 e 1998 chegando a desenvolver versões Diesel derivadas do motor Hurricane trazia lições que certamente fizeram falta à operação brasileira da Ford.

Naturalmente, os motores Mitsubishi Fuso KE31 de 2.2L com 4 cilindros e KE36 de 3.3L e 6 cilindros lançavam mão de um cabeçote específico para o Diesel, já incorporando também as válvulas de escape e viabilizando uma taxa de compressão mais alta como é necessária ao ciclo Diesel, e a bem da verdade a mesma disposição de válvulas também poderia ter sido útil nos motores de ignição por faísca levando em consideração tanto o uso do etanol quanto do gás natural e até mesmo do gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha"). E embora o mercado brasileiro fosse menos familiarizado aos motores Diesel de alta rotação durante o ciclo estendido de produção de utilitários Jeep antigos por parte da Ford que se prolongou até 1983, a maior similaridade técnica de alguns componentes com o das versões a gasolina a princípio teria facilitado a implementação de um projeto análogo ao da Mitsubishi e, lembrando que era até bastante comum motores a gasolina compartilharem alguns elementos de projeto com os congêneres do ciclo Diesel de alta rotação também entre outros fabricantes como a Mercedes-Benz e a Volkswagen, e no contexto da AutoLatina a partir de 1986 a Ford iria socorrer-se na Volkswagen para obter motores a gasolina e álcool mais competitivos no âmbito brasileiro, a letargia em simplesmente usar o espólio da Willys-Overland sem procurar implementar melhorias teve um preço bastante caro. Curiosamente entre as versões de 6 cilindros do motor Hurricane feitas no Brasil, embora a 3000 tivesse pistões com maior diâmetro, o curso era sempre menor em comparação às versões com 4 cilindros dessa mesma linha que nunca chegaram a ser fabricadas no Brasil, tal qual acontecia com as versões do motor Lightning exceto o Super Hurricane que tinha o mesmo curso do Go Devil, enquanto o Hurricane japonês sempre com 4 cilindros compartilhava diâmetro e curso rigorosamente idênticos aos KE31 e KE36, e na Argentina um derivado local do Go Devil usava os mesmos pistões do Super Hurricane e tinha a cilindrada um pouco maior passando a 2.5L ao invés de 2.2L como o original americano e o congênere japonês.

À medida que algumas alterações ocorreram nas dinâmicas dos mercados internacionais, com reflexos no Brasil obviamente, foi um erro considerável a Ford ter deixado passar algumas oportunidades para continuar aproveitando ao máximo o ferramental de produção obtido no espólio da Willys-Overland a um investimento menor que o necessário para implementar linhas mais atualizadas de motores como o Thriftpower Six que chegou à Argentina ainda na década de '60. Mesmo sendo altamente improvável a sobrevida até a atualidade para um motor originalmente desenvolvido como flathead a gasolina, e que recebeu cabeçotes em F ainda para usar gasolina e OHV para viabilizar o Diesel, uma grande evolução ao longo dos últimos 40 anos tornou os motores Diesel de alta rotação extremamente competitivos até junto a perfis de uso mais austeros, impulsionado pela maior presença de pick-ups médias como era a Ford F-75 enquanto as full-size passaram a ser produtos de nicho no Brasil em detrimento da presença mais generalista que tinham em outras épocas. Enfim, além de ter sofrido uma falta de competitividade no âmbito dos motores de ignição por faísca enquanto recorria aos motores de origem Willys-Overland como um paliativo frente à falta de investimentos em modernização, a Ford perdeu uma oportunidade de ouro no Brasil para se firmar como uma referência em tecnologia numa época que ainda era comum o recurso a motores "de trator" para atender de forma mais imediatista a necessidade por motores Diesel em caminhonetes a partir da década de '70.

quarta-feira, 15 de maio de 2024

Teria um motor Diesel de alta rotação logo de início sido algum empecilho para o Toyota Bandeirante ao invés dos motores Mercedes-Benz?

