sexta-feira, 6 de abril de 2018

Observações sobre o gás natural e os motores de ignição por faísca com injeção direta

A chegada de motores de ignição por faísca com injeção direta ao mercado brasileiro em segmentos tão diversos como os subcompactos e os sport-utilities traz novos desafios na conversão para gás natural. Como se não bastassem alguns desleixos ao fazer esse serviço em motores mais simples equipados com injeção eletrônica multiponto sequencial, permanece frequente a instalação de sistemas incompatíveis com a tecnologia original do veículo a ser adaptado, desde a instalação de kits gerenciados eletronicamente mas monoponto até o uso dos kits não-gerenciados que mesmo em veículos produzidos a partir de '97. Nesses casos pode haver problemas como discrepâncias na de mistura ar/combustível entre os cilindros ou o congelamento do coletor de admissão (acontecia muito no Toyota Corolla AE102 que um tio meu teve, com kit não-gerenciado), mas em motores de injeção direta podem haver outras consequências igualmente indesejáveis não só em âmbito técnico mas também político.

Em veículos equipados com catalisador, que tornou-se obrigatório a partir de '97 e teria sido um dos motivos para a Chevrolet encerrar a produção do Monza ainda em '96, até as mínimas irregularidades na mistura ar/combustível podem interferir no correto funcionamento desse dispositivo. Não apenas a relação inversamente proporcional entre um enriquecimento da mistura e a temperatura dos gases de escapamento, de modo que uma maior demora para aquecer o catalisador devido à mistura demasiado rica prolonga a chamada "fase fria" imediatamente após a partida quando os índices de emissões de gases como o venenoso monóxido de carbono (CO) e os óxidos de nitrogênio (NOx) são superiores ao encontrado em operação normal após a estabilização da temperatura operacional, ou mesmo danos que o superaquecimento por mistura muito pobre possa causar no catalisador, é importante levar em conta ainda os inconvenientes que uma emissão excessiva de hidrocarbonetos crus podem causar. Não se pode desconsiderar os riscos de uma queima atrasada desses restos de combustível ocorrer no catalisador quando este já tenha acumulado temperatura suficiente devido aos ciclos de combustão anteriores, não apenas sacrificando a eficiência desse dispositivo de controle de emissões mas ainda podendo trazer desconforto aos passageiros e danificar bagagens devido à irradiação anormal de calor proveniente do catalisador superaquecido (já passei por uma situação semelhante em um carro que não era convertido para gás, um Corsa sedan 2001, em função de uma falha na bobina de ignição que deixou de mandar centelha para 1 cilindro e o injetor do mesmo não parou de debitar a gasolina). Portanto, o ideal em carros com catalisador é recorrer ao kit multiponto (popularmente conhecido como "pressão positiva"), que em conversões aprovadas pela General Motors do Brasil durante a década de '90 chegou a ser usado ainda na 3ª geração até em modelos originalmente equipados com injeção eletrônica monoponto para o combustível líquido original (gasolina ou etanol). Lembrando que para os veículos "flex", o kit de 5ª geração é o mais indicado.

Já nos motores de injeção direta, há outros aspectos a se considerar mesmo quando for usado o kit de 5ª geração, que tem os bicos injetores do gás geralmente instalados no coletor de admissão. Algumas convertedoras no Rio de Janeiro, atendendo à demanda pelo serviço em função não apenas dos preços da gasolina mas principalmente do desconto no IPVA, fazem frequentemente essa gambiarra mesmo com a desvantagem de ainda necessitar da injeção de uma pequena quantidade do combustível original (entre 15 e 25% do que seria normalmente usado) para os bicos injetores originais manterem-se refrigerados. Na prática, o cliente não vê toda a economia que seria de se esperar pelo uso de um combustível mais barato. Considerando ainda o cruzamento de válvulas entre a fase de escape e a admissão para o ciclo subsequente, que interfere na refrigeração das válvulas e respectivas sedes e também do cabeçote como um todo, a passagem de mistura ar/combustível quando se usa um kit de conversão para gás natural de 5ª geração num motor com injeção direta retira uma quantidade maior de calor que o ar sem mistura com o gás natural, e acaba diminuindo portanto a energia térmica disponível para auxiliar na adequada vaporização da gasolina e/ou no etanol que ainda sejam injetados. Logo, deixa de ser tão efetiva a possibilidade de mitigar a aproximação que vinha ocorrendo entre as emissões de material particulado dos motores de injeção direta com ignição por faísca e os Diesel, que sempre foram historicamente desfavorecidos nesse aspecto.

