quarta-feira, 23 de abril de 2025

Blower/supercharger: antes favorecido em motores de ignição por faísca, mas incomum em motores Diesel 4-tempos

Quando se fala em aplicações de compressores volumétricos acionados pelo próprio motor em veículos, uma das lembranças era o favoritismo que a Mercedes-Benz demonstrava anteriormente por tal solução em veículos com motor a gasolina, mesmo quando para a linha Diesel já estava consolidado o turbo, e a princípio inexistia qualquer impedimento para o dispositivo também conhecido como supercharger ou blower eventualmente ser usado tanto como única provisão de indução forçada quanto em associação ao turbocompressor. A bem da verdade, o supercharger é essencial nos motores Diesel 2-tempos por serem incapazes de gerar pressão de admissão simplesmente pela movimentação dos pistões, exceto os poucos que ainda eram na prática uma evolução dos "semi-Diesel" com ignição por incandescência que tinham o uso mais restrito basicamente a maquinário agrícola, mas nos Diesel 4-tempos como predomina hoje em aplicações veiculares é uma absoluta raridade. A comparação entre os métodos de indução forçada é bem exemplificada pela geração W203 do Mercedes-Benz Classe C, que teve o ciclo de produção entre os anos de 1999 a 2007 sem contar uma gambiarra feita entre 2008 e 2010 no Brasil, tendo em vista que foi a última geração a ter somente o supercharger como opção para quem quisesse indução forçada nos motores com 4 ou 6 cilindros a gasolina e a primeira a abolir os motores Diesel de aspiração natural em favor dos turbodiesel, enquanto a geração posterior começava a gradual transicão do supercharger para o turbo também em motores a gasolina com a intenção de aprimorar a eficiência energética.

Enquanto o supercharger, frequentemente referido como blower principalmente nos Estados Unidos e historicamente recebendo a denominação comercial Kompressor pela Mercedes-Benz, era acoplado ao virabrequim para ser acionado diretamente pelo motor, na maioria das aplicações automotivas modernas através de uma correia e portanto gerando arrasto como qualquer acessório, um turbocompressor sendo acionado somente pelo fluxo dos gases de escape exerce na prática a função de recuperar uma parte da energia que de outra forma seria desperdiçada, o que naturalmente resulta numa maior eficiência geral e já fica de acordo com a proposta da economia de combustível como principal motivação de muitos que optam por motores Diesel. Naturalmente, como as faixas de rotação dos motores Diesel em operação normal são historicamente quase sempre muito menores em comparação ao observado nos motores de ignição por faísca, até a possibilidade de usar um turbocompressor de dimensões menores que já seria suprido com um volume adequado de gases de escapamento a um intervalo mais reduzido após a partida minimizava o incômodo turbo-lag antes que as injeções eletrônicas e ignições mapeadas oferecessem alguma provisão para pressurizar mais rapidamente a turbina, além de muitos motores Diesel às vezes dispensarem a válvula de prioridade que é imprescindível como medida de segurança ao usar um turbo de geometria fixa em motores de ignição por faísca. Além de algumas evoluções na própria concepção do turbocompressor terem mitigado o turbo-lag, com destaque para os turbos de geometria variável e os twin-scroll ou bipulsativos que superam mais rapidamente a inércia ao direcionar com mais eficiência o fluxo dos gases de escape para a turbina, o fato de motores Diesel dependerem basicamente do volume e pressão da carga de ar de admissão que é aquecida durante a compressão para que o combustível ao ser injetado sofra uma ignição espontânea faz com que a maior pressão fornecida pelo turbocompressor proporcione uma combustão mais eficiente.

Pela pressão do supercharger ser diretamente proporcional à rotação do virabrequim, seria necessário ter algum artifício para alterar a relação das rotações do virabrequim e do compressor como chegou a ter o uso mais restrito a alguns motores radiais de aviação na II Guerra Mundial que para proporcionar algum grau de compensação da menor pressão atmosférica em altitude recorriam a diferentes relações na seção de engrenagens que acoplavam o compressor ao virabrequim a serem selecionados pelo piloto como se troca as marchas em um câmbio manual, ao contrário do turbo que por ter um eixo próprio já apresenta uma maior variação da rotação apenas em função da pressão atmosférica e densidade do ar ambiente. É evidente que os grandes motores radiais usados nos aviões antigos operavam a faixas de rotação mais baixas até que as de muitos motores turbodiesel de alta rotação que equipam automóveis e utilitários modernos, e também em função da II Guerra Mundial o turbocompressor chegou a ser aplicado junto ao supercharger exatamente para proporcionar uma compensação mais efetiva dos efeitos da altitude em alguns motores de aviões americanos, embora nesse caso a principal prioridade tenha sido preservar o desempenho. Enfim, mesmo que o acionamento direto do supercharger através do próprio motor pareça vantajoso à primeira vista, e a Mercedes-Benz ainda o tivesse favorecido até 2011 por uma importância histórica que já teve no automobilismo, o maior destaque obtido inicialmente pelo turbo ter sido em motores Diesel ocorreu por historicamente apresentarem maior sensibilidade aos efeitos da altitude, que o supercharger era incapaz de compensar com a mesma efetividade.

terça-feira, 15 de abril de 2025

Gás natural: pode atender bem a algumas condições operacionais, mas longe de ser um substituto adequado a todas as circunstâncias para o óleo diesel convencional

