sexta-feira, 2 de julho de 2021

Motor e tração traseiros: característica que para alguns operadores ainda pode ser mais desejável até que a tração 4X4

Não dá para negar a importância que a disposição do motor e o sistema de tração podem favorecer mais um determinado veículo em função de alguma condição operacional específica, e um exemplo bastante conhecido é o do Fusca que com motor e tração traseiros conquistou o público generalista no Brasil em outras épocas, mantendo-se até o dia de hoje como uma das referências de maior sucesso entre os carros populares. Lembrado pela aptidão para trafegar por terrenos severos sob as mais diversas condições de carga, tendo em vista que a concentração de peso permanecia mais próxima ao eixo motriz, chegava a se manter competitivo mesmo diante de veículos com tração 4X4 que invariavelmente apresentam uma configuração mais complexa que se refletia nos custos de manutenção e operação. Em que pese o Fusca propriamente dito não encontrar um cenário regulatório tão favorável para ter a produção retomada, não convém ignorar como a disposição de motor traseiro ainda poderia ser apreciada em veículos modernos que pudessem atender ao público generalista.

Mesmo que o Fusca acabe sendo o mais icônico entre os modelos Volkswagen de motor traseiro, outros como a Variant também são igualmente dignos de nota e tiveram seus dias de glória exatamente devido à configuração mecânica que favorecia a trafegabilidade em trechos mais difíceis sem interferências da carga a bordo. Por mais que no caso da Variant uma intrusão do compartimento do motor no habitáculo pareça comprometer em demasia a capacidade volumétrica do bagageiro principal, bem como o volume da suspensão dianteira por barras de torção também impactar o espaço disponível no bagageiro auxiliar dianteiro, a configuração de motor e tração traseiros permaneceu relevante na década de '70 embora já fosse perdendo espaço na década de '80 à medida que na própria linha Volkswagen prevaleciam o motor e tração dianteiros em modelos como a Parati. Considerando as propostas até bastante assemelhadas em que pesem diferenças entre os respectivos projetos que não se limitam à posição do motor, não deixa de ser pertinente observar que modelos como a Variant tenham praticamente sumido em regiões mais urbanizadas, com muitas sendo usadas à exaustão pelo interior na mesma proporção que modelos com tração dianteira levaram mais tempo para ganhar a confiança do público rural.

Considerando ainda aquelas peculiaridades do mercado automobilístico brasileiro nos anos '80 em meio às restrições à importação de veículos, bem como uma tributação menos desfavorável às caminhonetes durante a "era Sarney", convém recordar o caso emblemático da Polauto Look, que era algo como uma "réplica" da Saveiro feita em fibra de vidro sempre com cabine dupla montada sobre o chassi de algum Volkswagen ainda com o motor e tração traseiros. Mesmo que possa ser hoje um tanto subestimada sob as atuais perspectivas, desde a consolidação da tração dianteira em modelos de entrada até a atual força das pick-ups compactas junto ao público generalista ter levado os principais fabricantes a oferecerem a cabine dupla direto de fábrica, não deixa de ser peculiar por ter conciliado a tradição da configuração de motor e tração traseiros do Fusca a um desenho mais de acordo com o que predominava entre a década de '80 e princípios da década de '90. E por mais que não se possa ignorar a intrusão do motor onde seria o compartimento de carga até quando se usava o motor com refrigeração axial da Variant que tinha uma altura menor por não apresentar a "capelinha" igual à do Fusca, e o aumento da altura do assoalho nessa área dificultar operações de carga e descarga em alguns momentos, não deixava de ter a funcionalidade que se esperava do Fusca e derivados em condições de rodagem severas que não eram consideradas as mais favoráveis a concorrentes de tração dianteira.

Naturalmente, um veículo com tração 4X4 pode ter seus méritos e atender às condições de rodagem das zonas rurais e periferias, apesar da classificação arbitrária como "utilitário" em função das capacidades de carga e passageiros ou tração (sendo essa última aplicável a jipes) desencorajar uma oferta de opções aptas ao enquadramento na igualmente distorcida categorização de "populares" baseada na cilindrada. É interessante observar o caso do Suzuki Jimny, que no Brasil teve uma sobrevida para a geração anterior como o jipe 0km de concepção tradicional pelo menor preço da categoria no país, embora a alíquota de IPI aplicável aos utilitários não fazendo distinção por faixas de cilindrada como nos automóveis acabe por inviabilizar uma abordagem semelhante à que permanece em vigor no Japão, onde qualquer veículo enquadrado tanto nos limites de cilindrada (até 660cc) e potência (máximo de 64cv) quanto dimensões externas (até 3,40m de comprimento, 1,48m de largura e 2 metros de altura) é beneficiado pelas normas que definem a categoria kei. Ainda assim, o conservadorismo de grande parte do público generalista no Brasil fomenta uma preferência por veículos mais modestos e não tão "especializados", e portanto seria desejável considerar uma configuração que viabilize a trafegabilidade em condições de terreno adversas com uma menor interferência do peso de passageiros e bagagens ou carga.