Infelizmente, até mesmo alguns dos mais tradicionais fornecedores de kits de conversão para gás natural ainda anunciam uma gambiarra parecida como sendo efetivamente de 6ª geração pelo simples fato do sistema suplementar de injeção do gás natural integrar-se ao módulo de controle eletrônico original do motor a ser adaptado. Embora o gás natural seja injetado sempre na fase de vapor, o que pode dificultar que se use os mesmos injetores destinados ao combustível líquido, ao menos desde 2008 a Volkswagen vinha trabalhando em motores movidos tanto a gasolina quanto gás natural com injeção direta para ambos os combustíveis, culminando na linha TGI já disponível em alguns países europeus para modelos como o Polo e o Golf, além de similares de outras marcas do grupo como a SEAT também contarem com a opção. Outro caso que merece destaque é o da Opel, que desde a época que ainda era uma divisão da GM já desenvolvia soluções voltadas ao gás natural, contemplando ainda o biogás/biometano que é bastante difundido na Alemanha, e hoje recorre à injeção direta para usar o gás natural no motor GM SGE de 1.4L dotado de turbocompressor na atual geração do Opel Astra (K), recorrendo a um tanque de gasolina menor que o das versões normais apenas para emergências ou até chegar a um posto com o gás natural ou biogás/biometano. Vale lembrar que o mesmo motor usado no Astra a gás europeu também equipa a atual geração do Chevrolet Cruze comercializado no Brasil, embora para os brasileiros ainda reste apenas fazer gambiarra ao invés de contar com uma solução efetiva e mais de acordo com os interesses e necessidades dos usuários.

Recorrer a um combustível líquido para ser usado junto ao gás natural é mais frequente quando se trata da adaptação em veículos com motor Diesel, sendo no entanto vista por alguns potenciais usuários como uma deficiência por não substituir completamente o combustível original do veículo. Mas apesar desse eventual empecilho, ainda pode firmar-se como uma boa opção para reduzir a atual dependência pelo óleo diesel convencional (ou substitutivos como o biodiesel) em serviços como a coleta de lixo e nos caminhões limpa-fossa, com vistas à possibilidade de usar o biogás/biometano a ser extraído de resíduos orgânicos, bem como o abastecimento dos veículos nas estações de transbordo das cargas caso sejam integradas a usinas de biogás/biometano. Mas quando se trata de veículos leves com motor de ignição por faísca, para os quais o consumidor brasileiro já foi condicionado a encarar o gás natural não como complemento mas efetivamente como substitutivo tanto por motivações ecológicas quanto financeiras, é bastante lógico que ocorra uma rejeição a essa gambiarra por parte de um público mais generalista que eventualmente já tenha desconfianças quanto à segurança das instalações de gás natural não-homologadas pelos fabricantes dos veículos.

Considerando que em outros momentos no Brasil mesmo tanto Volkswagen quanto GM/Chevrolet já chegaram a oferecer veículos homologados para conversão a gás natural e os entregavam aos clientes já com o sistema de combustível alternativo instalado por convertedoras credenciadas mantendo a garantia do veículo, além do caso da Fiat com versões Tetrafuel (gasolina alcoolizada brasileira, gasolina pura de especificação estrangeira, etanol e gás natural) do Siena e posteriormente do Grand Siena que fizeram sucesso principalmente com taxistas e frotas de empresas como a Sulgás, chega a ser surpreendente que hoje não se veja mais nenhuma iniciativa nesse sentido mesmo durante o atual momento de transição na linha de motores de ignição por faísca dos principais fabricantes instalados no país rumo à injeção direta e a uma presença mais massificada do turbocompressor. Mesmo que alguns motores medíocres que escancararam as deficiências dos automóveis "flex" movidos a etanol e gasolina ainda sejam efetivamente mais fáceis de se converter ao gás natural podendo desativar os bicos injetores originais ao utilizar o combustível alternativo, e até mesmo alguns modelos lançados recentemente como o Volkswagen Virtus mantenham ao menos um como alternativa para quem ainda prefira não aderir à injeção direta pelas mais variadas razões, chega a ser um tanto surpreendente de se observar o aparente desinteresse em trazer ao Brasil a tecnologia mais apropriada para o uso do gás natural integrado à injeção direta. Relembrando previsões de 15 anos atrás quando especulava-se que a Volkswagen pudesse eliminar os motores de aspiração natural em toda a linha a nível mundial, bem como as vantagens da injeção direta em dispensar um enriquecimento de mistura ar/combustível para evitar a pré-ignição e e viabilizar o uso de combustíveis com diferentes resistências à detonação sem a necessidade de alterar a taxa de compressão num mesmo motor, dá a impressão de que a empresa estaria deixando passar uma oportunidade para dar um passo mais firme nessa direção sem deixar de lado alguns consumidores fiéis à marca mas que não abrem mão do gás natural.

