terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Uma reflexão sobre o potencial do etanol para atenuar efeitos indesejáveis de uma liberação do Diesel para veículos leves

Um dos aspectos mais controversos apontados como um suposto pretexto para manter as atuais restrições ao uso de motores Diesel em veículos leves, o impacto de um aumento súbito na demanda pelo óleo diesel convencional para uso em veículos particulares sobre o preço do combustível é temido principalmente em função da incidência sobre os custos operacionais do transporte rodoviário e a pressão que viria a gerar sobre a inflação. No entanto, o alarmismo se mostra pouco fundamentado quando consideramos a maior eficiência do ciclo Diesel e a adaptabilidade ao uso de combustíveis alternativos.

Hoje, as opções para muitos consumidores dispostos a deixar a gasolina para trás se resumem ao etanol e ao gás natural, apesar deste último não sofrer a auto-ignição ao entrar em contato com o ar concentrado nas câmaras de combustão e aquecido pela compressão nos cilindros, tendo ainda o uso vetado em motocicletas, triciclos e similares. No entanto, ao aplicar o etanol em motores do ciclo Diesel, a maior eficiência térmica em comparação com os motores de ignição por faísca hoje predominantes permite redirecionar um volume considerável de combustível para suprir ao menos em parte a demanda por gás natural, cujo fornecimento no Brasil ainda é dependente de importações principalmente da Bolívia, ou mesmo reforçar os "estoques reguladores" de etanol para manter os preços mais equilibrados durante a entressafra da cana de açúcar. Nada impediria, ainda, que ressurgisse um interesse pelo etanol em aplicações utilitárias e comerciais, com a possibilidade de negociar os chamados "créditos de carbono" para rentabilizar a operação e também atenuar a pressão sobre o preço do óleo diesel convencional.

Não se pode esquecer que o etanol também pode ser usado como reagente na produção de biodiesel, embora normalmente o metanol seja considerado mais adequado para essa finalidade, mas seria incoerente ignorar o potencial do etanol para atender ao menos em parte a demanda por combustível para aplicações veiculares leves durante um período de transição. Até que o cultivo de oleaginosas destinadas especificamente para fins energéticos como o pinhão-manso (também conhecido como pinha-de-purga ou purgueira) estivesse devidamente consolidado, e o biodiesel atingido uma escala suficiente para suprir tanto os blends hoje obrigatórios no óleo diesel convencional e as frotas cativas que já o utilizam puro quanto atender a novos consumidores,o etanol combustível é uma boa alternativa para um país ainda muito dependente do setor agropastoril. Além de requerer pouca tecnologia para ser produzido, pode servir de pretexto para agregar valor a resíduos agrícolas diversos e eventualmente reaproveitar alguns gêneros alimentícios que tornam-se impróprios para consumo humano ao serem danificados nas operações de transporte.

Mesmo que o etanol celulósico (também conhecido como "etanol de segunda geração" ou "E2G") ainda seja visto com algum ceticismo, há muitos outros produtos agrícolas com uma concentração de amido ou outros açúcares e portanto podem ser usados para reduzir a dependência do setor sucroenergético pela cana de açúcar. Da mesma forma que mendigos e presidiários por todo o país fazem a chamada "Maria louca" com os recursos mais precários que se possa imaginar, nada impede que um determinado grau de descentralização atinja a produção de etanol com o uso de matérias-primas mais diversificadas adaptadas ao contexto das diferentes regiões como já vem ocorrendo com o milho no Mato Grosso. Casca de pêssego em Pelotas, bagaço de uva no Vale dos Vinhedos, resíduos do beneficiamento de arroz em Camaquã, não precisaria nem sair do Rio Grande do Sul para mencionar alguns subprodutos da agroindústria que não tem o potencial energético plenamente aproveitado...

Substratos secos provenientes da destilação do etanol podem ainda ser usados na alimentação animal, e em alguns casos apresentam digestibilidade e biodisponibilidade de proteínas superior em comparação à matéria-prima da qual derivam, e assim também proporcionam uma amortização mais rápida do investimento inicial para a produção do biocombustível, viabilizando uma eventual redução nos preços de modo a proporcionar maior competitividade sem tanta dependência por subsídios. E mesmo que a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) continue fomentando uma reserva de mercado para a Petrobras e mantendo o setor agroenergético um tanto oligopolizado e distante de alguns mercados consumidores, o etanol não deixa de ser mais uma possível opção para promover a auto-suficiência energética no campo.

Outro ponto que merece algum destaque é a compatibilidade com os dispositivos de controle de emissões usados nos motores Diesel mais modernos. Ao se utilizar etanol, o filtro de material particulado (DPF - Diesel Particulate Filter) hoje exigido pelas normas Euro-5 torna-se desnecessário, além da ausência de enxofre tornar mais seguro o uso do EGR (Exhaust Gas Recirculation - recirculação de gases do escapamento) e assim dispensar os inconvenientes associados ao sistema SCR (Selective Catalytic Reduction - redução catalítica seletiva) que vão desde a necessidade do fluido-padrão de uréia a 32,5% (ARLA-32/AdBlue/DEF) até a cristalização da uréia no catalisador. A ausência de fuligem, que em suspensão nos gases de escape recirculados pelo EGR poderia levar a obstruções no coletor de admissão ao se combinar com vapores de óleo lubrificante provenientes da ventilação positiva do cárter (PCV - Positive Cranckcase Ventilation), é a principal razão por trás de tais vantagens. Para alguns operadores, a redução nos custos de manutenção dos dispositivos de controle de emissões já acabaria de certa forma compensando o preço do etanol. Vale recordar, ainda, que misturas de óleo diesel convencional com mais de 20% de biodiesel (B20) podem apresentar incompatibilidade com o DPF.

Por mais que venha sendo desacreditado, e ainda que a densidade energética seja de fato menor que a do óleo diesel convencional ou do biodiesel e óleos vegetais puros, o etanol continua sendo uma alternativa economicamente viável para reduzir a dependência por combustíveis fósseis e promover uma melhoria da qualidade do ar nos grandes centros urbanos. O maior empecilho é basicamente "cultural", tendo em vista a maior ênfase dada ao uso do etanol em substituição à gasolina nos motores de ignição por faísca, mas ao ser aplicado a motores Diesel ainda pode ter as vantagens exploradas mais intensamente.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html