sábado, 14 de julho de 2012

Uma reflexão sobre a atual geração de motores bicombustível, ou "flex"

A espantosa popularidade que veículos bicombustível movidos a etanol e gasolina, popularmente conhecidos como "flex", hoje apreciam no mercado brasileiro, teve início em 2003 com o Volkswagen Gol, um dos modelos mais bem-sucedidos comercialmente e pioneiro na adoção desse sistema a nível local. Porém, é baseado na ignição por faísca, contando com ajustes precários para atingir características apenas intermediárias entre o etanol e a gasolina e por conseguinte sacrifica a eficiência ao usar combustíveis com características tão distintas em estado puro, razão pela qual muitos profissionais e entusiastas do automobilismo abdicam da "flexibilidade" para otimizar o funcionamento do motor num único combustível...

A bem da verdade, convém destacar que a "flexibilidade" entre gasolina e etanol é muito antiga, remontando a 1908 com a introdução do Ford Modelo T (o popular "Ford Bigode"), no qual um carburador de difusor variável permitia uma dosagem mais adequada dos combustíveis enquanto o controle manual do avanço de ignição, essencial para manter a segurança do procedimento de partida do motor, também facilitava ajustes para adequar a centelha à velocidade de propagação da chama, notadamente mais lenta no etanol. Existem rumores de que a intenção de Henry Ford, eventualmente citado como vegetariano, era fazer o Modelo T funcionar apenas a etanol, o que seria difícil em função da disponibilidade muito limitada do combustível vegetal, obrigando-o a adotar uma taxa de compressão mais modesta que permitia o uso da gasolina com uma miserável octanagem (resistência à pré-ignição) da época às custas de uma eficiência mais limitada e da impossibilidade em se obter um desempenho consistentemente mais elevado mediante o uso do etanol. Permaneceu em produção até 1927, quando foi substituído pelo Ford Modelo A (popularmente conhecido como "Ford 29", "baratinha" ou "chimbica"), no qual a "flexibilidade" sequer é mencionada, num reflexo da Lei Seca que dificultou ainda mais a obtenção do etanol...

Durante os anos 70, em função do cenário agitado das constantes crises do petróleo fomentadas pelo espírito revanchista de membros da OPEP após humilhantes derrotas nas guerras contra Israel, o álcool combustível ganhava posição de destaque na matriz energética brasileira já a partir de 1973, com a introdução de misturas obrigatórias de álcool etílico (etanol) na gasolina brasileira, conversões de automóveis a gasolina para rodar com o combustível alternativo, e culminando em 1979 com a introdução do primeiro veículo a sair de fábrica dedicado a operar com etanol, uma versão do Fiat 147 que logo recebeu a alcunha de "cachacinha" e se valia de uma taxa de compressão mais elevada que o similar movido a gasolina para explorar melhor a maior resistência do etanol à pré-ignição e os conseqüentes benefícios ao desempenho. Com incentivos fiscais tanto no preço do combustível quanto dos veículos 0km, o carro a álcool foi um grande sucesso no mercado brasileiro durante a década de 80, mas que tornou-se o "patinho feio" já a partir de 1989 em função de uma crise de abastecimento de etanol que se arrastou até 1990 devido ao maior interesse dos usineiros em atender à exportação do açúcar que se mostrava mais lucrativa, levando até mesmo alguns veículos a serem convertidos para operar com gasolina. No exterior, teve uma projeção mais intensa como combustível alternativo o álcool metílico, ou metanol, que sempre gozou de alguma popularidade nas competições de kart.

Mas foi apenas em 1992, 65 anos após o fim da produção do Modelo T, que a "flexibilidade" voltou a despertar grande interesse comercial com a Chevrolet Lumina APV, enfatizando a possibilidade de se usar metanol. Pesquisas com modelos dedicados ao metanol já eram feitas desde a década de 80, mas a disponibilidade limitada inviabilizava tal opção. E novamente os projetistas se viam obrigados a adotar uma taxa de compressão um tanto conservadora, levando em conta que mesmo com gerenciamento eletrônico de injeção e ignição promovendo uma auto-adaptatividade às condições de uso com gasolina pura, metanol, ou ambos misturados em qualquer proporção, não era um sistema tão arrojado a ponto de compensar a menor octanagem da gasolina sem provocar as desagradáveis "batidas de pino" (ou "griladas") nem muita aspereza e irregularidade na aceleração.

Curiosamente, o ciclo Diesel tem grandes virtudes que até mesmo podem inspirar otimizações na tecnologia "flex". Em especial a injeção direta, sempre presente nos motores Scania, que possibilita temporizar a injeção de modo a controlar a detonação com maior precisão e usar uma mistura ar/combustível mais pobre, garantindo um melhor aproveitamento do combustível e redução nas emissões.
Curiosamente, enquanto no ciclo Diesel normalmente são usadas taxas de compressão um pouco mais comedidas ao se utilizar a injeção direta, dificilmente passando dos 18:1 quando com injeção indireta é comum chegar nos 21:1, no ciclo Otto explora-se justamente a vantagem de poder controlar a pré-ignição da gasolina mesmo sob compressões mais recomendadas num motor movido exclusivamente a etanol. Esse expediente vem sendo largamente explorado pela Audi em modelos como o TT.

Também demonstra grande utilidade para o aperfeiçoamento dos motores "flex" o atual progresso da tecnologia do turbocompressor, que se hoje é a grande estrela do fenômeno do downsizing teve na aplicação em motores Diesel uma excelente plataforma para desenvolvimentos...
Métodos modernos de gerenciamento permitem ao turbo um funcionamento mais consistente desde as baixas rotações habituais em motores Diesel para aplicações pesadas até faixas de alto giro mais comuns em veículos leves. Pode-se até mesmo estabelecer diferentes limites para a pressão fornecida de acordo com o combustível em uso, o que seria particularmente útil à operação com etanol quando uma pressão de turbo momentaneamente mais alta possibilitaria um incremento na eficiência de forma próxima ao que aconteceria com algum sistema que viabilizasse uma taxa de compressão variável...

No fim das contas, pode-se dizer sem medo de errar que a atual geração de motores bicombustível não se mostra tão versátil quanto o ciclo Diesel, notadamente o mais adaptável a combustíveis alternativos...

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html