A atual predominância da tração dianteira em veículos compactos de categorias tão distintas quanto dos hatches generalistas ou das pick-ups compactas, tomando por referência o Fiat Argo cujas versões com motor 1.0 são enquadradas no segmento dos "populares" e a Fiat Strada que tem se mantido como líder do mercado brasileiro entre os veículos comerciais, até inspira questionamentos referentes à aptidão dos modelos ao enfrentamento de condições de rodagem mais severas longe dos trechos pavimentados. Não se pode ignorar no entanto a influência dos controles de tração e estabilidade presentes em grande parte dos carros e utilitários de projeto mais recente à venda no Brasil sobre a dirigibilidade, embora não seja realista negar os efeitos da lotação sobre a concentração de peso entre os eixos, que é naturalmente mais crítica para os veículos de motor e tração dianteiros, à medida que vai se aproximando da capacidade de carga máxima. Tal situação parece irrelevante para o público generalista hoje majoritariamente urbano, mas vale salientar como não impediu a atual geração de pick-ups compactas também atrair operadores comerciais em função do custo menor em comparação a modelos de porte maior e tração 4X4.

A favor da viabilidade técnica da configuração de motor e tração traseiros em veículos modernos, cabe destacar o exemplo do Porsche 911 da atual geração (992), que apesar da proposta mais especializada de um esportivo puro-sangue preserva o layout da carroceria mais semelhante ao de gerações anteriores da mesma linha sem impedir concessões à modernidade que incluem até mesmo a tração 4X4 integral para versões mais sofisticadas. Também é inevitável uma série de comparações entre o 911 e o Fusca, destacando-se o efeito da posição do motor traseiro na distribuição de peso entre os eixos que no caso do 911 acaba sendo alvo de críticas mais veementes dadas as condições de uso específicas de esportivos em circuitos fechados durante competições ou track-days, onde reações mais equilibradas atribuídas aos concorrentes de motor central-dianteiro ou central-traseiro (e até a outros Porsches que abdicaram dessa tradição do motor traseiro). Naturalmente, mesmo que o maior expoente atual dessa configuração esteja distante das necessidades do público generalista, não deixa de ser um exemplo da viabilidade técnica e conciliação entre modernidade e uma configuração bastante peculiar, que a bem da verdade seria capaz de servir até mais efetivamente usuários de modelos com uma concepção mais modesta aptos a trafegar por trechos mais severos onde um Porsche 911 que não esteja extensamente modificado jamais chegaria perto.

A atual moda de SUV, mesmo que alguns modelos como o Nissan Kicks sejam oferecidos somente com tração dianteira e abdiquem daquela proposta essencialmente utilitária para assumirem uma proposta de conforto na cidade e na estrada, o compartilhamento numa maior proporção de componentes e sistemas com veículos de um perfil mais tradicional como sedans compactos a exemplo da geração mais recente do Nissan Versa acaba ditando a prevalência da tração dianteira em nome da redução de custos através da economia de escala. Tendo em vista que a favor dos SUVs junto ao público generalista e também em segmentos como o dos táxis a imagem de maior robustez e resiliência diante da má conservação de vias públicas que podem ser atribuídas principalmente à altura, mesmo que não apresentem aptidão off-road comparável a veículos 4X4 efetivamente preparados para enfrentar condições de rodagem severas, até seria mais plausível que houvesse alguma presença da configuração de motor traseiro nessa categoria. É até certo ponto surpreendente como a possibilidade de proporcionar uma maior diferenciação entre os SUVs e modelos mais generalistas, sem ter que partir para o custo e complexidade da tração 4X4, acaba sendo subestimada pelos principais fabricantes de veículos.

À medida que a tração 4X4 ganha contornos de prestígio que posicionam esse recurso como um item de luxo, e até nomes tradicionais como o do Land Rover Defender incorporem uma sofisticação que antes soaria como ficção científica em detrimento de uma proposta tradicional e essencialmente utilitária que remonta à época do Land Rover Série 1, até faria mais sentido observar uma desvirtuação da proposta de classificar utilitários pelas capacidades de carga e passageiros ou tração para fins de homologação de versões com motor Diesel no Brasil. Em que pese o fato de algumas condições operacionais realmente favorecerem o recurso à tração nas 4 rodas, é compreensível que o custo e a complexidade afastem uma parte considerável de operadores profissionais, podendo até ser feita uma alusão à forma como o Gurgel Xavante mesmo baseado no layout mecânico do Fusca acabou pressionando a Ford a descontinuar a produção do Jeep CJ-5 no Brasil. Enfim, não dá para negar que motor e tração traseiros chegam a ser mais desejáveis para alguns operadores que a tração 4X4.

Um comentário:

  1. É, se ainda dá certo para o Porsche, também podia dar certo para um novo Fusca.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
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