Com a particularidade de ter contado com motores Diesel antes mesmo dos equivalentes japoneses, o Toyota Bandeirante lançou mão de motores fornecidos pela Mercedes-Benz do Brasil antes da própria Toyota terceirizar a produção do motor 14B junto à MWM a partir do ano-modelo 1995. Apesar do 14B já contar com injeção direta ter uma faixa de cilindrada longe de ser das mais modestas, com 3.7L e portanto bastante próxima dos 3.8L do motor OM314 ou 4.0L do OM364 que foi o último motor Mercedes-Benz oferecido no modelo, é natural que pudessem surgir dúvidas quanto à viabilidade de um motor Diesel de alta rotação logo no início do ciclo do modelo. Lembrando que tanto a Toyota quanto a Isuzu, reconhecidamente uma das maiores fabricantes de motores Diesel do mundo, chegaram a ser representadas no Brasil por um mesmo importador na época que a extinta Arpagral fazia a montagem de utilitários Toyota e Isuzu a partir de kits CKD, e já oferecia a instalação de motroes Mercedes-Benz nos jipes e caminhões Toyota que montava no Brasil, a própria diferença na estratégia da Mercedes-Benz do Brasil em comparação à congênere argentina onde havia a produção de automóveis Mercedes-Benz com a opção por motores Diesel de alta rotação fomenta uma óbvia comparação entre como diferentes faixas de rotação operacional podiam eventualmente equiparar a aptidão de motores em faixas de cilindrada muito discrepantes.

Embora estivesse longe de ser voltado a um alto desempenho em estrada, e portanto as relações tanto de câmbio quanto de diferencial já fossem bastante curtas, a tecnologia muito mais primitiva da época que o Toyota Bandeirante chegou ao Brasil somada à lenta evolução tecnológica dos motores que também sofreu um duro golpe com a proibição às importações de veículos desencorajariam uma introdução de motores Diesel de alta rotação que a Toyota pudesse fazer por conta própria, e a maioria dos fabricantes especializados em motores Diesel focando em faixas de rotação mais modestas dificultava a procura por um fornecedor com produção local de motores. Com a Volkswagen tendo sido na prática a primeira a oferecer regularmente no mercado brasileiro um motor Diesel de alta rotação de fabricação nacional, no caso o 1.6 da Kombi Diesel que acabou sendo um fracasso comercial, certamente soava mais difícil justificar por exemplo uma eventual tentativa de fazer também no Brasil o 2.4 Diesel de 6 cilindros com 75cv que substituiu o Perkins 4-165 de 2.7L em alguns caminhões Volkswagen LT europeus, mesmo quando a Volkswagen do Brasil deu início à produção de caminhões recorrendo a motores MWM e Perkins que mantinham a faixa de cilindrada de 3.9L e regimes de rotação mais modestos nas versões comparáveis ao LT. Portanto, mais que diferentes faixas de rotação e sistemas de injeção, lembrando que motores Diesel de baixa e média rotação já incorporavam a injeção direta quando ainda prevalecia a injeção indireta nos motores Diesel de alta rotação, pode-se deduzir que as condições políticas da época desencorajando a introdução de motores modernos na época áurea do Toyota Bandeirante antes da reabertura das importações e uma qualidade menor do óleo diesel que os tornava mais dependentes da injeção indireta eram desafiadores, mas pode ser inconclusivo supor que uma eventual introdução de motores Diesel de alta rotação em estágios mais iniciais da oferta do Toyota Bandeirante no Brasil fosse algum empecilho.

quinta-feira, 9 de maio de 2024

5 motores que possivelmente ficariam melhor que o Detroit Diesel V8 no Humvee/Hummer H1

