domingo, 26 de agosto de 2018

Faixas de rotação de potência e torque: diferenças que se fazem notar no desempenho

Às vezes, motores com uma concepção muito distinta podem ter um desempenho até muito parecido em condições reais de uso, mesmo que os valores de potência e torque apresentem diferenças também muito significativas. Um dos motivos para isso está nas faixas de rotação de potência e torque, desde que seja considerada uma compensação nas relações de marcha para tentar manter a multiplicação do torque num parâmetro próximo. Apenas para tentar exemplificar, tomando como referência a Honda CBX 250 Twister (modelo antigo) e o Fusca 1200, o torque de 2,48kgfm a 6000 RPM na moto pode ser comparado aos 7,7kgfm a 2000 RPM do eterno pioneiro dentre os carros populares brasileiros. É natural que cause alguma estranheza mas, se as relações de marcha fossem exatamente as mesmas (o que já seria descartado até pelo fato da Twister ter um câmbio de 6 marchas contra 4 do Fusca), o uso de uma redução intermediária de 3:1 faria com que o pico de torque com o motor da Twister passasse a equivaler a um motor teórico que desenvolvesse 7,44kgfm a 2000 RPM. Apesar do Fusca ainda se manter em vantagem por 0,26kgfm nessa comparação, a teoria é simples e ao menos na aceleração o desempenho seria bastante próximo.
Claro, há de se levar em consideração também a faixa de rotação do pico de potência, e nesse caso a relação entre essas faixas é da ordem de 2,567:1 entre os 36cv a 3700 RPM do Fusca 1200 e os 24cv a 9500 RPM da Twister. Mantendo a mesma redução intermediária de 3:1 que teria como prioridade a entrega do torque, seria como se com o motor original do Fusca a 3166 RPM um eventual similar que fosse adaptado com o motor da moto já não tivesse o mesmo fôlego. Apesar da Twister originalmente ter a ignição programada para limitar a rotação do motor a 11000 RPM, manter a relação de 3:1 seria como competir com um Fusca às 3666 RPM mas ainda assim não seria tão vantajoso ao ter em conta que nesse regime o Fusca ainda teria uma pequena reserva de potência enquanto na Twister está já teria entrado numa curva descendente após ultrapassar o valor máximo. Apesar do exemplo usado ser meramente ilustrativo, desconsiderando aspectos como o câmbio da moto ser integrado ao cárter do motor e ficar portanto mais difícil de substituir por um mais adequado às especificidades da aplicação automotiva pode-se chegar à conclusão que de fato não é impossível alcançar médias de desempenho bastante próximas recorrendo a motores com especificações muito divergentes.

Devo confessar que, durante uma fase da minha vida em que eu dava menos importância à proposta de uma liberação do Diesel, cheguei a acreditar que pudesse até ser boa idéia tentar usar um motor de moto de 250cc num buggy, tendo em vista fatores como o tamanho mais compacto que o do motor de Fusca normalmente usado nesse tipo de veículo e a expectativa exagerada por uma eventual redução do consumo de combustível que pudesse ser alcançada. Diante da falta de perspectivas claras quanto ao fim das restrições ao Diesel para veículos que fujam à definição de "utilitários" hoje em vigor no Brasil, a idéia de um buggy com motor de moto não é algo que eu já desconsidere totalmente, até porque continuo gostando de buggy apesar do temor quanto à vulnerabilidade das capotas de lona que se usa normalmente neles se tornar um inconveniente caso viesse a ter um como único veículo que me atendesse no dia-a-dia. Não pretendo entrar no mérito da discussão em torno da disponibilidade de peças para manter um motor de Fusca sem gambiarras, muito menos na discussão sobre substituir por um motor mais moderno com refrigeração líquida, que também já seria outro bom pretexto para tratar da aparente obsessão pela potência que se observa hoje no mercado automobilístico e a meu ver tem fomentado críticas exageradas e muito superficiais aos projetos antigos.


Do mesmo jeito que se observa como uma variação substancial entre as especificações nos motores de ignição por faísca podem ser menos relevantes em condições reais de uso, o mesmo já não se pode dizer quando a comparação é com o Diesel. Um caso emblemático é do Fiat Uno, cuja variedade de motores incluiu opções diversas de acordo com o mercado como os primeiros Mille brasileiros. À primeira vista pode parecer que diante dos motores Diesel "de trator" antigos até os modestos 48,5cv a 5700 RPM e o torque de 7,4kgfm a 3000 RPM conseguiriam fazer milagre diante de uma eventual comparação com o 1.3 Diesel de 45cv a 5000 RPM e 7,6kgfm a 3000 RPM que teve uma presença mais significativa nos mercados de exportação regional. Apesar da diferença pouco maior de 30% nas respectivas cilindradas, com 1301cc para o 1.3D e 994cc para o Mille durante a época que foi usado o motor Fiasa (passou a 999cc com o Fire), já levando em conta que os motores Diesel antigos eram bem mais rústicos, os picos de torque no mesmo regime de rotação já indicam que o Mille estava em desvantagem nesse aspecto ainda que por uma margem estreita. E mesmo o pico de potência num regime de rotação 14% mais alto resultava num aumento de potência mais próximo de meros 7%, de modo que em condições reais de uso o Mille estaria longe de ser efetivamente melhor.

