segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Salientando algumas peculiaridades que podem dificultar a conversão de uma motocicleta

Atendendo a sugestão da leitora Maria Allyce Manhaes, que manifestou o desejo de converter para Diesel uma motocicleta Honda CBR 450SR (imagens meramente ilustrativas), convém levantar alguns tópicos que podem vir a ser relevantes para orientar um projeto semelhante. Vale salientar que, num país onde até carros com motor Diesel ainda são rodeados de algum tabu depois de quase 4 décadas alijados do mercado nacional, às vezes quem demonstra interesse em converter uma moto para o Diesel é tratado como louco de hospício...
Converter um motor originalmente de ignição por faísca e 4-tempos (ciclo Otto) para o Diesel não é de todo impossível, como já foi provado em tantos motores automotivos que contam com uma grande intercambialidade de peças em versões movidas pelos mais diferentes combustíveis e operando em diferentes ciclos termodinâmicos, mas nunca foi uma prática muito comum nos motores motociclísticos apesar de uma possibilidade de amortizar o custo de desenvolvimento ao oferecer versões Diesel para outras aplicações diversas não apenas em motocicletas, triciclos, quadriciclos e assemelhados mas também em uma infinidade de equipamentos especiais onde um motor de peso contido e tamanho compacto fossem desejáveis. Encontrar um cabeçote de motor Diesel que possa ser adaptado ao bloco original do motor de uma Honda CBR 450SR visando a montagem de um motor "misto-quente" torna-se, portanto, uma missão hercúlea...

Para princípio de conversa, tradicionalmente as motocicletas de fabricantes europeus e asiáticos vem usando motores superquadrados, com o diâmetro dos cilindros maior que o curso dos pistões, e tal fator invariavelmente torna mais difícil a adoção de taxas de compressão mais elevadas embora não a inviabilize. A mesma característica também dá um caráter mais "girador" ao motor, o oposto do que normalmente é associado à imagem do Diesel para a quase-totalidade do público. Naturalmente, outros fatores como o formato dos pistões e do cabeçote também tem sua relevância na definição da taxa de compressão.

Deve-se levar em consideração também o tipo de injeção que viria a ser usado. Hoje predomina a injeção direta em motores Diesel, embora a injeção indireta ainda tenha seus defensores ferrenhos devido ao custo menor e a grande resiliência diante de oscilações na qualidade dos combustíveis. Os cabeçotes são diferentes, incorporando uma pré-câmara nos motores de injeção indireta, onde o combustível é injetado e já inicia-se o processo de combustão, favorecendo também o uso de óleos vegetais brutos como combustível e reduzindo efeitos danosos da combustão incompleta da glicerina como o acúmulo de resíduos polimerizados ao redor dos anéis de segmento nos pistões e contaminação do óleo lubrificante. Já a injeção direta, que apresenta maior eficiência ao operar com óleo diesel convencional e maior facilidade na partida a frio, dispensa a pré-câmara. Eventualmente, seria até possível arriscar o uso dos alojamentos das velas de ignição como porta-injetores ao converter o motor da motocicleta para Diesel com injeção direta...

Outro fator apontado freqüentemente como um empecilho a um projeto semelhante é a robustez do bloco, normalmente maior nos Diesel com o intuito de suportar as pressões internas mais elevadas que apresentam. Pistões, bielas e virabrequim em motores Diesel também costumam ser mais reforçados, e pesados, o que também os leva a apresentar faixas de rotação mais contidas em comparação a concorrentes de ignição por faísca. No entanto, é conveniente lembrarmos de motores como o Cummins N855/N14 popularmente conhecido como "Big Cam" e o Mazda SkyActiv-D, que apresentam taxa de compressão de 14:1, relativamente baixa frente ao que normalmente se espera de um Diesel.