Após experiências com o etanol tanto no Brasil quanto na Suécia, a Scania parece ter ficado convencida a priorizar o gás natural como eventual substitutivo para o óleo diesel convencional, já podendo até ser vistos caminhões Scania movidos a gás natural pelas estradas brasileiras com relativa facilidade. Porém, vale destacar que essa aposta no gás natural nunca foi encarada como pretexto para ignorar uma aptidão superior dos motores Diesel em algumas aplicações mais específicas, entre as quais viaturas militares e de serviços de emergência para os quais o peso e volume dos reservatórios de gás natural a bordo é um empecilho e uma dificuldade para acessar suprimentos do combustível com a rapidez necessária possa impossibilitar a implementação, lembrando que a Scania também oferece motores compatíveis até com o biodiesel puro (B100) além do óleo diesel convencional e portanto uma transição para combustíveis alternativos permanece tecnicamente viável. Naturalmente, alguns operadores podem ser favoráveis ao gás natural por diferentes fatores, indo desde metas de redução ou neutralização de emissões alinhadas à pauta ESG até um acesso mais fácil ao gás em rotas regionais com itinerários fixos, passando também por considerações quanto à maior simplicidade dos sistemas de pós-tratamento de gases de escape para os motores de ignição por faísca aptos ao uso do gás natural ou do biogás/biometano.

A mais substancial diferença de um motor a gás natural em um caminhão é recorrer ao ciclo Otto, como em veículos leves a gasolina ou os flex também aptos a operar com etanol, embora predomine o uso do gás natural sem provisões para um eventual uso emergencial de gasolina ou etanol, e portanto as rotas a serem atendidas com um caminhão a gás devem ser muito bem planejadas para assegurar o suprimento do combustível, em contraste com os caminhões mais convencionais movidos a óleo diesel que contam tanto com a maior facilidade do manejo de um combustível líquido quanto uma maior disponibilidade nos postos de abastecimento mesmo mais distante dos principais eixos rodoviários. Naturalmente seria rechaçado o uso da gasolina tanto devido à menor densidade energética em comparação ao óleo diesel quanto pela principal motivação para a implementação do gás natural em caminhões ter a ver com uma alegada "sustentabilidade", nesse caso favorecendo especialmente o biogás/biometano que pode ser obtido em aterros sanitários ou em estações de tratamento de efluentes, e até alguns resíduos gerados na atividade agropecuária podem ser úteis como matéria-prima para uma produção integrada de fertilizante agrícola orgânico e gás combustível. Já com relação ao etanol, outro fator a considerar é o gás natural apresentar menos intercorrências para a partida a frio por já ser injetado na fase de vapor, além de ter uma resistência ainda melhor à pré-ignição mesmo com uma mistura ar/combustível mais pobre como é mais comum nos motores Diesel e portanto fomenta uma aceitação mais fácil junto a alguns operadores.

Convém lembrar também que o gás natural ainda é frequentemente usado na síntese de uréia industrial, que pelo grau elevado de pureza é usada na formulação do fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32 aplicado pelo sistema SCR para controle das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) em praticamente todos os motores turbodiesel modernos, de modo que para alguns operadores que possam conciliar uma instalação mais pesada e volumosa do sistema de combustível o uso direto do gás natural pode até fazer mais sentido simplesmente por evitar o gasto de energia para a produção de outro insumo. O controle de emissões de NOx em motores de ignição por faísca estando mais frequentemente associado a métodos como a recirculação de gases de escape (EGR) para reduzir a concentração total de oxigênio na carga de admissão, tal qual ocorreria com uma mistura ar/combustível mais rica, também já chegou a ter alguma aplicação em motores turbodiesel entre as vigências das normas Euro-4 e Euro-5, mas perdeu espaço em motores para veículos pesados a partir da Euro-6 tanto pelo maior impacto sobre a eficiência geral quanto por causar uma saturação mais rápida do filtro de material particulado (DPF), e mesmo que em motores leves do ciclo Otto uma maior massificação da injeção direta ao longo da última década tenha levado à necessidade de também incorporar filtros de material particulado esses tendem a ser ausentes em motores movidos exclusivamente a gás natural. E como motores do ciclo Otto ainda costumam ter taxas de compressão mais conservadoras mesmo ao usar somente o gás natural, e com esse combustível ainda predomine a injeção sequencial no coletor de admissão em vez da injeção direta, uma vaporização sempre mais completa em comparação tanto ao óleo diesel e outros combustíveis pesados que possam ser usados como substitutivos quanto a combustíveis líquidos voláteis como a gasolina e o etanol cuja vaporização tende a ser mais difícil em associação à injeção direta faz com que alguns operadores sejam facilmente convencidos a incorporar o gás natural, e o biogás/biometano caso as condições operacionais proporcionem fácil acesso a esse combustível para atender a metas de neutralização de emissões.

