quinta-feira, 23 de maio de 2024

Apontando alguns erros da Ford ao ter reaproveitado o motor Hurricane proveniente do espólio da Willys-Overland do Brasil

A fusão das operações brasileiras da Ford e da Willys-Overland em 1967 foi um daqueles momentos de sorte que postergaram um encerramento das operações industriais da Ford no Brasil, tendo em vista que caiu de bandeja uma linha de utilitários que então se demonstrava mais adequada à efetiva necessidade tanto de operadores urbanos quanto rurais, embora com um motor que deixava muito a desejar. No caso do motor Hurricane, que chegou a equipar utilitários de origem Willys como a pick-up Ford F-75 até o motor 2.3 OHC ter a produção iniciada em Taubaté na década de '70, com uma configuração conhecida por "cabeçote em F" com as válvulas de admissão no cabeçote e as de escape ainda no bloco, era óbvio que as taxas de compressão ficavam muito limitadas, e inadequadas até mesmo para experiências com o álcool etílico. E embora fosse um motor "de calhambeque" a bem da verdade, basicamente uma discreta evolução dos motores Go Devil com 4 cilindros e Lightning/Super Hurricane de 6 cilindros que tinham a configuração de válvulas laterais (flathead), o precedente histórico da Mitsubishi que detinha a licença para produzir a linha Jeep CJ no Japão e o fez entre 1953 e 1998 chegando a desenvolver versões Diesel derivadas do motor Hurricane trazia lições que certamente fizeram falta à operação brasileira da Ford.

Naturalmente, os motores Mitsubishi Fuso KE31 de 2.2L com 4 cilindros e KE36 de 3.3L e 6 cilindros lançavam mão de um cabeçote específico para o Diesel, já incorporando também as válvulas de escape e viabilizando uma taxa de compressão mais alta como é necessária ao ciclo Diesel, e a bem da verdade a mesma disposição de válvulas também poderia ter sido útil nos motores de ignição por faísca levando em consideração tanto o uso do etanol quanto do gás natural e até mesmo do gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha"). E embora o mercado brasileiro fosse menos familiarizado aos motores Diesel de alta rotação durante o ciclo estendido de produção de utilitários Jeep antigos por parte da Ford que se prolongou até 1983, a maior similaridade técnica de alguns componentes com o das versões a gasolina a princípio teria facilitado a implementação de um projeto análogo ao da Mitsubishi e, lembrando que era até bastante comum motores a gasolina compartilharem alguns elementos de projeto com os congêneres do ciclo Diesel de alta rotação também entre outros fabricantes como a Mercedes-Benz e a Volkswagen, e no contexto da AutoLatina a partir de 1986 a Ford iria socorrer-se na Volkswagen para obter motores a gasolina e álcool mais competitivos no âmbito brasileiro, a letargia em simplesmente usar o espólio da Willys-Overland sem procurar implementar melhorias teve um preço bastante caro. Curiosamente entre as versões de 6 cilindros do motor Hurricane feitas no Brasil, embora a 3000 tivesse pistões com maior diâmetro, o curso era sempre menor em comparação às versões com 4 cilindros dessa mesma linha que nunca chegaram a ser fabricadas no Brasil, tal qual acontecia com as versões do motor Lightning exceto o Super Hurricane que tinha o mesmo curso do Go Devil, enquanto o Hurricane japonês sempre com 4 cilindros compartilhava diâmetro e curso rigorosamente idênticos aos KE31 e KE36, e na Argentina um derivado local do Go Devil usava os mesmos pistões do Super Hurricane e tinha a cilindrada um pouco maior passando a 2.5L ao invés de 2.2L como o original americano e o congênere japonês.

À medida que algumas alterações ocorreram nas dinâmicas dos mercados internacionais, com reflexos no Brasil obviamente, foi um erro considerável a Ford ter deixado passar algumas oportunidades para continuar aproveitando ao máximo o ferramental de produção obtido no espólio da Willys-Overland a um investimento menor que o necessário para implementar linhas mais atualizadas de motores como o Thriftpower Six que chegou à Argentina ainda na década de '60. Mesmo sendo altamente improvável a sobrevida até a atualidade para um motor originalmente desenvolvido como flathead a gasolina, e que recebeu cabeçotes em F ainda para usar gasolina e OHV para viabilizar o Diesel, uma grande evolução ao longo dos últimos 40 anos tornou os motores Diesel de alta rotação extremamente competitivos até junto a perfis de uso mais austeros, impulsionado pela maior presença de pick-ups médias como era a Ford F-75 enquanto as full-size passaram a ser produtos de nicho no Brasil em detrimento da presença mais generalista que tinham em outras épocas. Enfim, além de ter sofrido uma falta de competitividade no âmbito dos motores de ignição por faísca enquanto recorria aos motores de origem Willys-Overland como um paliativo frente à falta de investimentos em modernização, a Ford perdeu uma oportunidade de ouro no Brasil para se firmar como uma referência em tecnologia numa época que ainda era comum o recurso a motores "de trator" para atender de forma mais imediatista a necessidade por motores Diesel em caminhonetes a partir da década de '70.

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