domingo, 5 de junho de 2016

Até que ponto é possível evitar o SCR quando chegar a Euro-6?

A questão dos índices de emissões já é por si só motivo para muita controvérsia, e naturalmente os métodos a serem implementados pelos fabricantes de veículos e motores Diesel para atender a normas ambientais cada vez mais estritas rendem acaloradas discussões. Um sistema que inicialmente se mostrou mais popular entre os veículos pesados foi o SCR, que requer um fluido-padrão conhecido na Europa como AdBlue, nos Estados Unidos como DEF (Diesel Exhaust Fluid), no Brasil como ARLA-32 e no Uruguai e Argentina como ARNOx-32. Composto por uréia a uma concentração de 32,5% diluída em água desmineralizada, o fluido tem como função decompor óxidos de nitrogênio através de redução catalítica seletiva ao ser aplicado diretamente sobre os gases de escape.
Uma vantagem atribuída ao SCR é o impacto praticamente nulo sobre o consumo de combustível e o desempenho do veículo em comparação ao EGR que se vale da inserção de gases inertes pós-combustão recirculados do escape para a admissão com o intuito de reduzir a concentração de oxigênio nas câmaras de combustão visando também uma menor emissão de NOx. Alguns fabricantes, como a International, chegaram a ter experiências desastrosas com o EGR em mercados estrangeiros com limites mais rígidos de emissões, desde vazamentos de fluido de refrigeração do motor até o acúmulo de material particulado readmitido junto aos gases de escape no coletor de admissão, sedes de válvula e na própria carcaça da válvula EGR. Mas nem tudo são flores para os usuários do SCR: na ausência do AdBlue/DEF/ARLA-32, um veículo equipado com o sistema tem o desempenho limitado eletronicamente e pode até ficar totalmente imobilizado visando garantir o cumprimento das normas para as quais tenha sido especificado.

Indo além das normas Euro-5 hoje em vigor no mercado brasileiro, e da presença ainda limitada do Diesel em veículos particulares motivada pelas restrições baseadas nas capacidades de carga e passageiros e tração, a presença do SCR já é realidade em outros segmentos além dos utilitários comerciais. Um bom exemplo é o sport-utility Mercedes-Benz GL 350 Bluetec, que mesmo assim não teve como dispensar também o EGR para ser enquadrado nas regulamentações da EPA americana. Além da maior complexidade inerente à presença de ambos os sistemas destinados ao controle dos NOx, é conveniente recordar que o AdBlue/ARLA-32 ainda não é tão fácil de encontrar e são poucos os postos de abastecimento que já o comercializam a granel com um preço por litro inferior ao do óleo diesel. Convém salientar ainda que o fluido, embora não seja considerado tóxico, tem odor desagradável e é corrosivo, e portanto não convém ter que carregar no porta-malas do veículo um galão de plástico muito fino e propenso a vazamentos.

Mas sendo o processo de combustão dos motores Diesel inerentemente mais propenso à formação dos NOx em decorrência das temperaturas e pressões elevadas que são imprescindíveis para que ocorra a ignição por compressão, haveria outra maneira de enfrentar os desafios impostos pelo controle de emissões sem comprometer o desempenho, a confiabilidade do motor e a praticidade como fazem os principais sistemas hoje aplicados aos veículos leves? Tudo leva a crer que sim, apesar de não haver uma fórmula que atenda igualmente às necessidades de todos os usuários em meio a condições operacionais tão distintas que possam se apresentar. Embora dificilmente se venha a eliminar o EGR, em alguns veículos é viável a substituição do SCR por um catalisador do tipo "lean NOx-trap" que absorve dentro do núcleo poroso o NOx gerado durante o uso regular do veículo para que sejam posteriormente degradados de forma simultânea aos ciclos de autolimpeza ou "regeneração forçada" do filtro de material particulado (DPF). Tal método, no entanto, ainda tem limitações e se adapta melhor a motores de cilindradas mais baixas e modelos de porte menos avantajado que impõem um fator de carga menor, refletindo-se também em temperaturas dos gases de escape mais contidas. Num Audi A3, por exemplo, o NOx trap cai como uma luva em versões com o motor 1.6TDI, mas já não teria a mesma eficácia numa A6 allroad quattro com o motor 3.0TDI.