Modelo icônico que marcou época como um dos principais veículos militares americanos, o Humvee também intensificou um interesse por SUVs a ponto de ter sido criada a marca Hummer para vender versões civis tanto do próprio Humvee a exemplo do precedente histórico do Jeep quanto modelos menores baseados em caminhonetes Chevrolet. Até o motor usado no Humvee original, de origem Detroit Diesel em versões de 6.2L aspirado e 6.5L tanto aspirado quanto turbo, seguiu em uso no modelo militar, isento da exigência de algumas normas de emissões aplicáveis a veículos civis que motivou uma substituição pelo Duramax 6600 no Hummer H1 idêntico em aparência ao Humvee. Considerando que o motor Detroit Diesel tem uma fanbase bem menor em comparação a outros motores em faixas de potência e torque próximas, talvez fosse justificável o modelo militar também ter sido equipado com um motor diferente. Ao menos 5 podem ser lembrados.
1 - Cummins série B: sempre com turbo nas aplicações veiculares tanto em versões com 4 cilindros, que já daria conta de atender às mesmas condições operacionais nas quais o 6.2 aspirado ainda quebrava o galho, quanto nas de 6 cilindros aptas a proporcionar um desempenho competitivo também diante do 6.5 turbo. Um precedente histórico válido foi o uso do Cummins B3.9 em aplicações onde o motor Detroit Diesel também era apontado como uma opção mais econômica que os V8 small-block a gasolina da Chevrolet;

2 - Isuzu 4HF1: um motor aspirado com "só" 4 cilindros e 4.3L poderia parecer demasiado precário, mas a popularidade de caminhões Isuzu em diversas regiões (às vezes parece até que só no Brasil a Isuzu nunca conseguiu se estabelecer) poderia facilitar a logística de peças de reposição e encontrar mecânicos minimamente qualificados para atender aos operadores. Chegou a ter também versões turbo, que apesar de terem uma calibração bastante modesta acabam sendo confiáveis em condições ambientais variadas;

3 - Perkins 6-354: tendo em vista como foi muito difundido tanto em veículos fora dos Estados Unidos quanto pelas aplicações em maquinário pesado, considerando também versões aperfeiçoadas que foram vendidas sob outras denominações, a princípio podia ser outra opção satisfatória no tocante ao desempenho e pela facilidade para recrutar operadores de alguma forma familiarizados com o motor;

4 - Deutz 913: pela refrigeração a ar, poderia ser interessante, em que pese a posição mais recuada do motor no chassi do Humvee ser eventualmente mais complexa para captar um fluxo adequado de ar para a refrigeração mesmo forçada. Versões com 4 cilindros até poderiam ter um desempenho mais razoável com turbo, enquanto nas de 6 cilindros seria possível tanto usar um motor turbo quanto um aspirado a depender das condições de operação;

5 - Detroit Diesel 4-53: apesar do peso um tanto exagerado dos motores 2-tempos pelos quais a Detroit Diesel tinha maior destaque antes do surgimento dos motores 4-tempos como o próprio usado no Humvee, já havia uma maior familiaridade até por parte das forças militares dos Estados Unidos com os motores 2-tempos, que também ofereciam uma maior modularidade que facilitaria a manutenção e a reposição de peças.

sexta-feira, 3 de maio de 2024

Quais poderiam ser boas justificativas para hipotéticas versões de 2 a 3 rotores de algum motor Diesel baseado em projetos da LiquidPiston?

Com a modularidade ainda sendo um aspecto fundamental na produção de motores Diesel destinados a veículos utilitários, tomando como referência a MWM quando fornecia motores entre 4 e 6 cilindros em linha para caminhões e chassis de ônibus Volkswagen de acordo com as faixas de potência e peso bruto total (PBT) a serem atendidas, seria natural que o mesmo critério fosse levado em consideração no caso de um hipotético motor Diesel modernizado que viesse a ser desenvolvido de acordo com os projetos de motores rotativos que a LiquidPiston anunciou como revolucionários. Guardadas algumas proporções, e lembrando como um relativo sucesso comercial para motores Wankel de ignição por faísca pelas mãos da Mazda pode ser a referência mais realista ao abordarmos motores rotativos de um modo geral, seria o caso de apostar também na escalabilidade com projetos de motores entre 2 e 3 rotores para atender ao uso veicular. E apesar de todo esse comodismo que perdura por mais de 100 anos em torno dos motores convencionais com pistões, a grande diversidade de aplicações para as quais os motores Diesel tem sido a melhor opção também proporciona boas oportunidades que justificariam um hipotético motor que siga preceitos de algum projeto apresentado pela LiquidPiston em configuração mais básica de rotor único.

