quarta-feira, 15 de junho de 2016

PL 1013/11: reacendendo a esperança

A semana começou agitada com rumores de que o PL 1013/11, rechaçado em outros momentos, voltaria à pauta da Câmara dos Deputados. A proposição, que visa liberar a comercialização de veículos leves movidos a óleo diesel no mercado brasileiro, ressurgiu em meio às polêmicas no tocante às emissões que se acirraram após a eclosão do escândalo conhecido como "Dieselgate" tendo como pivô a Volkswagen. Uma cobertura midiática escassa e pouco apurada, como a matéria apresentada no último sábado pela Agência Estado, acaba por contribuir para que a percepção do grande público com relação às vantagens do Diesel fiquem em segundo plano diante de uma eventual gestão precária do passivo ambiental.

Por mais que a ênfase inicial tanto do projeto de lei quanto da reportagem seja dada ao uso do óleo diesel convencional, que não pode ser considerado exatamente um combustível tão "limpo", pouco se discute a evolução que os motores do ciclo Diesel e sistemas de controle de emissões tem sofrido nas últimas duas décadas para serem enquadrados em normas ambientais cada vez mais estritas. A substituição do óleo diesel por biodiesel, óleos vegetais puros e até mesmo pelo tão aclamado etanol, bem como uma eventual complementação com gás natural ou com o biogás/biometano, medidas que podem contribuir não apenas para uma redução do alegado passivo ambiental em decorrência de uma liberação do carro "a diesel" mas principalmente para o desenvolvimento agropecuário/agroindustrial e a recuperação de áreas degradadas sem demandar uma eventual expansão das atuais fronteiras agrícolas, seguem solenemente ignoradas.

O artigo da Agência Estado já traz uma incoerência ao apontar que o projeto visa liberar a fabricação e venda de automóveis com motor Diesel, tendo em vista que mesmo não podendo ser comercializados no mercado interno já são feitos para exportação. Um argentino ou um paraguaio, por exemplo, podem comprar uma Chevrolet Spin ou um Ford EcoSport fabricados no Brasil e equipados com motores turbodiesel ao invés de se manterem reféns da ignição por faísca e da precariedade da atual geração de motores "flex" movidos a gasolina e etanol como tem acontecido com os "macaquitos" do lado de cá da Tríplice Fronteira. Chega a ser surpreendente que a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), através do presidente Antonio Megale, tenha se posicionado contra a medida que tornaria diversos automóveis e comerciais leves de fabricação brasileira mais atrativos em mercados de exportação.

Alegar que se investiu muito nos "flex" e na eficiência energética chega a ser uma piada de mau gosto, bem como criticar uma eventual dependência de motores importados para atender à demanda de consumidores que não abrissem mão do Diesel. Se por um lado a proposta do fracassado programa Inovar-Auto introduzido em 2012 previa um "fortalecimento da produção local", não deixa de ser interessante salientar que muitos fabricantes instalados no país acabaram por negligenciar sistematicamente a evolução tecnológica que acompanhou não apenas o Diesel em aplicações leves mas também os motores de ignição por faísca, a ponto de motores com configurações hoje consideradas obsoletas até em outros países periféricos ganharem sobrevida na República das Bananas, e tal fato naturalmente se refletiria nos custos iniciais mais elevados para uma reconfiguração das fábricas que se fizesse necessária para a introdução de motores turbodiesel leves com uma concepção moderna no mercado local. A bem da verdade, muitos motores de projeto recente já preveem algum grau de modularidade e intercambialidade de componentes entre versões a gasolina e Diesel, o que viria a auxiliar na amortização do investimento inicial.

Outro ponto cada vez mais controverso abrange a questão das emissões: por mais que hoje o Diesel esteja em evidência como o "sujo", não seria coerente ignorar que a adoção da injeção direta que vem se espalhando nas novas gerações de motores com ignição por faísca movidos a gasolina e nos "flex" a gasolina e etanol traz para estes os mesmos desafios no tocante à formação de óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado que levaram a atual geração de motores turbodiesel leves a incorporar dispositivos de controle de emissões com diferentes graus de complexidade, desde o EGR e o SCR já conhecidos no mercado brasileiro pelo uso em caminhonetes, caminhões e ônibus até o LNT usado em alguns automóveis homologados nas normas Euro-6 em países que já permitem o óleo diesel em veículos leves, além do DPF. Portanto, mesmo com o Diesel correspondendo hoje a cerca de 6% do mercado de veículos novos, 30% das emissões de NOx e 65% das de material particulado, não seria tão oportuno ignorar que uma eventual esperança depositada na ignição por faísca pode acabar se mostrando uma faca de dois gumes.

Não se pode deixar de lado que a liberação do Diesel em automóveis poderia ser articulada com uma redução nas emissões provenientes de outras aplicações nas quais também são usados motores de baixa cilindrada, como grupos geradores, embarcações leves e tratores. Hoje predominam entre os motores Diesel estacionários/industriais e agrícolas na faixa de 0.8L a 1.5L o peso excessivo e praticamente nenhum controle de emissões, situação que acaba por apresentar um desafio com a introdução de normas como a MAR-I que abrange máquinas agrícolas e alguns implementos rodoviários. Incorporar de acordo com as necessidades de tais segmentos algumas soluções já conhecidas em aplicações veiculares proporcionaria uma redução nos custos de desenvolvimento, bem como uma simplificação na logística de reposição de peças e capacitação de mão-de-obra para assistência técnica, além de proporcionar uma maior escala de produção que também seria refletida nos custos operacionais envolvidos na fabricação dos motores, sistemas de combustível e dispositivos de controle de emissões.

