sábado, 23 de setembro de 2017

Uma reflexão sobre as restrições à importação de veículos com motor Diesel de cilindrada igual ou inferior a 4.000cc na Bolívia

Já não é de hoje que motores Diesel com cilindrada igual ou inferior a 4.000cm³ tem atendido a uma grande variedade de veículos destinados aos mais diversos usos, tanto para fins comerciais quanto particulares. Desde o antigo e rústico 14B de 3.7L que no Brasil ficou mais conhecido como o último motor a equipar o Toyota Bandeirante até a atual geração de motores turbodiesel com injeção eletrônica do tipo common-rail como o 1GD-FTV de 2.8L disponibilizado na atual geração da Hilux em alguns países, não se pode negar que houve uma notável evolução tecnológica, a ponto de eventualmente ser possível superar o desempenho que seria obtido com motores de maior capacidade cúbica nas mesmas condições de uso. No entanto, o governo da Bolívia tem recentemente adotado um posicionamento até certo ponto infeliz em impor uma restrição baseada na cilindrada que acaba por limitar o acesso dos consumidores bolivianos ao Diesel em veículos de determinadas categorias.
Se por um lado persiste o eterno dilema entre as respectivas vantagens e desvantagens do downsizing e do downspeeding/downrevving não apenas no tocante à confiabilidade em condições de uso pesado ou ainda a um enquadramento mais fácil nas normas de emissões cada vez mais severas, por outro é difícil justificar tamanha interferência estatal em detrimento da liberdade para o consumidor escolher a solução mais adequada às próprias necessidades. Por mais que a massificação do uso do gás natural veicular tenha se tornado uma das grandes bandeiras do aspirante-a-ditador Evo Morales, sobretudo após a "nacionalização" das instalações de petrolíferas estrangeiras (inclusive da Petrobras) em 2006, sendo apresentada como uma oportunidade para conciliar uma redução tanto de emissões quanto da dependência por óleo diesel importado principalmente da Venezuela e altamente subsidiado, não convém ignorar os prejuízos à capacidade de carga em veículos convertidos para operar no GNV. Afinal, mesmo considerando que modelos como a Hilux e o Toyota 4Runner acabem apresentando uma aptidão ao uso fora-de-estrada bastante semelhante, os perfis dos usuários podem se revelar diametralmente opostos, de modo que o peso e volume de um kit de conversão para gás natural seja mais inconveniente numa pick-up de trabalho que num utilitário-esportivo pretensamente luxuoso...
Por mais que o gás natural tenha de fato uma queima bastante limpa e completa, além dos sistemas destinados ao uso desse combustível de origem fóssil dispensarem modificações visando antecipar-se a uma eventual transição para o biogás/biometano de origem renovável, bem como o custo inicial de um motor Diesel seja de fato desfavorável frente a um concorrente com ignição por faísca numa faixa de desempenho comparável, convém avaliar o risco que a dependência pelo gás natural pode causar, ainda que os efeitos possam ser menos desastrosos que o ocorrido com a indústria petrolífera na Venezuela. Também não se pode ignorar que, além de ser usado isoladamente, o gás natural apresenta bons resultados quando combinado ao óleo diesel convencional ou a eventuais substitutivos como o biodiesel e óleos vegetais naturais. Convém lembrar, ainda, de uma proposta feita pelo então ditador venezuelano Hugo Chávez em 2006, interessado em fornecer todo o suprimento de óleo diesel a ser consumido na Bolívia em troca por soja. Portanto, num país com uma economia depende essencialmente das commodities como é o caso da Bolívia, e cujas condições climáticas e topográficas impõem alguns desafios à agricultura, não convém se acomodar em torno do gás e da ignição por faísca e ignorar que os motores Diesel podem favorecer mais diretamente a autonomia energética do produtor rural.

Um exemplo bastante didático do quão incoerente é tratar a cilindrada como principal parâmetro ao classificar um motor como mais ou menos desejável seria uma comparação entre o motor 1HD-FTE de 4.2L e 6 cilindros em linha que foi oferecido como opção no Toyota Land Cruiser série 100 e o 1GD-FTV de 2.8L e 4 cilindros em linha disponível na atual geração da Toyota Hilux SW4/Fortuner. Além das diferenças no desempenho, com alguma vantagem na potência para o 1HD-FTE (205cv a 3400RPM/44kg.m a 1800RPM) enquanto no tocante ao torque o 1GD-FTV (potência de 177cv a 3400RPM) apesar de ainda sair em ligeira desvantagem quando especificado para uso com câmbio manual (42,8kg.m a 1600-2600RPM) se sai melhor na configuração para veículos com câmbio automático (45,9kg.m a 1600-2400RPM), também não se deve negligenciar o efeito que o tamanho e o peso do motor acaba tendo sobre a dirigibilidade em diferentes condições de terreno. Guardadas as devidas proporções entre o Land Cruiser 100 e a SW4, um motor mais leve ainda tende a evitar um afundamento da frente do veiculo em terrenos menos firmes, o que não deixa de se apresentar como um contraponto à normativa em questão.