Também é conveniente recordar que o gás natural é amplamente usado como matéria-prima na síntese da uréia técnica para a formulação do AdBlue/ARLA-32, um processo que não é exatamente livre de emissões e acaba por consumir recursos energéticos que poderiam ser melhor aproveitados com o uso direto do gás natural como combustível veicular. Se por um lado requer uma fonte de ignição, e portanto não pode ser usado puro em motores Diesel, por outro é perfeitamente viável a aplicação de forma complementar ao óleo diesel convencional com melhorias ao processo de combustão. À primeira vista, parece incoerente que algum benefício possa surgir em meio à diminuição da concentração de oxigênio durante a expansão que uma pequena parte de gás natural sofreria ao ser adicionada ao ar da admissão e absorver calor latente, análoga ao efeito do EGR que compromete o desempenho, mas diminui a quantidade de óleo diesel necessária e promove uma propagação de chama mais uniforme através das câmaras de combustão, aproveitando de forma mais efetiva a energia contida no combustível primário e gerando menos material particulado ao invés de apenas acrescentar gases inertes com resíduos e eventuais impurezas. A oferta um tanto limitada do gás natural fora dos grandes centros regionais pode tornar menos atrativa essa opção para muitos operadores, mas se mostra adequada para rotas regionais e alguns serviços como o de coleta de lixo no qual pode ser aproveitado o biogás/biometano proveniente dos aterros sanitários.

Parece gasolina, mas é cachaça artesanal de alambique envelhecida
Mas o gás natural não é a única opção: etanol também pode ser usado para essa mesma finalidade. Nessa aplicação, uma concentração inferior a 80% em volume não seria tão problemática quanto no uso como combustível primário. Considerando o uso já habitual da injeção suplementar de água com metanol em aplicações de alto desempenho mundo afora, um teor de umidade mais elevado não provocaria maiores efeitos adversos. Até a "cauda" da coluna de destilação da cachaça, usualmente desprezada, já serviria. Mesmo processos de produção mais rústicos permitem uma implementação fácil e de baixo custo podendo aproveitar matérias-primas diferentes da cana-de-açúcar visando garantir a disponibilidade ao longo de todo o ano, tendo em vista que a arte da elaboração de bebidas alcoólicas é bem desenvolvida em todas as culturas. Uma vantagem da aspersão da água com álcool no coletor de admissão é a solubilização dos vapores oleosos provenientes do cárter e tragados através da válvula PCV, também conhecida como "válvula anti-chama" ou "blow-by", evitando que aderissem à fuligem recirculada pelo EGR e viessem a formar depósitos dentro do coletor ou nas sedes de válvula e carcaça do EGR. Comparado ao gás, o manuseio e armazenamento mais simples e semelhantes ao do AdBlue/ARLA-32 também se mostram mais convidativos.

O desenvolvimento das próximas gerações de motores Diesel, naturalmente, é beneficiados pela evolução nos sistemas de injeção a alta pressão, que promovem não apenas uma atomização mais fina do combustível de modo a aumentar a superfície de contato com o ar aquecido pela compressão como ainda auxiliam até mesmo num controle mais preciso das temperaturas de combustão. A lição da Mazda, que incorporou uma taxa de compressão surpreendentemente baixa de 14:1 nos motores SkyActiv-D, também é digna de nota por reduzir atritos internos e perdas por bombeamento, além de proporcionar uma combustão a temperaturas reduzidas que se refletem também numa menor rejeição de calor tanto através do sistema de refrigeração quanto do escapamento, e por conseguinte as condições propícias para a formação dos NOx são observadas numa menor intensidade. Também desperta alguma curiosidade a opção da Ford em promover o downsizing e a reabilitação do cabeçote de duas válvulas por cilindro e comando simples para o motor 1.5TDCI num momento em que os cabeçotes multiválvulas e os comandos duplos com variador de fase pareciam inquestionáveis.

Mesmo diante da pressão supostamente ecológica que tenta apontar os motores Diesel como "sujos", e que tem na complexidade da atual geração de dispositivos de controle de emissões um dos retratos mais fiéis, ainda existem alternativas muito mais eficientes e de custo menor capazes de promover a conciliação entre desempenho, eficiência energética e preservação ambiental mas são aparentemente ignoradas por governos e organizações que se dizem "ambientalistas". Tentam nos fechar os olhos para que aceitemos uma hegemonia do SCR sabe-se-lá com quais intenções, mas pelo menos até a Euro-6 ainda é perfeitamente viável valer-se de outros sistemas mais adequados às realidades de distintos operadores tanto particulares quanto comerciais.

2 comentários:

  1. Mas não seria mais fácil usar o gás puro num motor a gasolina?

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    1. Até seria, mas se estaria abrindo mão da eficiência térmica superior do ciclo Diesel.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html