terça-feira, 22 de setembro de 2015

Observações sobre o recente escândalo da Volkswagen

Nos últimos dias, tem repercutido a notificação de violação recebida na última sexta-feira (18) pela Volkswagen nos Estados Unidos devido a uma divergência de resultados em testes de homologação conduzidos pela EPA (Environment Protection Agency, equivalente americano do IBAMA) para veículos das marcas Volkswagen (Golf, Beetle, Jetta e Passat) e Audi (A3 e A4) equipados com o motor 2.0TDI CleanDiesel entre os anos-modelo 2009 e 2015, e posteriormente quando submetidos a testes independentes conduzidos por uma ONG junto à Universidade de West Virginia em condições reais de uso, sobretudo as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) que em alguns modelos podiam chegar a índices até 40 vezes mais elevados que os valores homologados. Cerca de 482000 veículos estão envolvidos no escândalo, e caberá à Volkswagen fazer um recall para corrigir o problema. No domingo, a comercialização dos modelos Volkswagen Golf, Jetta, Beetle, Passat e Audi A3 equipados com o motor 2.0TDI foram suspensas pela Volkswagen nos Estados Unidos, e a EPA cogita vetar a homologação dos modelos 2016.

A inserção de um sofisticado algoritmo no software da central de gerenciamento eletrônico dos motores para detectar condições-padrão de teste em dinamômetro de rolo com base na velocidade do veículo, posição do volante, tempo de funcionamento do motor e pressão barométrica, torna possível alternar entre um mapeamento com ênfase em baixas emissões para atender aos critérios da EPA e do CARB (California Air Researches Board - uma comissão para estudos de qualidade do ar na Califórnia, que também tem alguma influência sobre as legislações ambientais de outros estados como o Arizona), e outro mais direcionado à economia de combustível, apresentando também uma significativa diferença no desempenho do veículo. Quando o mapeamento para baixas emissões está selecionado, o maior volume de gases de escape readmitidos através do sistema EGR (Exhaust Gas Recirculation - recirculação de gases de escape) reduz a quantidade de oxigênio admitida, bem como o volume de combustível injetado de modo a manter a proporção estequiométrica (para quem se esqueceu das aulas de Química, trata-se da razão entre o combustível e o comburente para que ocorra uma combustão completa), mas que também deixa o veículo com um desempenho mais "amarrado" e, ao contrário do que se poderia inicialmente supor, provoca um aumento do consumo de combustível. No caso do Passat, que desde o modelo 2014 passou a contar também com o sistema SCR de redução catalítica seletiva dos óxidos de nitrogênio por uma reação química entre os gases de escape e um fluido aquoso com 32,5% de uréia (mais conhecido nos Estados Unidos como DEF - Diesel Exhaust Fluid - e no Brasil como ARLA-32), o dispositivo era acionado apenas durante a partida quando em operação normal.

Além de já vir amargando uma queda nas vendas no mercado americano, a empresa fica com a credibilidade um tanto comprometida junto a uma grande parte do público, e também terá um grande prejuízo financeiro em decorrência da trapaça. Considerando um valor máximo de 37500 dólares em multa por cada veículo em desconformidade com as normas de emissões comercializado nos Estados Unidos entre 2009 e 2015, que diga-se de passagem já seria superior ao preço de aquisição da maioria deles quando 0km, a Volkswagen pode se ver obrigada a desembolsar por volta de 18 bilhões de dólares apenas em multas, sem ir mais longe e incluir nessa conta os custos de um recall que provavelmente será obrigada a promover com o intuito de desativar o algoritmo e manter como padrão em operação normal o mesmo mapeamento focado em baixas emissões usado para fins de homologação junto à EPA. Não se pode descartar, ainda, que alguns consumidores venham a se sentir lesados e busquem na Justiça alguma compensação financeira pelo episódio, ou mesmo por algum incremento no consumo de óleo diesel que passem a experimentar após o recall.