É natural que diferentes condições operacionais possam ser desafiadoras, e historicamente os motores Diesel tenham sido os que melhor demonstraram aptidões para atender às mais variadas necessidades do transporte pesado e também em serviços especializados, de modo que tentar apresentar exclusivamente uma opção como substitutivo possa se revelar insuficiente na prática, e assim uma aplicabilidade do gás natural ou do biogás/biometano facilmente integrável a rotas regionais com itinerários rígidos esteja distante de atender às condições um tanto imprevisíveis para as quais uma viatura de bombeiros precise estar de prontidão. Deixar-se levar por uma histeria travestida de preocupação com o meio-ambiente, e abrir mão de opções mais eficientes para conciliar uma almejada "sustentabilidade" com a capacidade operacional em condições extremas, pode resultar em problemas que seriam facilmente evitáveis usando o bom senso, e para os quais qualquer falsa solução que seja apresentada alcance um custo incalculável. Enfim, por mais que alguma lógica possa dar a entender que o gás natural seja um combustível próximo da perfeição no tocante a aspectos como uma combustão eficiente e uma facilidade no pós-tratamento dos gases de escape, e haja viabilidade técnica para usar também o biogás/biometano e agregar valor a subprodutos da atividade agropecuária, de fato o gás natural pode atender bem a algumas condições operacionais, mas está longe de ser efetivo para substituir totalmente o óleo diesel convencional.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Iveco Daily da Pepsico e a capacidade de carga: uma conta que não fecha?

É natural que o peso de algum implemento seja descontado da capacidade de carga nominal em algum veículo utilitário para a lotação total ser definida, ainda de acordo com o peso bruto total do veículo original, e em alguns casos até pode ficar menor que o mínimo de uma tonelada que ainda serve como parâmetro para um modelo de tração simples e acomodação para menos de 9 passageiros além do motorista poder usar um motor Diesel no Brasil. No caso de um Iveco Daily da atual geração, considerando o peso de uma versão chassi-e-cabine original em torno de duas toneladas a capacidade de carga nominal fica ao redor de uma tonelada e meia em versões que ainda podem ser conduzidas com a carteira de habilitação da categoria B, e portanto já seria descontado o peso da carroceria a ser instalada. Mas chega a ser curioso um exemplar com carroceria tipo baú ficar com só 250kg de lotação máxima para permanecer enquadrado no limite de PBT da CNH categoria B, de modo que o implemento fique demasiado pesado mesmo com o uso de materiais leves como o alumínio para a estrutura ou painéis de plástico reforçado (geralmente com fibra de vidro) nos acabamentos internos e externos.

Embora algumas cargas possam apresentar diferentes proporções entre peso e volume, com pacotes de salgadinhos da Elma Chips tendo uma densidade muito menor que potes de Toddy por exemplo, eventualmente uma lotação máxima tão pequena possa até passar despercebida, por mais absurdo que possa parecer um baú com capacidade para 6 a 8 pallets pesar vazio quase a capacidade de carga nominal toda do utilitário que seja equipado com esse implemento. Também pode ser o caso de observar como o limite de PBT da CNH categoria B talvez seja mais restritivo que o necessário, e mesmo que um limite como o de 26000 libras ou cerca de 11900kg aplicável nos Estados Unidos para detentores de uma carteira de motorista comum seja praticamente impossível de ser implementado no Brasil convém lembrar o caso da Austrália onde o limite de PBT para 4500kg já pode ser mais aproveitável que os 3500kg em vigor no Brasil e na Europa Ocidental. Enfim, sem entrar no mérito de diferentes configurações e especificações técnicas que vão influir nas capacidades e pesos de um veículo, às vezes algumas contas acabam não fechando, e expondo o quão arcaico é restringir o uso de um tipo de motor ou combustível tão somente com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração de um veículo utilitário.

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Precisamos reconhecer o real valor dos furgões compactos de uso misto

Muito provavelmente pela influência de turistas, principalmente argentinos, que iam veranear nas praias de Florianópolis entre a última metade da década de '90 e pouco depois do ano 2000, furgões compactos como a primeira geração do Citroën Berlingo e Peugeot Partner me chamavam muito a atenção desde o início pela versatilidade, mas também por uma integração estética mais efetiva entre a cabine dianteira e o salão traseiro em comparação a gerações anteriores de utilitários com uma proposta semelhante. Ainda caberia mencionar que o uso de motores Diesel em veículos leves ainda era especialmente comum tanto na Argentina quanto no Uruguai, facilitado pelas normas de emissões menos restritivas daquela época e a maior austeridade que era possível aplicar à concepção dos motores antigos, a ponto de parecerem "de trator" comparados a motores turbodiesel modernos como o DV5 HDi hoje oferecido na 3ª geração de furgões compactos da atual holding Stellantis que administra entre outras marcas a Citroën e a Peugeot. O fator nostalgia certamente pudesse ter algum peso para me fazer preferir um motor mais "arcaico" que requeira menos recursos especializados para fazer a manutenção, embora seja perfeitamente justificável que a evolução técnica capaz de manter uma disputa minimamente equilibrada mesmo à medida que os motores de ignição por faísca passam a incorporar mais maciçamente o turbo e a injeção direta como já tem acontecido com motores Diesel para veículos leves ao longo dos últimos 30 anos.
Tomando como referência a 3ª geração desses furgões, que em versões de passageiros teve a mudança do nome no Peugeot Partner para Rifter, cabem algumas observações acerca de algumas restrições ao uso de motores Diesel em veículos leves, que no Uruguai já faz algum tempo estão mais reservados aos táxis, enquanto no Brasil permanecem vigentes aquelas restrições arbitrárias com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração, embora possam ser naturalmente melhores que muito SUV até mesmo no tocante à trafegabilidade em ambientes mais bravios. Se por um lado possa parecer exagero esperar que um carroapreciado por taxistas e passageiros pelo conforto e bom aproveitamento de espaço para acomodar bagagens no Uruguai possa justificar a escolha do motor DV5 turbodiesel no lugar do EB2 PureTech a gasolina mesmo se eventualmente viesse a ser comercializado no Brasil, o que é improvável também pela cultura automotiva brasileira condicionada a pick-ups e SUVs, por outro vale lembrar que versões 4X4 cuja montagem do sistema de tração é feita de forma terceirizada pela Dangel substituíram alguns jipes derivados dos Land Rovers do Ejército de Tierra na Espanha, e portanto seria de se esperar a capacidade de atender também aos parâmetros usados para definir como "utilitário" no Brasil veículos cuja capacidade de carga abaixo de uma tonelada e acomodação para menos de 9 passageiros além do motorista. Enfim, mesmo subestimados por brasileiros, é compreensível a popularidade desses furgões compactos perdurar na Argentina e no Uruguai...