Talvez o exemplo mais óbvio seja o de viaturas militares, tanto em função da LiquidPiston já ter obtido contratos junto ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos visando o desenvolvimento de motores para grupos geradores portáteis, quanto as eventuais especificidades de algumas condições operacionais que podem tornar insuficiente por exemplo militarizar uma caminhonete média como a Toyota Hilux, e motivos tão variados quanto minimizar a probabilidade de detecção do tráfego em áreas conflagradas e uma adaptabilidade a combustíveis com diferentes especificações que possam ser mais fáceis de suprir no campo de batalha já costumam favorecer motores Diesel de um modo geral. Outra eventual vantagem a ser enfatizada, além da redução na quantidade de peças móveis de um motor baseado na tecnologia que a LiquidPiston desenvolve, é a ausência de válvulas de admissão e de escape eliminar um ponto muito crítico para a durabilidade de um motor, especialmente quando alguma circunstância excepcional dificultaria a correta observância de um cronograma de manutenção que inclua a substituição de uma correia dentada por exemplo, logo a prontidão de um veículo ou equipamento militar especializado é favorecida. E apesar de estágios mais iniciais de desenvolvimento dos motores LiquidPiston ainda terem um inconveniente que é o uso de rolamentos selados, mais críticos tanto pelos esforços aos quais estão submetidos acarretarem numa alta temperatura quanto por ficar mais difícil implementar um sistema de lubrificação por recirculação pressurizado como qualquer motor veicular moderno, há de ser levado em conta que eventuais incrementos no tamanho do módulo básico de rotor único para atender a capacidades cúbicas (seria estranho citar cilindrada ao tratar de um motor que não tem cilindros propriamente ditos) superiores também teria a princípio menos restrições de espaço para a instalação de uma ou mais bombas de óleo com os respectivos filtros, facilitando ainda o uso do turbocompressor que é dependente da lubrificação pressurizada.

Tendo em vista que uma das pautas que os projetos da LiquidPiston abrangem acaba sendo o downsizing, também é pertinente observar alguns precedentes históricos por mais aparentemente desconexos que possam parecer à primeira vista, e um dentre os mais óbvios foi o uso do motor Cummins ISF2.8 para as versões Euro-5 de Ford F-350 e F-4000 em substituição ao B3.9 dos modelos Euro-2 e Euro-3, ainda que numa proporção muito menos radical num âmbito técnico. Em que pese o uso de motores turbodiesel com 4 cilindros ter sido exclusividade dos modelos brasileiros por conta da economia de escala e a necessidade de cumprir índices de nacionalização de componentes, ao passo que congêneres americanos, mexicanos e até venezuelanos já lançavam mão de motores V8 e V10 de ignição por faísca, bem como a opção por ao menos um V8 turbodiesel no ciclo de produção dessa geração de pick-ups Ford Super Duty, as diferenças nas faixas de rotação e os picos de potência e torque entre o B3.9 e o ISF2.8 permite deduzir que um motor turbodiesel baseado em tecnologia da LiquidPiston, desde que sejam viabilizadas as condições de escalabilidade para versões de 2 e 3 rotores, tomando como referência a experiência da Mazda na ignição por faísca com os motores Wankel 13B de 1.3L com 2 rotores e 20B de 1.95L com 3 rotores. Além do eixo excêntrico que em motores Wankel e nos protótipos da LiquidPiston funcionam de forma análoga ao virabrequim dos motores convencionais a pistão também incorporar em algumas provas de conceito apresentadas pela LiquidPiston ainda com rotor único a função que seria de um coletor de admissão, o fluxo de escape até seria mais fácil para dimensionar num motor LiquidPiston que mantivesse a configuração de rotor único, mas assim como nenhum carro com motor de menos de 2 cilindros alcançou o sucesso comercial é possível fazer uma analogia no âmbito dos motores Wankel, mesmo que a própria LiquidPiston sempre enfatize estar desenvolvendo um tipo de motor rotativo diferente do Wankel em vários aspectos.