Muitos críticos já vem apontando o desastroso episódio como mais um empecilho para qualquer perspectiva de um incremento na participação do Diesel em veículos leves no mercado americano, atualmente na faixa de 1% e com liderança da Volkswagen diante da pouca competição - resumida a Mercedes-Benz, BMW e mais recentemente a Chevrolet com uma versão turbodiesel do Cruze. Cabe mencionar que a estratégia da GM em equipar o Chevrolet Cruze Diesel com o sistema SCR, ausente nas versões destinadas a mercados com normas de emissões menos rígidas que as americanas, chegou a ser apontada como um inconveniente que favoreceria o Volkswagen Jetta TDI junto a consumidores por dispensar esse recurso e as despesas adicionais com o DEF, mas a situação tem de ser analisada sob outras perspectivas. Além do DEF já ser encontrado nos Estados Unidos até no WalMart, em postos de combustível que o comercializam a granel o preço é mais barato que o do óleo diesel, portanto o uso do reagente tem um impacto menos severo no custo operacional que o incremento no consumo de combustível resultante de usar apenas o EGR numa proporção mais intensa como no mapeamento adotado pela Volkswagen para burlar os testes.

Porém, não se pode desconsiderar que uma parte considerável do público americano se mostra insatisfeita com a forma que setores da esquerda se valem de uma histeria supostamente "ambientalista" para prejudicar a economia. Considerando a dependência dos Estados Unidos por petróleo importado de zonas politicamente instáveis e ditaduras no Oriente Médio e na África, além da Venezuela, seria plausível levar em conta que um navio-tanque está longe de ser "limpo", e na prática qualquer decréscimo nas emissões dos automóveis envolvidos no escândalo da Volkswagen seria nulo, visto que a necessidade de mais combustível fatalmente seria refletida num tráfego mais intenso de navios-tanque, além da própria extração do petróleo também não ser livre de emissões. Já para os que se mostram céticos com relação à viabilidade econômica de substituir o óleo diesel convencional pelo biodiesel, ou pelo uso direto de óleos vegetais como combustível veicular quando aplicável, um eventual impacto nos custos de gêneros alimentícios e de óleos vegetais destinados a aplicações industriais diversas é também posto em discussão quando se prospecta um incremento na quantidade de biodiesel e óleos vegetais destinados a fins energéticos como possivelmente será o caso de alguns proprietários de modelos equipados com o motor Volkswagen que já são usuários desses combustíveis alternativos.

Ruralistas também consideram uma inversão de prioridades que as autoridades americanas estejam preferindo atacar os veículos ao invés de promover uma maior participação dos biocombustíveis frente aos combustíveis fósseis, que não seria tão difícil de fomentar por lá valendo-se da adaptabilidade dos motores do ciclo Diesel a essa proposta. Além das frituras por imersão serem muito populares por lá, e grandes quantidades de óleo de cozinha saturado serem descartadas de forma incorreta quando poderiam servir perfeitamente como matéria-prima para a produção de biodiesel ou mesmo usadas diretamente em substituição ao óleo diesel convencional, o consumo de carnes processadas (hamburgers, salsichas, entre outros) chega a ser até mais popular que o de carnes in natura, principalmente a bovina, o que acaba por favorecer uma recuperação de grandes quantidades de gordura das carcaças e o respectivo direcionamento à produção de biodiesel. É importante lembrar que todas as emissões geradas pelo uso de biocombustíveis são reabsorvidas durante o crescimento das plantas destinadas tanto a fins energéticos quanto à elaboração de rações pecuárias administradas a animais que tenham gorduras corporais aproveitadas nessa mesma aplicação.

Não há nessas observações qualquer intenção de isentar a Volkswagen da responsabilidade pelas violações da legislação ambiental em vigor nos Estados Unidos, mas toda essa situação não deixa de servir de pretexto para ponderações acerca de um rigor eventualmente excessivo das mesmas e de outras possibilidades de administrar e minimizar o passivo ambiental decorrente do uso de veículos automotores que estejam sendo negligenciadas por entes públicos mundo afora, independentemente de viés político-partidário.

2 comentários:

  1. Impostos no Brasil são absurdos, mas não justificam a sonegação. A VW demonstrou que dar um "jeitinho" para contornar dificuldades não é privilégio de brasileiros.

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  2. Devo admitir que eu já vinha contra a Volkswagen e os carros a diesel, mas em alguns pontos você não deixa de ter razão. De nada adianta vir com discurso ensaiado sobre ecologia e não propor uma solução eficaz como o biodiesel.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html