quarta-feira, 26 de março de 2025

Alteração no teor de etanol adicionado à gasolina no Brasil: ainda mais prejudicial ao turismo regional

Numa daquelas medidas politiqueiras sem nenhum embasamento técnico realista, o aumento na mistura obrigatória de etanol anidro à gasolina no Brasil dos atuais 27% (E27) para 30% (E30) tem sido tratado por uma parte chapa-branca da mídia como uma medida que possa ser benéfica, sob uma falsa alegação de "sustentabilidade" pelo etanol ter as emissões de dióxido de carbono (CO²) totalmente neutralizadas durante o crescimento dos cultivares usados na produção desse biocombustível, e também a expectativa por uma redução do preço por litro da gasolina no varejo. Pelo visto, os defensores dessa infeliz medida esquecem que o etanol também acaba sendo cotado em dólar por ser uma commodity, tal qual o açúcar que também é produzido majoritariamente a partir da cana-de-açúcar no caso do Brasil e o milho que é o principal insumo para a produção de etanol nos Estados Unidos mas já usado na produção de etanol no Brasil com destaque para Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e em menor proporção no Paraná e até em São Paulo e Alagoas. Instituições outrora respeitadas como o Instituto Mauá de Tecnologia até anunciaram resultados de testes preliminares com os quais endossam esse incremento na proporção do etanol na gasolina brasileira, o que é questionável tanto pela metodologia confusa quanto pela falta de um maior rigor quanto a efeitos potencialmente nocivos a longo prazo em motores sem preparação para suportar teores de etanol muito além de 5 a 15% que costumam ser mais comuns em outros países.

No caso específico do Brasil, onde a discrepância no conteúdo de etanol na gasolina tem historicamente sido controverso também pelas dificuldades em adaptar carros importados às condições locais, apesar da ascensão da injeção eletrônica ao longo das últimas 3 décadas e que já alcançou até as motocicletas dar a entender que uma capacidade de correção em tempo real da mistura ar/combustível e do avanço da ignição de acordo com a velocidade de propagação de chama de diferentes especificações da gasolina, e causado temor a alguns turistas estrangeiros que viajam rumo ao Brasil com veículos próprios. Além do mais, em testes de homologação que costumam ser conduzidos pela Cetesb para aprovação de veículos novos à venda no Brasil e homologação do consumo de combustível junto ao Inmetro, ainda é utilizada gasolina com somente 22% de etanol (E22) já impossível de encontrar nos postos brasileiros há mais de 20 anos, e portanto sem condizer com a realidade tendo em vista que até a gasolina Podium disponível só em alguns postos de bandeira BR/Petrobras foi a única a permanecer com o também demasiadamente elevado teor de 25% de etanol (E25) e preços estratosféricos. Convém recordar que o etanol tem menor poder calorífico (quantidade de energia por litro) que a gasolina, de modo que um aumento na mistura à gasolina vai naturalmente resultar em aumento do consumo de combustível, e portanto a previsão de um preço menor passe longe de proporcionar uma redução efetiva em despesas com o combustível durante um mesmo trajeto para o qual a gasolina brasileira ainda com 27% de etanol já é problemática.

Sendo também comum a presença de turistas estrangeiros no Brasil, principalmente durante o verão, já é frequente alguns veículos de residentes no exterior apresentarem inconsistências no desempenho em função dos ajustes a serem feitos pela injeção e ignição eletrônicas em motores a gasolina no intuito de proteger o motor contra maiores danos na falta de mapeamentos de injeção e ignição que permitam ao motor reconhecer especificamente alterações no teor de etanol, mesmo que as tecnologias mais recentes da injeção eletrônica com sensores de oxigênio (sonda Lambda) tanto sequencial no coletor de admissão como a injeção direta hoje muito usada em motores turbo a exemplo do Ecoboost da Ford F-150 Raptor seja basicamente a mesma que viabilizou os carros flex hoje à venda principalmente no Brasil. Valendo lembrar que o teor excessivo de etanol adicionado à gasolina brasileira fomenta um descrédito e até uma antipatia ao uso direto do etanol hidratado puro como combustível nos veículos flex, mesmo na safra da cana que é quando o preço por litro do etanol no varejo fica mais convidativo também nas regiões onde falta uma produção mais expressiva desse biocombustível, além da principal temporada turística durante o verão com uma presença mais significativa de turistas estrangeiros rumo ao litoral brasileiro coincidir com a safra da cana que vai de novembro a março, seria até mais lógico que o teor de etanol na gasolina fosse menor, e uma maior parte da produção do etanol direcionada ao hidratado para uso direto nos flex, o que seria vantajoso para todos e poderia ser um primeiro passo para recuperar uma credibilidade que o etanol perdeu a partir da safra '89-'90 quando houve um maior direcionamento da cana para a produção do açúcar devido às cotações mais favoráveis para exportação.