Outro exemplo que poderia ser considerado, dessa vez da Volkswagen, é o Gol 1000 quadrado. Com a potência de 50cv a 5800 RPM e o torque de 7,3kgfm a 3500 RPM no motor CHT/AE que foi usado nessa versão, a comparação óbvia seria com o motor EA827 1.6D que também desenvolvia 50cv mas a só 4500 RPM e torque de 9,5kgfm a 3000 RPM que fez muito sucesso em países como a Argentina além de ter sido usado na Kombi Diesel e muito popular para adaptações na Saveiro no Brasil durante um breve período em que foi relaxada a exigência de capacidade de carga de uma tonelada para as pick-ups. Considerando que o motor 1.6D pudesse ser regularizado num Gol no Brasil, caso a relação final de transmissão fosse alongada em 16% para tentar compensar a diferença dos regimes de pico de torque, seria como se entregasse 8,1kgfm a 3480 RPM e portanto o motor Diesel permaneceria sendo mais vantajoso. Já no tocante às faixas de rotação de pico de potência, a diferença de pouco mais de 28,8% seria como se o 1.6D entregasse 64cv a 5800 RPM com esse fator de compensação, embora com a mesma compensação de 16% aplicada ao torque para não prejudicar o desempenho em aclive ou condições de carga mais pesada seria como 58cv a 5220 RPM. Mais uma vez, o brasileiro foi sabotado pelos burocratas do nosso próprio país, e isso para não entrar no mérito da possibilidade de usar óleos vegetais como combustível alternativo sem maiores intercorrências por conta da injeção indireta que o motor de Kombi Diesel usa.

Na prática, potência e torque isoladamente não servem para definir qual motor seria efetivamente o melhor sem considerar as especificidades de cada aplicação, nem a adaptabilidade a combustíveis alternativos quando desejável. Também não sobram dúvidas que as faixas úteis de rotação de cada motor influem, junto com um correto escalonamento das relações de marcha e de diferencial, para que tanto a potência mas principalmente o torque possam ser aproveitados da forma mais eficiente possível. No caso de motores Diesel, que antes da massificação do turbo ainda eram constantemente apontados como muito "amarrados" numa comparação direta a similares de ignição por faísca, o torque mais farto a baixas rotações já pode proporcionar acelerações satisfatórias, mas não se pode negar que a faixa de rotações normalmente mais estreita foi durante muitos anos um empecilho para a velocidade máxima. Enfim, por mais difícil que seja a procura por um motor equilibrado para atender às necessidades ou preferências de cada operador, é indispensável compreender como os picos de potência e torque podem influenciar no resultado final.

10 comentários:

  1. Um buggy com motor de moto até pode ficar interessante, mas eu usaria motor de 600cc no mínimo.

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    1. Na verdade o motor que eu tinha vontade de usar num buggy com motor de moto seria o da Hornet 250 japonesa, não o da Twister.

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  2. Interesantes tus observaciones. Quizás así se va a quedar más facil decir a la gente las ventajas del Diesel.

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    1. O problema é ser cobrado imposto pela cilindrada dos motores, e nisso os Diesel antigos levavam desvantagem. Afinal de contas, apesar do torque em baixa rotação, não "esticavam" tanto giro e tinham que compensar na relação de marcha para poder ter mais velocidade final às custas da agilidade nas arrancadas e retomadas.

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  3. Motor de moto num buggy pode até valer a pena, mas eu tentaria o motor de uma dessas mais novas de 2 cilindros com radiador como a Yamaha MT-03.

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  4. Mas motor de moto num carro é bom mesmo?

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    1. Pode não ser, em função das diferenças entre as faixas de rotação e as relações peso/potência e peso/torque.

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  5. Motor de 1 cilindro num carro eu nunca vi

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  6. Um tempo atrás depois que um primo meu levou um capote de moto, com uma Falcon, eu até fiquei tentado a comprar a sucata e tentar adaptar o motor num minibuggy só para zoar com a minha filha na praia. Mas em carro de verdade eu não achava que podia funcionar.

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  7. Faz algum sentido mesmo, mas eu não consigo imaginar um carro normal funcionando de forma satisfatória com motor de moto.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html