domingo, 19 de agosto de 2018

Observações sobre como a ênfase na potência afeta a oferta de motores Diesel mais simples

Por volta de 20 anos atrás, em mercados onde o uso do Diesel em veículos leves não sofria restrições, um carro médio como o Citroën Xsara apresentar ao menos uma opção de motor potência menor que 60cv não era algo que chegasse a causar tanto espanto. No caso específico do motor TUD5 de 1.5L e 58cv, que nesse modelo chegou a ser usado em poucos mercados com uma tradição agropastoril mais forte como Portugal e Uruguai, era bastante previsível que a simplicidade inerente à injeção indireta e à aspiração natural ainda o tornasse desejável aos olhos de uma parte considerável dos consumidores. Hoje com a presença mais consolidada do turbocompressor alcançando não apenas todos os motores Diesel veiculares mas também ganhando espaço junto à ignição por faísca para cumprir novas metas de redução de consumo de combustível e emissões, a realidade é outra não só no tocante à facilidade de manutenção que ficou para trás mas veio acompanhada de novas exigências de desempenho com o intuito de conquistar um público mais amplo que não estivesse restrito a aplicações utilitárias.
Além de um custo de fabricação reduzido que podia atender bem tanto a quem trata como prioridade o espaço interno de um modelo como a Citroën Xsara Break quanto aos que prefiram um compacto como o Peugeot 106, um motor mais rústico não deixa de soar atrativo para quem não dispunha de um acesso fácil à assistência técnica especializada que um motor mais moderno pode requerer caso ocorra uma avaria. Outra característica a se considerar é uma maior adaptabilidade à operação com combustíveis alternativos, resultante da menor quantidade de dispositivos de controle de emissões e até mesmo do tipo de injeção. No caso específico do motor TUD5, a injeção indireta favorece o uso direto de óleos vegetais como combustível, tanto pelas temperaturas usualmente mais elevadas em comparação a um motor Diesel mais moderno de injeção direta quanto pelo processo de combustão mais lento iniciado nas pré-câmaras proporcionar uma queima mais completa. Por mais que a injeção direta leve vantagem quando consideramos o uso do óleo diesel convencional e do biodiesel, convém não ignorar que a injeção indireta chega a proporcionar médias de consumo mais contidas quando se usa óleos vegetais, que não deixam de ser uma boa opção tendo em vista que já elimina a necessidade de insumos químicos necessários à produção do biodiesel e também não requer tanta energia quanto o refino do petróleo. E assim, não deixa de fazer algum sentido considerar também esse aspecto também como um possível contraponto às propostas de retirar de circulação em algumas localidades os veículos considerados "velhos" como já está sendo levado adiante em algumas partes da Europa.
De fato, ao observar especificações desse motor, a comparação do desempenho com os motores 1.0L de ignição por faísca usados nos carros "populares" é inevitável, e um exemplo apropriado para fazer comparações é justamente o Peugeot 106 que contou no Brasil com o motor TU9 de 1.0L mas no exterior teve uma maior variedade de motores a gasolina até 1.6L e para quem preferia o Diesel manteve o TUD5 até o fim da produção em 2003. Não se pode desconsiderar também a importância da seleção de relações de marcha corretas para conciliar um desempenho satisfatório em condições de uso normais com as expectativas pela economia de combustível que leva à preferência pelo Diesel. Para fazer uma comparação talvez até mais pertinente à realidade brasileira, convém observar o caso da Volkswagen com o motor boxer refrigerado a ar que na versão de 1.6L ainda despertou algum interesse de parte do público brasileiro no breve relançamento do Fusca entre 1993 e 1996, apesar do desempenho mais modesto mesmo em comparação com automóveis "populares" de concepção mais recente que tinham um perfil notadamente mais urbanóide em contraponto à capacidade de incursão fora-de-estrada que fazia do Fusca "Itamar" até mais apreciado em zonas rurais em detrimento da pouca procura por consumidores com um perfil mais urbano à época.

A aplicabilidade de motores Diesel rústicos com pouca potência em veículos particulares se mostrava coerente diante da realidade brasileira ao olharmos outro exemplo na linha Volkswagen, no caso das adaptações de cabine dupla na Saveiro quadrada que eram até mais comuns em exemplares equipados com o mesmo motor 1.6D de 50cv usado na Kombi Diesel. Paradoxalmente, esse mesmo motor não foi muito bem-sucedido na Kombi devido à refrigeração um tanto deficiente, tanto que por um bom tempo após o fim da produção das versões Diesel a Kombi permaneceu valendo-se somente do antigo boxer refrigerado a ar nas versões a gasolina e álcool/etanol mesmo diante da concorrência que surgiu no mercado brasileiro durante a reabertura das importações no início da década de '90, motivando entre poucas alterações a tardia adoção da porta lateral corrediça e da tampa traseira mais larga. E por mais que o motor Volkswagen 1.6D tenha sofrido não apenas com a bomba d'água subdimensionada que levava à formação de um calço de vapor no cabeçote devido à baixa pressão da recirculação da água.