Enquanto motores a gasolina e por extensão os flex vinham sendo apontados como mais simples que os turbodiesel modernos, sobretudo pela maior simplicidade nos sistemas de pós-tratamento dos gases de escape que também podem apresentar incompatibilidades com altos teores de enxofre na gasolina e no óleo diesel convencional, e até especificamente com o biodiesel no caso de motores Diesel com filtro de material particulado (DPF) e o EGR que causaram muitos problemas para alguns brasileiros que foram com veículos modernos de motor Diesel em países vizinhos com uma regulamentação mais leniente de emissões, o Brasil desgovernado corre o risco de ter escancarada a condição de republiqueta de bananas com o teor de etanol de 30% sendo implementado na gasolina. Alguns medíocres que se acomodaram diante da ascensão dos carros flex no Brasil, lembrando que permanecem as restrições ao uso de motor Diesel em veículos leves e até o gás natural está mais difícil de integrar a alguns motores flex modernos por causa da ascensão da injeção direta em meio ao downsizing, e mesmo o Brasil ainda sendo o maior produtor de automóveis e utilitários leves na América do Sul a "diplomacia do etanol" já foi provada um fracasso em outras ocasiões. Enfim, além de ser problemática para quem opta por um carro importado, e em proporção ainda para quem por estrita necessidade usa um carro "velho" sem ser flex ou uma moto, a alteração do teor de etanol à gasolina tem tudo para ser um duro golpe contra o turismo regional.

sexta-feira, 21 de março de 2025

Uma observação sobre o Nissan Patrol Y61 e o downsizing

Com a produção iniciada em '97 no Japão e terminada somente em 2023 na África do Sul, certamente o Nissan Patrol da geração Y61 ainda pode ser creditado como um dos mais importantes veículos 4X4 da história. Pouco conhecido no Brasil, apesar de aparecer frequentemente no litoral brasileiro com turistas estrangeiros no verão, chama a atenção pela linha de motores oferecida em diferentes mercados onde foi comercializado regularmente, priorizando motores de alta cilindrada a gasolina enquanto o downsizing já ganhava relevância no Diesel. Da geração anterior, permaneceu o TB42 a gasolina de 6 cilindros em linha e 4.2L com 12 válvulas e comando no bloco enquanto o RB30 de 3.0L também de 6 cilindros em linha mas com comando de válvulas no cabeçote saía de cena, e inicialmente as opções Diesel foram o RD28 de 6 cilindros em linha e 2.8L com comando de válvulas no cabeçote em uma versão turbo com gerenciamento eletrônico e o TD42 que a grosso modo era praticamente uma versão "misto-quente" do TB42 a gasolina mas apesar do nome TD levar a crer que sempre tivesse turbo também contava com uma versão atmosférica que seguia em regiões onde normas de emissões mais lenientes o permitiam e a simplicidade associada à ausência do turbo era apreciada. Com a consolidação do motor ZD30 de 3.0L e 4 cilindros sempre com turbo e injeção eletrônica e 16 válvuas com comando duplo no cabeçote a partir do ano 2000 com injeção eletrônica por bomba rotativa até passar ao sistema common-rail em 2007 em alguns mercados onde motores turbodiesel predominavam, cabe abordar perspectivas eventualmente divergentes sobre o downsizing.

Por mais bizarro que possa parecer o motor RD28ETi1 que foi usado principalmente na Europa ainda ter usado cabeçote de fluxo simples, enquanto o TD42 e o TD42Ti mesmo sendo "varetados" já tinham cabeçote de fluxo cruzado, a consolidação do turbo numa faixa de cilindrada mais modesta já deixava clara a relevância que o downsizing tinha em algumas regiões onde a incidência de impostos atrelada à cilindrada era especialmente crítica, e possivelmente uma versão atmosférica do motor menor ficasse insuficiente para proporcionar um desempenho aproveitável. Naturalmente, pelos motores Diesel terem a característica de operar com uma maior proporção de ar pelo volume de combustível injetado, o turbo ser mais favorecido em comparação ao que se poderia observar nos motores a gasolina até seria bastante previsível, e tanto o RD28 quanto o TD42 contarem com injeção indireta através de pré-câmaras parecia irrelevante, ao contrário do que se pode considerar quanto a aplicações do turbo em motores de ignição por faísca como o TB42 e o TB45 que passava a 4.5L ou o TB48 que além de crescer para 4.8L recebia comando de válvulas duplo no cabeçote e 24 válvulas para os quais qualquer implementação de indução forçada iria requerer um enriquecimento da mistura ar/combustível numa época que a injeção direta em motores a gasolina era raridade. Já no caso do ZD30, se por um lado a injeção direta pode desfavorecer o uso de óleo diesel com um baixo índice de cetano que é o principal parâmetro usado para mensurar a propagação de chama nas câmaras de combustão em motores Diesel e desencorajar experiências com o uso direto de óleos vegetais brutos como combustível alternativo, por outro podia facilitar as partidas a frio, e a ascensão da injeção direta nos motores turbodiesel leves por volta do ano 2000 costuma ser creditada por melhorias no torque.