A bem da verdade, é até mais fácil associar a injeção direta ao gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha") sem alterações nos bicos injetores originais, tendo em vista que pode ser injetado ainda na fase líquida como ocorre com a gasolina e o etanol, embora o uso desse combustível hoje não seja permitido para fins automotivos no Brasil. No entanto, além da viabilidade técnica para a injeção direta ser efetivamente associada ao gás natural, perspectivas para integrar o biogás/biometano a projetos de saneamento básico ainda constituem uma alternativa para promover a estabilização biológica e oferecer um combustível que pode ter a produção mais regionalizada em comparação ao etanol. Portanto, além de uma maior economia de combustível sem comprometer o desempenho, a injeção direta é importante para demonstrar a viabilidade de um biocombustível ainda negligenciado no mercado brasileiro que pode livrar o país da dependência pelo gás natural importado da Bolívia.

7 comentários:

  1. Para quem esteja mesmo disposto a usar o gás regularmente, ou que precise por usar o carro a trabalho, faz mesmo a diferença se começar a ser vendido no Brasil carro com a injeção direta já preparado para o gás. Mas no RJ tem muito rico que compra carrão e instala o kit mais miserável com o cilindro de 8 m3 só para pegar o desconto do IPVA mas nem usa regularmente o gás, então a gambiarra meio que até se justifica.

    ResponderExcluir
  2. Injeção direta está longe de ser tão boa quanto as fábricas tentam fazer parecer só para desovar mais caro, e eu discordo que motores de injeção multiponto normal sejam rotulados de medíocre só por causa do tipo de injeção. E se for para usar gás mesmo, é até melhor um motor mais simples. Pensa no caso da Toyota que foi na contra-mão do downsizing e lançou um motor 1.5 novo para o Yaris mantendo a injeção normal e alcança uma eficiência térmica maior que muitos de injeção direta.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Nem é só pela injeção, afinal por muito tempo quando os estrangeiros já tinham acesso a motores com comando de válvulas variável os similares brasileiros não contavam com essa opção.

      Excluir
  3. Un vecino mio tenia un Cruze del modelo pasado, y lo ha cambiado por un Cobalt en vez de un Cruze de los nuevos precisamente por eso, teniendo en cuenta que iba a ser más sencillo ponerle gas.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ahora lo sabes Mica, por eso no he comprado otro Cruze. Aún que el motor estea listo para el equipo de gas de 6ta generación como se ha probado en el Astra, me quedo con lo que se puede alcanzar así de pronto en vez de arriesgarme. Ojala que Chevrolet empieze a armar al menos una versión del Cruze con el equipo para gas, pero que no lo quiten espacio al deposito de nafta para hacerlo.

      Excluir
  4. Teniendo en cuenta que China usa muchos autos a gas, me sorprende que no hayan intentado hacer la conversión con base a motores de inyección directa. Quizás las terminales automotrices extranjeras no quieren arriesgar compartir esa tecnología con los chinos...

    ResponderExcluir

Seja bem-vindo e entre na conversa. Por favor, comente apenas em português, espanhol ou inglês.

Welcome, and get into the talk. Please, comment only either in Portuguese, Spanish or English.


- - LEIA ANTES DE COMENTAR / READ BEFORE COMMENT - -

Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html