sábado, 2 de setembro de 2017

PLS 304/2017: uma proibição futura à venda e circulação de veículos movidos a combustíveis fósseis ainda se revela um passo maior que a perna

Tem causado discussões acaloradas o Projeto de Lei do Senado nº 304 de 2017, de autoria do senador Ciro Nogueira Lima Filho, do PP do Piauí. Na ementa do projeto, que visa instituir uma substituição dos automóveis movidos a combustíveis fósseis inicialmente focada em restrições à venda de novos exemplares a partir de 2030 até uma proibição à circulação dos mesmos no território nacional a partir de 2040, já se observa uma inadequação às reais condições econômicas e sociais do país devido às expectativas um tanto exageradas em torno de uma eletrificação maciça da frota nacional, embora o autor ainda se posicione favorável também a biocombustíveis com destaque para o etanol.

Para princípio de conversa, é oportuno destacar que todas as propostas para uma eventual "renovação de frota" já apresentadas no país esbarraram nas limitações de ordem econômica, ainda que não fosse discutida uma mudança tão drástica na matriz energética do transporte que teria reflexos inevitáveis no custo para adequação da infraestrutura de reabastecimento dos veículos. Também chega a soar contraditório que, nesses tempos em que os "3 R's" (reduzir, reutilizar, reciclar) estão em evidência, não seja contemplada de forma satisfatória a possibilidade de uma extensão da vida útil operacional de veículos "velhos" porém facilmente adaptáveis ao uso de biocombustíveis, não apenas o etanol tratado como exemplo pelo senador mas ainda o biogás/biometano e o biodiesel que também podem ser facilmente integrados à infraestrutura de distribuição de combustíveis já consolidada por todo o país.

O projeto, que já despertou a antipatia de uma parte considerável dos entusiastas de veículos motorizados, ainda prevê uma isenção para veículos de coleção com mais de 30 anos de antiguidade, bem como para frotas oficiais (tanto civis quanto militares), missões diplomáticas, e veículos com placas estrangeiras em trânsito no Brasil que são amparados pela Convenção de Viena. Tal previsão já leva a questionamentos e expõe possíveis incoerências. Um ponto a se destacar é quanto à permissão a veículos de serviço público para continuarem fazendo uso de combustíveis fósseis: se por um lado é justificável e até desejável que viaturas militares possam fazer uso de todo e qualquer combustível que seja disponível mais facilmente no campo de batalha, por outro o relaxamento das normas de emissões aplicadas aos veículos destinados a órgãos públicos civis vai contra o que atualmente se pratica, e teria o indesejável efeito de reforçar a percepção de que os funcionários públicos contam com privilégios em demasia num momento em que o clamor popular é por um enxugamento do Estado com vistas à eficiência e à moralidade da administração pública. Manter o cidadão de bem como único encarregado pelo ônus da ineficiência estatal beira a obscenidade...

Também é importante discutir sobre a precariedade do sistema elétrico nacional, indo desde o sucateamento da rede elétrica até o impacto que uma maior demanda por energia possa causar sobre um sistema que já está à beira do colapso diante da excessiva dependência pelas centrais hidrelétricas e das infames "bandeiras tarifárias" usadas para reajustar as contas de luz quanto se faz necessário acionar as termelétricas a carvão, gás natural ou óleo combustível pesado (que diga-se de passagem é diferente do óleo diesel convencional). A lembrança de tantos "apagões", com destaque para a "crise do apagão" de 2001 e uma falha ocorrida devido à queda de raios numa subestação de Furnas em Itaberá-SP no dia 10 de novembro de 2009 que afetou 18 estados brasileiros e ainda 90% do Paraguai, também leva a desconfianças quanto à viabilidade da tração elétrica. Uma eventual complementação do fornecimento regular de energia elétrica através do uso de grupos geradores, normalmente movidos a óleo diesel convencional, também revela alguma incoerência nas aspirações "ecológicas" de uma restrição ao uso de combustíveis fósseis em aplicações automotivas, tendo em vista que as normas de emissões para motores estacionários são muito defasadas diante do que se aplica aos veículos.

Outro tópico pertinente é o descrédito em torno do etanol, que em algumas regiões só experimenta um uso mais intenso durante a safra da cana de açúcar. A produção mais concentrada principalmente em São Paulo e Alagoas já seria por si só um problema devido às grandes distâncias para se garantir o suprimento do combustível nos mais remotos rincões do país, bem como as dificuldades para partida a frio experimentadas durante o inverno em algumas localidades, mas ainda há outros aspectos que levaram o etanol a ser colocado em xeque no tocante às vantagens que poderia proporcionar em uma política de segurança energética mais abrangente. A excessiva dependência pela cana, enquanto outras matérias-primas como o milho são tratadas com descaso, dificulta um maior aproveitamento de fontes de energia com relação custo/benefício mais adequada a outras regiões e que podem se tornar mais efetivos para promover uma estabilidade dos preços do etanol ao longo do ano em comparação aos "estoques reguladores" instituídos pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Já o transporte comercial pesado e a agricultura mecanizada, hoje fortemente dependentes do óleo diesel convencional, até poderiam estar sendo beneficiados pelo biodiesel caso houvesse mais liberdade tanto para a produção quanto para a venda a varejo. No entanto, as normas estabelecidas pela ANP tem apenas perpetuado o monopólio da Petrobras e no fim das contas inviabilizado uma renovação da matriz energética. Cabe recordar também a possibilidade ainda menos explorada do uso direto de óleos vegetais naturais que, além do custo reduzido e da menor dependência por insumos químicos em comparação ao biodiesel, se mostra particularmente adequada às necessidades do homem do campo devido à facilidade para promover uma produção mais descentralizada com menos recursos técnicos sofisticados, favorecendo a autonomia energética do produtor rural.

A busca por alternativas ao petróleo e outros hidrocarbonetos fósseis é um caminho sem volta, mas às vezes ainda tem sido tomados rumos cuja eficácia a longo prazo se mostra nitidamente questionável. Assim é o PLS 304/2017, que pode até estar imbuído de uma boa intenção mas peca em parecer mais uma mera imitação de programas que estão sendo implementados pela esquerda-caviar na Europa. Enfim, dadas as condições econômicas, sociais e culturais do Brasil, é evidente que uma proibição futura à venda e circulação de veículos baseada apenas no tipo de combustível que utilizam acabaria se revelando um passo maior que a perna.

2 comentários:

  1. Si lo limitan el uso de combustibles fósiles para vehículos oficiales, donde lo iban a suministrar a vehículos privados registrados en el extranjero? Y a cual precio? Creo que no hay más excusas para que no se amplíe el uso de los biocombustibles renuevables, y las entidades públicas deberian empiezar para darle el ejemplo a la gente y fomentar el desarollo de la industria, sobretodo para el biodiesel y quizás los aceites vegetales puros.

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    1. Realmente, seria incoerente esperar que haveria um suprimento tão fácil de combustível para estrangeiros em trânsito caso houvesse uma restrição ao uso para cidadãos do país.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
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