Enquanto o enquadramento do motor ZD30 no conceito do downsizing é incontestável em comparação ao TD42 tanto atmosférico quanto turbo, pode ser mais questionável com relação ao RD28 mesmo que a menor quantidade de cilindros nesse caso seja suficiente para proporcionar uma configuração bastante compacta ao ZD30, considerando o aumento de míseros 127cc ou por volta de 4,5% na cilindrada dos 2826cc do RD para os 2953cc do ZD já contrariando a percepção que o downsizing esteja mais atrelado a uma redução da cilindrada em valores absolutos. Naturalmente uma concepção mais moderna levando em consideração o duplo comando de válvulas no cabeçote e especialmente a injeção direta, ainda que o sistema common-rail tenha demorado um pouco a ser consolidado, dá a entender que algumas premissas do downsizing estavam efetivamente presentes no projeto, bem como a menor quantidade de cilindros e a influência que um motor apto a ser instalado em posição mais recuada com relação ao eixo dianteiro influencie na dirigibilidade tanto em trechos pavimentados quanto em terrenos mais bravios nos quais o Nissan Patrol Y61 se destacava, de modo que o aumento na cilindrada do ZD com relação ao RD ainda ser proporcionalmente menor que a diminuição de 1216cc ou aproximadamente 29% com referência aos 4169cc do "arcaico" TD42. Enfim, certamente o Nissan Patrol Y61 proporciona condições equilibradas para analisar diferentes perspectivas sobre o downsizing, considerando tanto uma concepção compacta do motor ZD30 perante o RD28 quanto uma diminuição da cilindrada em valores absolutos diante do TD42, ainda que possam haver interpretações divergentes pelo RD28 ter uma cilindrada menor.

quinta-feira, 13 de março de 2025

Mazda: errou em subestimar possibilidades para o Diesel no mercado americano?

Uma fabricante famosa pela implementação de soluções que às vezes podem parecer pouco ortodoxas, a Mazda gerou uma imensa expectativa nos Estados Unidos quando a 3ª geração do Mazda 6 começou a ser apresentada ainda em 2012 no Salão Internacional do Automóvel de Moscou, e um dos destaques foi o motor SkyActiv-D turbodiesel de 2.2L e 4 cilindros que foi oferecido em algumas regiões como opção aos SkyActiv-G a gasolina entre 2.0L e 2.5L de acordo com as alíquotas de impostos aplicáveis em cada país onde o modelo é ou foi vendido de forma oficial. Sendo a primeira geração do Mazda 6 a deixar de contar com a opção por um motor V6 a gasolina, cabendo a uma versão turbo do SkyActiv-G de 2.5L a função de ser uma opção mais prestigiosa, é impossível deixar de fazer um paralelo com o contexto que fez motores turbodiesel com apenas 4 cilindros serem alçados a tal condição nas caminhonetes médias no Brasil à medida que os V6 a gasolina passavam a ser desfavorecidos, além do mais que já em 2013 a primeira apresentação de uma versão turbodiesel do Mazda 6 de 3ª geração para os Estados Unidos foi com uma participação no campeonato Grand-Am Rolex Sports Car Series, lembrando que naturalmente a questão das normas de emissões aplicáveis a veículos homologados para uso em vias públicas torna-se menos relevante com relação ao uso exclusivo em competições em circuitos fechados ao tráfego geral. A expectativa pela introdução de um motor turbodiesel para o Mazda 6 de especificação americana foi deixada de lado com o cancelamento dos planos em 2014, sob alegação de dificuldades na homologação pelas normas de emissões Tier 2 que estavam em vigor naquela época, embora um SUV da Mazda tenha contado com a opção por esse mesmo motor apenas em 2019 numa versão homologada de acordo com as normas Tier 3 que entraram em vigor em 2017.

Certamente uma desconfiança em torno dos motores Diesel causada pela deflagração do escândalo que ficou conhecido como Dieselgate em 2015, envolvendo procedimentos irregulares na homologação de versões turbodiesel de alguns modelos da Volkswagen e da Audi, também acabaria levando a crer que o mercado americano sofreria com restrições ainda mais críticas à oferta desse tipo de motor em veículos leves, além das próprias regulamentações de emissões nos Estados Unidos historicamente desfavorávels ao Diesel a ponto de terem um desempenho menos vigoroso para um mesmo motor em comparação às versões de especificação européia que acabam sendo oferecidas também em outras regiões. Pela escala de produção e a logística para reposição de peças que se fizesse necessária visando atender à demanda eventualmente reprimida por motores turbodiesel, antes mesmo da Mazda descontinuar o 6 nos Estados Unidos em 2022 a favor de uma linha mais concentrada em SUVs, era até razoável recorrer a uma única opção de motor turbodiesel para oferecer a uma parte do público que ficou muito concentrada nas mãos da Volkswagen/Audi ou da Mercedes-Benz e da BMW, tendo em vista que essa mesma estratégia já era implementada pelas fabricantes premium alemãs considerando tanto o efeito das normas de emissões sobre o desempenho quanto o mercado americano ser livre do uso da cilindrada como parâmetro para as alíquotas de impostos sobre os automóveis. Enfim, mesmo com a expectativa por evitar o uso de alguns dispositivos de controle de emissões como o SCR ao menos durante a vigência das normas EPA Tier 2 tenha sido ofuscada pelo Dieselgate, e a estratégia de recorrer à variação de fase do duplo comando de válvulas para proporcionar efeito análogo ao de um EGR não-refrigerado de baixa pressão também ser pouco aproveitada, a Mazda errou em subestimar oportunidades para o Diesel nos Estados Unidos.

sexta-feira, 7 de março de 2025

Híbridos em série: poderiam eventualmente justificar um uso de turbinas a gás na propulsão automotiva?