No caso da Kombi, nem mesmo a troca do motor boxer refrigerado a ar por um "flex" com 4 cilindros em linha e refrigeração líquida em 2006 visando atender à norma equivalente à Euro-3 teria servido de pretexto para a Volkswagen oferecer novamente ao menos uma opção de motor Diesel. Porém, ao lembrarmos que o motor 1.9 SDI de 64cv já era produzido no Brasil e usado em versões destinadas à exportação em modelos como o Golf de 4ª geração, ainda poderia ter feito algum sentido oferecê-lo também na Kombi para atender ao mercado brasileiro e assim eliminar uma desvantagem que tinha diante de utilitários mais modernos na visão de uma parte considerável do público que eventualmente não aceitasse recorrer ao gás natural como um paliativo para compensar o alto custo da gasolina e/ou a sazonalidade do etanol. Em que pese o custo mais elevado normalmente associado à opção pelo motor Diesel, e que o projeto rústico da Kombi fizesse qualquer eventual incremento no preço inicial tomar uma proporção mais significativa, naturalmente o aspecto meramente utilitário permaneceria convidativo. Já no caso de um carro que no mercado brasileiro foi considerado "de playboy" como costuma ocorrer com todas as gerações do Golf, embora tal situação não viesse a ser um impedimento para atrair também uma parcela do público mais conservadora e que já se daria por satisfeita com as versões de desempenho mais modesto, não seria nenhuma surpresa uma eventual preferência pelas versões TDI se fosse permitida a oferta de motores Diesel para o Golf no mercado interno.

Naturalmente, além de eventuais preferências mais subjetivas, outros fatores como o enquadramento em diferentes normas de emissões de acordo com os mercados onde estivessem inseridos e alíquotas de impostos menos punitivas a faixas de cilindrada mais altas também contribuíam para favorecer os motores de projeto mais rústico. Um bom exemplo dessa situação foi o uso do motor DW8 de 1.9L e 69cv não só num modelo médio como o Peugeot 306 mas também no compacto 206 nas versões feitas na Argentina. Enquanto no 306 esse motor substituiu apenas a versão naturalmente aspirada do XUD9 de 1.9L (1905cc contra 1868cc do DW8), ao passo que quem não abria mão do turbo se via obrigado a passar para o DW10 de 2.0L que também já incorporava injeção direta do tipo common-rail, no 206 o fogo amigo partia não só do DW10, mas ainda dos pequenos DV4 de 1.4L com potências entre 55 e 68cv e do DV6 de 1.6L que vai de 75 a 120cv e passaram a ser favorecidos na Europa. Hoje, em países onde não há restrições pelas capacidades de carga, passageiros ou tração para autorizar o uso do Diesel em veículos, é até possível encontrar modelos tão diversos quanto o compacto 208 e o furgão médio Expert fazendo uso do mesmo motor, no caso o DV6 que ao incorporar o filtro de material particulado passou a enquadrar-se nas normas Euro-5 e mais recentemente com a inclusão do sistema SCR (ARLA-32/AdBlue) já é oferecido com certificação Euro-6.

Por mais que a modernidade tenha viabilizado a produção de motores turbodiesel na faixa de 800cc pequenos o bastante para servir a modelos como o Smart Fortwo e o Suzuki Celerio mas com desempenho suficiente para dar conta de carros de tamanho mais convencional, não deixa de ser no mínimo intrigante que esses mesmos avanços não tenham sido aplicados também para atender a quem não dá tanta importância à obsessão por alta potência. E apesar da presença não só do turbo mas também da eletrônica e de dispositivos de controle de emissões causarem um impacto no preço inicial, características como a menor quantidade de cilindros nos motores que o Smart (3 cilindros) e o Celerio (2 cilindros) usaram nas respectivas versões turbodiesel não deixam de ser interessantes sob o ponto de vista da redução do custo de produção ao requerer menos peças e também uma menor quantidade de matérias-primas. Enfim, a busca por potência não é o único fator que tem afastado o Diesel de uma parte do público mundo afora, mas não deixa de ser relevante nesse sentido.

7 comentários:

  1. Se quem compra carro novo não estivesse mais preocupado em "ostentar", e se o governo não fosse tão estúpido a ponto de balizar a cobrança de imposto só pela cilindrada, eu até acho que seria mais fácil vender carros com uma potência (pelo menos declarada) menor e que tivessem mais força em baixo giro, com diferencial mais longo para economizar combustível. Duro seria aguentar as fábricas tentando vender motor velho até onde for possível. Já pensou a Chevrolet tentando enfiar um motor de Opala 2.5 modernizado no Cruze novo?

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    1. No da atual geração não, mas no antigo eu já cheguei a especular sobre isso. Até porque no exterior chegaram a ser feitos modelos de tração dianteira com o motor Iron Duke montado em posição transversal, como o Chevrolet Celebrity e a 1ª geração do Chevrolet Lumina (o sedan, não a minivan Lumina APV que só usou motores V6 mesmo).

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  2. Estoy de acuerdo contigo, pero las normativas de emisiones ahora también son un problema. Aún que se pueda llevar un motor más chico, el costo de los catalíticos y del turbo no se va a bajar mucho de lo que se va a llevar un motor más grande.

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    1. O problema é complexo mesmo, mas para quem ainda aprecia o Diesel pelo aspecto essencialmente utilitário até poderia fazer sentido manter opções de motores menores.

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  3. Faz sentido. Pode ver que na Europa às vezes um mesmo motor que no Brasil é vendido só numa calibração de potência chega a ter no mínimo duas ou 3 diferentes.

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  4. Realmente hoje tem muita gente chorando de barriga cheia quando reclama que algum carro não tem potência. Eu encararia bem tranquilo um Xsara com esse motor 1.5 a diesel.

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  5. Hoje tem muito carro popular que tem mais potência que carros antigos maiores, mas parecem mais amarrados.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html