Não se pode desconsiderar, ainda, que em motores de injeção mecânica é muito comum usar um lóbulo extra no comando de válvulas para promover a sincronização da bomba injetora, ou então fazê-lo por intermédio de polias e uma correia, ou por engrenagens. Num motor de motocicleta que tenha o câmbio integrado ao cárter, fica mais difícil resolver essa questão. Ambas as extremidades do virabrequim, que poderiam servir de parâmetro para medir a rotação e sincronizar a bomba injetora, ficam muito encobertas não apenas pela campana da embreagem de um lado mas também pelo gerador de eletricidade (estator ou magneto) do outro, e alterar o comando de válvulas para que também acione a bomba injetora teria um custo elevado. Como último recurso, um sistema de injeção eletrônica poderia até servir, tanto um common-rail quanto um "pumpe-düse" com bombas individuais integradas aos bicos injetores, mas não é tão fácil encontrar módulos programáveis que venham a servir para uma adaptação desse tipo. Mesmo alguns módulos muito populares para uso em veículos com motor de ignição por faísca preparados para competição, como os FuelTech, não são recomendados para motores Diesel pelos próprios fabricantes.

Há ainda que se observar a questão das faixas de rotação e relações de marcha: com uma relação mais curta, são necessárias mais rotações do motor para que haja uma volta da roda traseira. Assim, para que uma motocicleta repotenciada com motor Diesel operando a faixas de giro significativamente mais baixas tenha uma velocidade máxima mais próxima do original a gasolina, a relação tem de ser mais longa, e a tendência dos motores Diesel em gerar mais torque em baixa rotação acaba por minimizar prejuízos à aceleração e retomada. Por mais que pareça inicialmente confuso, uma relação mais curta é numericamente maior, enquanto uma mais longa é numericamente menor. Assim, pode-se afirmar que uma relação de marcha corretamente escalonada ainda permite que um motor Diesel mesmo com potência inferior ainda proporcione desempenho adequado, mesmo que mais modesto em comparação ao original a gasolina. Também seria possível recorrer a um turbocompressor para deixar a disputa mais equilibrada, mas aí já é outra discussão...

Enfim, para alguém que realmente faça questão de converter uma motocicleta para Diesel, ainda seria mais recomendável substituir o motor inteiro. O câmbio também seria outro desafio, visto que a maioria das motos modernas o traz integrado ao cárter do motor, e portanto seria inviável manter o original. Uma alternativa com boa relação custo/benefício seria o uso de uma embreagem centrífuga semelhante à usada na Mobylette e em algumas bicicletas motorizadas, que de certa forma proporciona um efeito análogo ao de um câmbio CVT e ocupa relativamente pouco espaço.

10 comentários:

  1. A dificuldade citada em relação ao câmbio quando se substitui o motor inteiro, pode ser facilmente contornada com a utilização de uma caixa de câmbio de motocicleta Harley Davidson (exceto as dos modelos Sportster) que é a única do mercado atual que possui a caixa de marchas separada do motor. Nesse caso pode-se instalar um motor diesel monocilindrico do tipo estacionário de 20 ou 30 CV ligado à caixa de marcha através de corrente ou correia dentada. Esse tipo de caixa de câmbio utiliza embreagem multidiscos a seco localizada no interior da polia que recebe o movimento do motor. É uma adaptação complicada, pois exige o alongamento do quadro da moto para caber o conjunto mas, tecnicamente é viavel.

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    1. Não deixa de ser uma opção válida, mas às vezes um alongamento do quadro torna-se indesejável.

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  2. Gostei da idéia do câmbio automático de mobilete. Ficaria bom para eu usar a trabalho o dia inteiro.

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  3. Seria mais recomendável converter uma moto maior para poder usar um motor padrão de carro?

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    1. Não necessariamente um motor automotivo, mas com uma moto maior a limitação de espaço para adaptação do conjunto motor/câmbio pode ser menos sensível.

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  4. Converter uma scooter é mesmo mais difícil como dizem?

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    1. Tendo em vista que o conjunto motor-câmbio normalmente é montado diretamente à roda traseira, fazendo as vezes de balança da suspensão, é realmente muito mais difícil converter uma scooter.

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  5. Bem que algum fabricante podia fazer mesmo uma scooter a diesel, ia passar dos 100km/l fácil e talvez pudesse não ficar tão restrita ao uso só na cidade.

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  6. Não seria má idéia mas parece difícil demais mesmo.

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  7. Pode ser difícil mas ia ficar divertido uma moto a diesel. A caminhoneirada ia ficar tudo doido quando visse parada do lado da bomba no posto.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html