Em meio a uma injustificável demonização que vem sendo promovida contra os motores de combustão interna de um modo geral, mas ainda com uma maior intensidade contra o Diesel a ponto de modelos como o Nissan X-Trail ter perdido a opção pelos motores turbodiesel na 4ª geração enquanto a opção híbrida tem um sistema de propulsão mais semelhante ao de algumas locomotivas e navios valendo-se do motor de combustão interna somente para acionar um gerador a bordo enquanto motores elétricos tracionam as rodas, o regime de operação em rotação constante mais característico de equipamentos estacionários e que também é observado em motores aeronáuticos fomenta questionamentos quanto a uma possibilidade de recorrer a turbinas a gás para o acionamento do gerador. Experiências anteriores com o uso de turbinas a gás para tração direta já chegaram a ser testados, tanto em protótipos voltados a um uso mais normal quanto em competições esportivas, embora tenha sido demonstrada uma inaptidão aos regimes de rotação mais intermitentes que os motores convencionais tanto de ignição por faísca quanto Diesel podem operar com mais desenvoltura. Naturalmente algumas condições mais específicas das turbinas a gás podem dificultar a implementação, principalmente o gerenciamento térmico tendo em vista as temperaturas dos gases de escape costumeiramente mais extremas efetivamente inviabilizando o recurso à recirculação de gases de escape através de um sistema EGR para diminuir a formação dos óxidos de nitrogênio (NOx), e também a integração com outros sistemas embarcados substancialmente diferentes entre um automóvel e uma aeronave ou até um tanque de guerra.
Embora uma turbina a gás, apesar do nome sugerir que funcionasse só com combustíveis gasosos, opere com qualquer combustível que possa ser vaporizado abrangendo desde gasolina e etanol até óleo diesel e substitutivos tão diversos quanto o biodiesel ou óleos vegetais, passando obviamente pelo querosene de aviação que também acaba sendo muito utilizado em veículos e equipamentos militares com motor Diesel para simplificação da logística em campos de batalha, o gerenciamento térmico e implementação de métodos para controle de emissões tendem a ficar demasiado complexos no espaço mais restrito que um automóvel vá disponibilizar comparado a um avião ou um grande navio. Proporcionalmente, ficaria mais adequado a aplicações de porte maior que o de um carro ou SUV de proposta generalista, mesmo considerando eventualmente até um uso de ar sangrado do compressor para um sistema de climatização por ciclo de ar como o de grandes aviões comerciais em vez do sistema de ar condicionado por ciclo de vapor normalmente usado em automóveis. Enfim, mesmo que uma aparente simplicidade atribuída às turbinas a gás pudesse as favorecer também no tocante à manutenção devido a uma menor quantidade de peças móveis, especialmente se fossem usados compressores centrífugos por serem mais simples e terem semelhança com o que se vê nos turbocompressores já massificados tanto em motores do ciclo Otto, especificidades de cada tipo de motor podem fazer com que uma percebida vantagem do menor peso e volume de turbinas a gás poderia ser anulado por uma parafernália de controle de emissões ainda mais complexa que a já observada em automóveis e utilitários.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Toyota Innova de 2a geração: teria feito sentido no Brasil?

Um modelo desenvolvido especificamente de acordo com as necessidades e preferências do sudeste asiático, a Toyota Innova desde o início em 2004 até a 2a geração lançada em 2015 acompanhava sempre o ciclo evolutivo da Toyota Hilux, com a qual compartilha um mesmo projeto básico. As regulamentações referentes à incidência de impostos baseada tanto na cilindrada quanto na tração para os veículos novos na Indonésia, justificando a oferta da Toyota Innova exclusivamente com tração simples em contraste com a presença da Hilux no Brasil mais consolidada ao redor das versões 4X4, podem fazer parecer difícil justificar um modelo como a Innova diante das restrições ao uso de motores Diesel com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração que permanecem em vigor no mercado brasileiro. No entanto, a concepção mais tradicional entre caminhonetes, ainda com o chassi separado da carroceria e motor dianteiro longitudinal com tração traseira, já facilita cumprir o requisito da capacidade de carga nominal de ao menos uma tonelada para um veículo de tração simples e menos de 10 assentos incluindo o do motorista ser apto ao uso de motores Diesel no Brasil.

O melhor aproveitamento de espaço diante de um SUV com configuração semelhante é uma vantagem aos olhos de qualquer pai de família asiático tradicional, embora também viesse a calhar no Brasil onde as minivans já viveram dias mais gloriosos antes da moda de SUV, e com certeza uma parte do público que por falta de mais opções tem se rendido a SUVs de tração dianteira cujas capacidades de carga e passageiros os descredenciam ao uso de motores Diesel poderia ficar satisfeita com a austeridade da Toyota Innova de 2a geração. Vale destacar que, apesar de ter sido lançado em 2022 o pretenso substituto para a 2a geração da Toyota Innova, e com a substituição da tração traseira pela tração dianteira sob o falso pretexto de facilitar a implementação de um conjunto motriz híbrido, a aparentemente "obsoleta" 2a geração permaneceu em linha exatamente em função da percepção de maior robustez e aptidão a usos mais severos como tracionar reboques e a disponibilidade dos motores turbodiesel também usados na Toyota Hilux. Enfim, talvez por motivos diferentes dos que levaram ao surgimento do modelo visando atender à Indonésia, e mais complexos que a anterior presença na Argentina de onde às vezes aparecem exemplares com turistas em viagem pelo Brasil, a Toyota Innova de 2a geração poderia ser bem recebida por unir robustez e aptidão ao uso de motores Diesel no Brasil mesmo com tração simples.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Caso para reflexão: Fiat Strada e a ascensão do downsizing junto à ignição por faísca como um falso pretexto para ignorar eventuais preferências pelo Diesel