As restrições à importação de veículos com motor Diesel de cilindrada igual ou inferior a 4.000cc em vigor na Bolívia devem ser analisadas com o devido cuidado para não incorrer nos mesmos erros que aparentemente as motivaram. Afinal, se por um lado parece um meio eficaz para prevenir que o suprimento de óleo diesel convencional para veículos comerciais seja impactado pela demanda do combustível por particulares, por outro se torna um tiro no pé tendo em vista que alguns utilitários simplesmente não podem receber um motor maior sem comprometer a capacidade de carga ou a dirigibilidade, numa proporção eventualmente até comparável à que poderia ocorrer em função de uma conversão para gás natural como o governo boliviano tem estimulado. Enfim, pode-se traçar um paralelo com as restrições baseadas em capacidades de carga, passageiros ou tração em vigor no Brasil, para chegar à conclusão de que a Bolívia está indo por um caminho muito sombrio...

16 comentários:

  1. No soy de todo contra el gas natural, pero estoy de acuerdo que no se debe limitar los motores diésel chicos. Dicen que es un intento de hacer con que el diésel oil no pase a impulsionar vehículos de lujo, pero al campesino y mismo a unos obreros de las ciudades una camioneta tipo pick-up y los furgones se convierten en herramienta de trabajo. Creo que al menos a las pick-ups, furgones y microbuses, y a las vagonetas de doble tracción no se debe limitar el tamaño del motor para que se otorgue el derecho de llevar motor a diésel.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Tentativas de evitar que o Diesel se torne um "luxo" nunca deram certo, basta ver o caso dos sport-utilities e das pick-ups "de agroboy" no Brasil. E o pior é que essas mesmas imposições sempre prejudicam quem precisa de um veículo com motor Diesel para trabalhar, e se vê forçado a usar um modelo com eficiência energética menor em função de fatores tão diversos quanto um peso morto agregado.

      Excluir
  2. Si suena estúpido que no se pueda tener un motor más liviano de alta rotación en un vehículo de trabajo. Y a los que dicen que no se deberia converter una vagoneta en un auto "de lujo", creo que se olvidan que vehículos de doble tracción en general son lo más adecuado frente a las condiciones de los caminos de Bolivia, además que un motor downsizing se va mejor no tan solo por el tamaño y peso más chicos pero sobretodo por el turbocompresor que les otorga un desempeño más constante por las distintas y por veces extremas altitudes que hay en Bolivia mientras un motor atmosférico por más alta que sea la cilindrada se va a perder fuerza en grandes altitudes.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. De fato, a compensação de altitude inerente ao turbo é um grande auxílio, e por incrível que pareça favorece até mesmo o controle de emissões numa faixa mais ampla de condições operacionais.

      Excluir
  3. Aún que el gas natural puede servir para propulsar taxis, vehículos privados y quizás unos vehículos de servicio público, a mi me ilusionaria que fuera desarollado también un programa de biodiesel para mejor atender a las necesidades del transporte pesado y del agro.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O biodiesel é uma boa opção para o setor agropecuário, bem como um eventual uso direto de óleos vegetais como combustível.

      Excluir
  4. Me gustan más los motores con alta cilindrada y bajas revoluciones, pero tienes razón en decir que la imposición del limite empiezando a más de 4000cm3 es algo arbitrario y demasiado estúpido.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu também não sou contra o downspeeding, mas em alguns casos o downsizing acaba sendo mais adequado às condições operacionais.

      Excluir
  5. Faz anos que eu não vejo um único carro de boliviano movido a diesel, e olha que eu sempre vejo alguns de passagem pelo litoral de São Paulo durante o verão. Eu até achava que fosse por causa da facilidade que eles estão tendo com o gás natural, mas nem imaginava que estavam proibindo a importação de motores a diesel.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu até nunca vi muitos carros de boliviano durante o verão lá em Santa Catarina, mas proporcionalmente sempre vi mais com motores a gasolina.

      Excluir
  6. Se não puderem importar legalmente, quem garante que não passem a usar motores de caminhonetes roubadas no Brasil que são trocadas por droga na Bolívia?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Esse é um problema antigo, e não vai acabar tão cedo, ao menos enquanto as fronteiras com Bolívia e Venezuela forem um pardieiro.

      Excluir
    2. Dizer que proíbe é fácil, mas mesmo assim entrou muita caminhonete roubada no Brasil lá é ainda conseguiram documentar. É palhaçada mesmo.

      Excluir
  7. No soy de todo contra el gas, pero si suena estúpido prohibir los motores de diesel-oil que son mejores para el agro. Me encantaria poder importar una Hilux con el motor 5L-E.

    ResponderExcluir
  8. Aún que me gusten motores más vetustos, la realidad es que no van a hacer camionetas medianas con ellos para vender solo en Bolivia.

    ResponderExcluir
  9. Não sou muito fã de motor de alta rotação mas acho vacilo essa lei boliviana. O gás natural pode não ser ruim mas essa proibição de usar motor a diesel é muito sem noção.

    ResponderExcluir

Seja bem-vindo e entre na conversa. Por favor, comente apenas em português, espanhol ou inglês.

Welcome, and get into the talk. Please, comment only either in Portuguese, Spanish or English.


- - LEIA ANTES DE COMENTAR / READ BEFORE COMMENT - -

Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html