quarta-feira, 13 de julho de 2016

Reflexão: até que ponto um motor de ignição por faísca se mantém realmente mais simples que um Diesel de desempenho comparável?

Não é incomum ouvirmos em defesa da ignição por faísca que os motores de 4-tempos operando no ciclo Otto equipados com esse sistema são "mais simples" como uma justificativa para que permaneçam em evidência. Mas os dias do Fusca ficaram para trás, e alguns conceitos que pareciam imutáveis hoje são desafiados pelo que há de mais avançado em sistemas de gerenciamento de motores, injeção eletrônica sequencial, injeção direta, injeção dupla, indução forçada, comando de válvulas variável e outros tantos artifícios que marcam presença em automóveis e utilitários modernos. Cabe lembrar até que muito do que se vê em termos da recente evolução vivenciada pelos motores de ignição por faísca veio após o sucesso no Diesel, como a massificação do turbocompressor e da injeção direta. Isso para não entrar ainda no tópico de sistemas de tração híbridos que também tem seus graus de complexidade mas são um capítulo à parte.

Um caso digno de nota é o da Lexus, marca de luxo da Toyota, que atualmente tem usado um motor dotado de turbocompressor, injeção dupla e comando de válvulas variável capaz de induzir o efeito Atkinson em algumas condições, o motor 8AR-FTS de 2.0L que já equipa no exterior séries tão diversas quanto a IS e a NX, tendo iniciado a presença no mercado brasileiro pelo modelo NX200t. A presença do turbo nem pode ser considerada um pretexto para expor o quão mais complexos vem se tornando os motores de ignição por faísca, e também os comandos de válvulas com variação de fase já começam a ganhar expressividade em alguns motores Diesel mais recentes, mas a injeção dupla já salta aos olhos. A princípio seria chover no molhado dizer que combustíveis voláteis como a gasolina, o etanol, o gás natural e também o gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha" que no Brasil é proibido para uso rodoviário), se comportam de forma muito distinta do óleo diesel convencional e substitutivos como o biodiesel, e portanto diferentes estratégias devem ser observadas com o intuito de aproveitar melhor as propriedades de cada combustível, reduzir o consumo e ainda minimizar as emissões. Focando na gasolina, que necessita passar pela vaporização antes de sofrer ignição por meio da centelha gerada nas velas, nos motores de ignição por faísca com uma concepção arcaica tradicional o meio mais comum ainda é através da absorção de calor latente na massa de ar de admissão quando administrada através de um dispositivo formador de mistura ar/combustível, que pode ser tanto um carburador quanto uma injeção eletrônica. Com a injeção direta, que até guarda algumas semelhanças com o método empregado por motores Diesel, recorre-se às altas pressões de injeção e uma fina atomização do combustível, de modo que o calor latente de vaporização é absorvido do ar previamente aquecido por compressão. Ainda que dificilmente sejam tão extremas quanto as que podem ser observadas num motor Diesel, é comum que se recorra a taxas de compressão mais elevadas ao operar com a injeção direta, tanto para obter aquecimento aerodinâmico para induzir a vaporização quanto para melhorar o desempenho com um menor temor pela detonação e pré-ignição com uma mistura ar/combustível mais pobre (proporção menor de combustível em relação à massa de ar admitida).
No entanto, o advento da injeção direta trouxe para a ignição por faísca alguns problemas que já tiravam o sono de operadores de veículos com motor Diesel equipados com EGR, notadamente o acúmulo de sedimentos e deposição de carbono no coletor de admissão, além de intensificar a formação de material particulado fino e óxidos de nitrogênio (NOx). O motor 8AR-FTS pode eventualmente dosar uma proporção entre a injeção indireta e a injeção direta que contorne os riscos de detonação ao mesmo tempo que permite uma solubilização mais apurada de vapores oleosos provenientes da ventilação positiva do cárter junto à mistura ar/combustível para que sofram uma combustão mais completa. Se o turbo estivesse ausente, não se poderia deixar de observar também o efeito Atkinson resultante de um prolongamento no tempo de abertura das válvulas de admissão que avança pelo tempo de compressão, de forma que este torne-se efetivamente mais curto que o tempo de potência (ou "expansão", que seria a última fase desse tempo) sem ter de recorrer à complexa articulação existente no virabrequim de um motor do ciclo Atkinson. Com uma parte do ar, ou de mistura ar/combustível, retornando para o coletor de admissão, a compressão dinâmica torna-se numericamente inferior à compressão estática, afastando o risco de detonação e ao mesmo tempo proporcionando um resfriamento da carga de ar de admissão e uma maior concentração do oxigênio de forma análoga à que seria obtida com a injeção suplementar de água com algum álcool que encontra adeptos em aplicações de alto desempenho para motores Diesel ou da suplementação com gás natural que ainda é pouco explorada no Brasil mas já faz a alegria de operadores comerciais mundo afora. A emulação do ciclo Atkinson é um recurso muito comum entre os automóveis híbridos, como o Lexus CT200h.
Porém, a mesma descompressão que leva a uma maior eficiência minimizando perdas por bombeamento também acarreta num impacto negativo sobre o desempenho embora a presença de um motor elétrico torne esse efeito colateral de certa forma menos perceptível. A bem da verdade, apesar de só ter ganhado visibilidade junto ao grande público com o sucesso comercial de alguns carros híbridos, a estratégia de alterar a abertura das válvulas de admissão para que se obtenha o efeito de um tempo de potência prolongado com relação à compressão não é muito nova. Na década de '40 o americano Ralph Miller já defendia tal recurso, mas com o uso de um compressor mecânico (supercharger ou "blower") que não apenas servia como uma forma de indução forçada mas também provocava uma retenção da massa de ar dentro dos cilindros ao invés de um retorno ao coletor de admissão, no que ficou conhecido à época como "ciclo Miller" e foi muito mais comum em embarcações e equipamentos estacionários/industriais que em automóveis. Um dos poucos modelos que em alguns mercados oferece um motor operando no "ciclo Miller" é o Nissan Versa Note quando equipado com o motor HR12DDR de 1.2L e 3 cilindros.