Diante do recrudescimento das normas de emissões com a recente implementação da Euro-6 em veículos pesados no Brasil talvez até mais escancarada por ainda ser comum o motor dianteiro em ônibus, principalmente urbanos, uma posição bem mais destacada do módulo onde ficam o filtro de material particulado (DPF) e os catalisadores DOC e SCR fomenta o eventual interesse por uma instalação mais próxima ao motor, e nesse âmbito o porte mais compacto de um motor projetado de acordo com as tecnologias que a LiquidPiston tem desenvolvido seria capaz de facilitar até uma instalação do módulo de aftertreatment junto ao motor. Levando em consideração que a proposta da LiquidPiston é atrelada ao downsizing, tanto por motores rotativos conforme a experiência da Mazda com os Wankel costumarem ter dimensões externas mais contidas em proporção às respectivas faixas de cilindrada quanto por apresentarem uma facilidade para operar a regimes de rotação mais altos inclusive pela ausência de válvulas de admissão e escape, e portanto a eliminação do risco de flutuação de válvulas, um "envelope" mais compacto e leve pode ser útil tanto para uma instalação mais eficiente dos dispositivos de controle de emissões como uma proximidade física do filtro de material particulado proporcionar um aquecimento mais célere e facilitar uma redução do acúmulo de fuligem porque teria uma autolimpeza passiva mais frequente. E a possibilidade de livrar espaço em paralelo às longarinas do chassi de um ônibus ou de um caminhão também é desejável, podendo ser melhor aproveitado para a instalação de tanques de combustível e AdBlue/Arla-32 de capacidades maiores.

Considerando como alguns fabricantes de motores Diesel e de veículos pesados como a Scania tinham algumas tradições, a exemplo da modularidade e alta intercambialidade de componentes entre motores com quantidade de cilindros diferenciada, embora uma nova geração de motores de 6 cilindros e 13 litros apresentada pela Scania tenha passado até a usar um cabeçote DOHC, em substituição aos cabeçotes individualizados ou no máximo compartilhados por um par de cilindros em diferentes gerações de motores, talvez uma escalabilidade que viabilizasse a produção de motores entre 2 e 3 rotores mudando só o eixo excêntrico e agregando mais seções, em contraste com motores Scania entre 5 e 8 cilindros que além do cárter precisam de um virabrequim e eixo de comando de válvulas específico em cada configuração de cilindros. A economia de escala acaba sendo cada vez mais importante em meio a tantas alegações da suposta inviabilidade para desenvolver novas gerações para motores de combustão interna de um modo geral, e nesse âmbito é possível que uma tecnologia da LiquidPiston conseguisse atender até melhor à proposta de simplificar a produção dos motores e a logística de reposição de peças cobrindo uma faixa de potência tão diversificada quanto já são atendidas com motores de projeto mais convencional. Outro ponto que a princípio passa despercebido é a distribuição de peso entre os eixos, que diga-se de passagem foi um dos motivos para a cabine avançada hoje ter uma maior aceitação, enquanto a cabine recuada ou "bicuda" perdeu participação de mercado nos caminhões novos no Brasil.