Um modelo que certamente é emblemático quando são abordadas as evoluções das décadas recentes no tocante aos motores Diesel leves, a Fiat Strada da primeira geração produzida entre '98 e 2020 chegou a contar com tal opção para atender a mercados de exportação, desde o 1.9 que ainda dispunha de injeção indireta e aspiração atmosférica e o 1.7 turbodiesel com injeção indireta até os 1.3 e 1.9 turbodiesel que já contavam com injeção direta common-rail gerenciada eletronicamente. No caso do Brasil, em função de regulamentações extremamente restritivas que impediram a venda de versões Diesel tão somente por conta das capacidades de carga e passageiros e da tração simples, prevaleceu a ignição por faísca, tanto em versões só a gasolina e apenas uma rara versão do antigo motor 1.5 Fiasa só a álcool que acabariam dando lugar às versões flex já a partir de 2004, enquanto para exportação a oferta de motores a gasolina variava de acordo com as regiões onde o modelo foi oferecido. No caso da Europa, onde se observava a clara preferência pelo Diesel no mercado de veículos utilitários, a única opção a gasolina costumava ser o menor motor disponível na linha, situação que de certa forma reforçava uma posição de "prestígio" do turbodiesel que estivesse disponível em simultâneo, embora em países como a Argentina ou o Paraguai nunca tenha sido nenhum problema o motor 1.3 Multijet turbodiesel ter cilindrada menor que o e.Torq 1.8 a gasolina quando ambos eram oferecidos em configurações de exportação para a versão Adventure.
Se na geração anterior prevalecia a aspiração atmosférica nos motores de ignição por faísca, enquanto o turbo e a injeção direta ficaram claramente consolidados entre adeptos dos motores Diesel, atualmente a disseminação do downsizing que fez um motor 1.8 como o antigo e.Torq perder espaço para uma versão 1.0 turbo flex do GSE/Firefly introduzida em 2023 para o ano-modelo 2024 pode ser equivocadamente apontada como um pretexto para ignorar eventuais preferências de uma parte até bastante conservadora do público por um turbodiesel, que o 1.3 Multijet ainda poderia atender confortavelmente caso estivesse ainda em produção. Naturalmente um comodismo em torno da aparente simplicidade que hoje tem sido atribuída com maior frequência à ignição por faísca, somada à maior facilidade para partida a frio com o álcool/etanol tanto no Firefly 1.3 atmosférico em função de um pré-aquecimento do combustível nas versões flex à venda no Brasil quanto no 1.0 turbo flex por conta da injeção direta, até poderiam levar a crer que uma disponibilidade do motor turbodiesel ficasse redundante, e também o uso do sistema SCR para controle dos óxidos de nitrogênio (NOx) que tem sido inevitável nos motores turbodiesel diante do recrudescimento das normas de emissões acabaria sendo outro aspecto difícil para uma parte do público assimilar tão facilmente. Tendo em vista ainda haver operadores profissionais, para os quais ainda possa haver o apelo de padronizar um único combustível em veículos de diferentes categorias ou maquinário especializado mesmo necessitando do fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32 para o sistema SCR funcionar satisfatoriamente, o motor 1.0 turbo flex ter um pouco mais de potência e um torque próximo ao da última especificação do 1.3 Multijet passa longe de ser um motivo totalmente coerente para tratar o downsizing associado à ignição por faísca como única opção viável, além do mais que a injeção direta em motores de ignição por faísca mais recentes vem sendo apontada como empecilho para um eventual sucesso de conversões para o gás natural que já é frequentemente tratado como alternativa para reduzir uma dependência pelo óleo diesel convencional e também pelo biodiesel em utilitários pesados como caminhões e ônibus.
Em diferentes momentos históricos, a aparente "desvantagem" dos motores Diesel no tocante à potência e torque específicos (proporcionalmente à cilindrada) era solenemente ignorada por aqueles operadores com um perfil mais tradicional, mais apegados à economia de combustível esperada dos motores Diesel na comparação aos concorrentes de ignição por faísca, e portanto a maior aceitação do downsizing entre os motores de ignição por faísca na atualidade acaba basicamente replicando aquele contexto quando os motores Diesel atmosféricos terem cilindrada maior que os de ignição por faísca também atmosféricos e em faixas de potência ou torque o mais diretamente comparáveis possível era absolutamente normal. As diferentes regulamentações quanto à incidência de impostos atrelada à cilindrada talvez desfavoreçam o Diesel até mais que a percepção de inconvenientes práticos como a necessidade de repor o AdBlue para o SCR funcionar, ou ainda o maior custo inicial que ainda tende a ser mais frequente nos veículos leves onde o uso em veículos sem distinção por capacidades de carga e passageiros ou tração é permitido, e a obsessão de uma parte dos gestores dos principais fabricantes de veículos pelos sistemas híbridos como a própria Fiat já oferece em outros modelos equipados com o mesmo motor Firefly 1.0 turbo flex usado na Strada. Enfim, apesar de circunstâncias mais políticas que estritamente técnicas darem mais destaque ao downsizing associado à ignição por faísca, permanece incoerente tratar como pretexto válido para a eventual preferência de uma parte do público pelo Diesel passar a ser solenemente ignorada.