Por mais que alguns consumidores ainda vejam o Diesel com algum preconceito, associando-o tanto à rusticidade e aspereza de máquinas agrícolas antigas quanto a sistemas de pós-tratamento de gases de escape cada vez mais complexos e sensíveis à qualidade do combustível e demais insumos utilizados, seria injusto ignorar que um motor do ciclo Otto de concepção avançada também apresente algumas características nem tão desejáveis e que possam se mostrar desfavoráveis no tocante a uma manutenção que poderia ser reputada mais simples num equivalente mais antigo. Já não se produzem mais Fuscas e calhambeques que podiam ser consertados em praticamente qualquer fundo de quintal. Enfim, se antes poderia até ser considerada uma meia-verdade, presumir que um motor de ignição por faísca vá ter sempre uma maior simplicidade diante de um Diesel com desempenho comparável tornou-se uma mera ilusão...

6 comentários:

  1. O povo acostumado com os refugos da Europa que são requentados por aqui e vendido a peso de ouro insistem em dizer que motor a gasolina é mais simples. Pensamento pequeno de gente que acha que só carro com motor de 8 válvulas presta.

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    1. Bem lembrado. Basta exemplificar pela linha da Chevrolet, que mantém o motor 1.8 de 8 válvulas nas versões brasileiras do Cobalt e da Spin mas recorria ao 1.5 S-TEC de 16 válvulas no Cobalt russo e na Spin indonésia (que ainda tinha opção por um motor 1.2 S-TEC).

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  2. O pessoal parece achar que motor a gasolina é tudo igual, no máximo implicam com os 16 válvulas.

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  3. Los motores diésel más viejitos no eran difíciles de arreglar tras llevar un tiempo para acostumbrarse. La presión del sistema de inyección si suele tener su grado de peligro, pero al menos no tenia electrónicos sensibles y entonces eran más fiables. Pero hoy muchos de los coches a gasolina ya son más sencillos, además que aún no son todos los motores de gasolina que llevan turbo como se pasa con los diésel. Mira a los híbridos que ni recurren a la inyección directa en su mayoria.

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    1. Para quem se acostumou com tratores e colheitadeiras antes de chegar perto dum carro então, a familiaridade com motores Diesel de concepção antiga era ainda maior. Não é de se estranhar que muito europeu, uruguaio e argentino ainda seja apegado aos carros mais com motor Diesel anteriores ao ano 2000 quando ainda não havia se proliferado tanto a eletrônica embarcada.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html