Outro caso emblemático para eventualmente justificar motores entre 2 e 3 rotores a serem desenvolvidos de acordo com os projetos da LiquidPiston seria o uso em aplicações onde a densidade de passageiros e carga é mais alta como nos ônibus double-decker, muito usados para viagens longas tanto no Brasil quanto em outros países, e além do volume de passageiros e bagagens há restrições de altura que exigem a acomodação do sistema de ar condicionado mais próxima do motor, ao invés de ter o condensador instalado no teto como se vê com frequência em ônibus de piso único a depender da altura do porão de carga. Naturalmente para uma aplicação mais pesada, na qual um motor com regime de rotação mais contido e priorizando um maior torque em baixas rotações, até possa parecer mais fácil ignorar a LiquidPiston em função da maior ênfase no downsizing, mas está longe de ser totalmente irrelevante, mas cabe enfatizar além do tamanho e peso mais contidos em proporção a uma mesma faixa de cilindrada um motor rotativo de litragem mais alta ainda precisaria que a velocidade angular dos rotores e do volante de motor permanecesse subsônica para evitar danos que uma ressonância acarretaria. Portanto, considerando que um ônibus double-decker como os que são muito usados em excursões de turistas argentinos para Florianópolis no verão chega a ter o compartimento principal de bagagens mais difícil no tocante ao acesso e ao manuseio das cargas em parte por ter o motor e o ar condicionado num espaço tão exíguo, fica ainda mais desejável um motor projetado de acordo com a tecnologia da LiquidPiston.

Em meio à ascensão de sistemas híbridos nos veículos leves, e o exemplo da Toyota com o Corolla Cross que no Brasil ainda incorpora a tecnologia flex possibilitando também usar o etanol, algumas especificidades chamam a atenção como o Toyota Corolla Cross híbrido ter um tanque de combustível menor que o das versões convencionais para livrar espaço para a bateria, assim ficando inevitável fazer uma alusão ao espaço ocupado por sistemas de pós-tratamento dos gases de escape nos veículos com motor turbodiesel moderno. A restrição com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração em vigor no Brasil, que tem historicamente prejudicado tanto usuários de perfil essencialmente generalista quanto profissionais como taxistas que em alguns casos já ficaram desiludidos acerca do gás natural, pode dar a impressão que um desenvolvimento de motores baseados nos projetos da LiquidPiston ficaria irrelevante mas, além de outros países ainda oferecerem perspectivas para ampliação de mercados de exportação com diferentes observâncias de normas de emissões, ainda mantém viável um compartilhamento de componentes entre motores de ignição por faísca ou Diesel tal qual ainda ocorre com alguns motores convencionais a pistão, e o uso de diferentes alojamentos para os rotores de acordo com o ciclo termodinâmico propiciam comparação às conversões "misto-quente". Essa mesmo situação também poderia facilitar a eventual produção de motores a gás natural para uso pesado, a serem derivados de um hipotético projeto de motor Diesel que viesse a seguir os princípios de funcionamento delineados pela LiquidPiston para uma nova geração de motores rotativos.

Tendo em vista tanto veículos leves quanto pesados, e que motores modernos apesar de alguma evolução pontual em aspectos como o sincronismo de válvulas e o suprimento de combustível permanecem operando segundo princípios básicos inalterados ao longo de mais de 100 anos, é natural que um projeto radicalmente diferente cause desconfianças num primeiro momento, caso contrário um Fiat Fiorino hoje poderia ter motor Wankel a gasolina ou flex mesmo que alguma solução para atender a veículos pesados precisasse de um desenvolvimento à parte. E apesar de algumas tentativas de demonizar os motores de combustão interna de um modo geral, no fim das contas ainda há muito o que fazer no intuito de comprovar a viabilidade de médio a longo prazo em meio à busca por uma renovação da matriz energética do transporte motorizado. Enfim, por mais que às vezes até opções facilmente integráveis aos motores convencionais sejam vistas com descaso ou até desconfiança por uma parte do público generalista, a exemplo do etanol que além da concorrência com o açúcar na demanda por matérias-primas tanto no Brasil quanto no exterior fica dependente de interesses políticos, uma série de fatores de ordem técnica demonstra que a tecnologia da LiquidPiston ainda pode ser muito bem aproveitada nos mais diversos segmentos do mercado de veículos.