É incontestável que o custo de aquisição mais elevado tornaria o Diesel mais atrativo para uma parcela inicialmente menor do público, principalmente operadores comerciais como taxistas ou outros consumidores que percorram uma quilometragem anual elevada e poderiam amortizar mais rapidamente o investimento em um veículo mais eficiente, e assim um impacto imediato sobre as emissões da frota nacional seria mais contido. A discrepância que ainda se observa no tocante às especificações do óleo diesel não apenas no Brasil mas também em países vizinhos como o Uruguai, a Argentina, a Bolívia e a Venezuela, mais notadamente os teores de enxofre, também tem se mostrado um tanto desfavorável a uma "dieselização" tão intensa quanto poderiam sugerir as previsões mais alarmistas. No entanto, não deixaria de ser um bom pretexto para fomentar uma ampliação da produção e liberação da venda varejista de biodiesel puro (B100) e até uma integração com o etanol.

Quando consideramos as possibilidades de usar combustíveis renováveis, cuja maior parte das emissões seria reabsorvida ao longo do ciclo de produção das matérias-primas podendo fechar não apenas o ciclo do carbono mas também do nitrogênio, já seria possível definir um empate técnico com relação ao etanol quando aplicado a motores de ignição por faísca no tocante à sustentabilidade, mas ainda cabe acrescentar que muitas oleaginosas que podem ser aplicadas à produção do biodiesel como o amendoim e a mamona são mais efetivas que a cana-de-açúcar para promover a fixação do nitrogênio no solo. Há ainda a crítica a um eventual incremento nas importações de óleo diesel convencional que viria a se fazer necessário para atender não apenas às frotas utilitárias/comerciais que já o utilizam mas também aos automóveis que passariam a estar legalmente aptos ao uso desse combustível, para a qual novamente convém destacar a possibilidade de substituição por biocombustíveis de produção nacional cujo processo logístico ao menos em teoria se mostraria mais simples e também estariam menos sujeitos às oscilações de preços que o petróleo sofre por ter a extração concentrada principalmente em zonas conflagradas no Oriente Médio, África e Venezuela.

Projetos atualmente arquivados, como o PLS 81/2008 do então senador Gilberto Goellner, já propunham o uso direto de óleos vegetais como combustível para tornar o setor agropecuário e o transporte coletivo de passageiros menos dependentes do óleo diesel convencional. Não faltam alternativas mais adequadas a diferentes realidades regionais, como a Salicornia para o litoral, a mamona para áreas degradadas e rotações de cultura em locais onde predomina o cultivo do fumo, o pequi que em algumas condições tem produtividade de óleo superior à da soja, e até a "cana-óleo" que vem sendo desenvolvida nos Estados Unidos e pode se mostrar uma alternativa para o setor sucroenergético por demandar um investimento mínimo na integração com a produção de açúcar e etanol. Há perspectivas de que a produção de biodiesel com a "cana-óleo" possa trazer uma rentabilidade superior à do etanol, o que pode servir para colocar em xeque a posição desfavorável da União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (Unica) à liberação do Diesel para veículos leves.

É relevante tomar o antigo ProÁlcool como referência, pois o etanol só se firmou quando os primeiros carros a álcool passaram a ser oferecidos diretamente ao consumidor, mesmo com a dependência exclusiva pela cana-de-açúcar em detrimento de uma eventual integração com outras matérias-primas, o que se mostra uma desvantagem em comparação à adaptabilidade do biodiesel e do uso direto de óleos vegetais a opções mais diversificadas e por extensão menos sujeitas a uma sazonalidade e eventuais quebras de safra por fatores climáticos que tendem a causar efeitos mais sensíveis sobre as monoculturas. Temores quanto a um desabastecimento para o transporte pesado e a agricultura estariam, portanto, cada vez mais infundados mesmo que o Diesel conquistasse logo no início uma participação ampla no mercado de veículos leves.

Fica cada vez mais difícil sustentar argumentos contrários à liberação do Diesel em veículos leves, não apenas no tocante aos benefícios econômicos e sociais que pode agregar mas até nos aspectos ambientais que vem sendo usados como pretexto para manter as restrições em vigor. Ainda que iniciativas hostis estejam em curso em outros países sul-americanos como o Chile e a Argentina, e até União Européia esteja cometendo o mesmo erro no embalo do "Dieselgate" e de utopias socialistas, é incoerente atribuir ao Diesel a imagem de "lixo tecnológico" como fez o deputado Bruno Covas. A tramitação do PL 1013/11 em caráter terminativo, que submeteria a matéria diretamente à apreciação do Senado, na verdade reacende a esperança por um fim do atraso tecnológico brasileiro no tocante ao Diesel em aplicações leves.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html