quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Breve reflexão sobre a modularidade

De embarcações a máquinas agrícolas, uma grande variedade de aplicações especiais gera demanda por motores Diesel com alguma configuração nem sempre apreciada pelo público generalista no segmento veicular, desde uma quantidade menor de cilindros em comparação ao que seria esperado pela faixa de cilindrada até o comando de válvulas no bloco com sincronização por engrenagens. Também é digno de nota que algumas diferenças nas faixas de rotação, bem como a eventual ausência do turbocompressor, podem levar ao uso de motores com cilindrada maior que a observada em automóveis em países onde o Diesel é permitido sem distinções por capacidade de carga e passageiros ou tração, sem significar uma "inferioridade" técnica que inviabilize a adequação de um projeto mais rústico até a um eventual uso de um motor "de barco" ou "de trator" num carro ou utilitário leve. Naturalmente seria difícil prescindir do turbo hoje até em função das normas de emissões, bem como outros dispositivos como filtro de material particulado (DPF) e até SCR já constam entre as características técnicas de alguns motores fornecidos por fabricantes especializados que atendem ao outsourcing, e portanto a modularidade que permite a um mesmo projeto ir desde motores de 1 ou 2 cilindros mais adequados a um barco de pesca artesanal ou à propulsão auxiliar de um veleiro até motores entre 3 e 6 cilindros "de trator" que também serviram aos primeiros passos rumo à "dieselização" do transporte rodoviário em alguns países como o Brasil.
Pode-se até considerar um precedente histórico um uso anterior de motores Perkins tanto nos tratores Massey Ferguson quanto em caminhonetes Chevrolet brasileiras, tendo em vista a economia de escala proporcionada pela relativa facilidade de adequar um mesmo motor antes considerado essencialmente agrícola às condições de uso veicular, em que pesem as acentuadas diferenças entre regimes de rotação dos motores Diesel comparados a um de ignição por faísca. Mesmo com motores "de trator" parecendo no mínimo menos "refinados" que um motor especificamente desenvolvido para fins automotivos, cabe salientar que os princípios de funcionamento acabavam sendo basicamente idênticos, e por incrível que pareça no caso do Brasil uma consolidação da injeção direta já entre as décadas de '70 e '80 em motores fornecidos por especialistas como a própria Perkins ou a MWM acabava contrastando com a insistência da General Motors em usar a injeção indireta em motores Diesel para automóveis e utilitários leves até nos Estados Unidos. Naturalmente há de se considerar algumas peculiaridades que diferenciam sistemas de injeção indireta e injeção direta, com o primeiro às vezes tendo uma partida a frio mais problemática mas respondendo melhor ao uso direto de óleos vegetais brutos como combustível alternativo, enquanto a injeção direta costuma ter a partida a frio apontada como mais fácil mas acabava sendo mais sensível a algumas inconsistências na qualidade do combustível em função do processo de combustão dispensar as pré-câmaras de injeção que facilitavam uma vaporização mais completa do combustível mesmo que a densidade e o teor de enxofre fossem mais elevados.

Outro precedente interessante com relação à linha Chevrolet é o caso do motor MDE, que em alguns países chegou a equipar opcionalmente a geração anterior do Tracker, e compartilha um mesmo projeto básico com o LM2 de 6 cilindros em linha usado na Chevrolet Silverado 1500 desde 2019, ressaltando a viabilidade que a modularidade ainda pode ter para adequar a oferta de motores turbodiesel modernos em diferentes segmentos diante de condições um tanto desafiadoras como manter o enquadramento às normas de emissões mais restritivas. Embora no Tracker o motor MDE tenha sido oferecido somente na configuração um tanto conservadora com 4 cilindros e 1.6L apresentando diâmetro e curso dos pistões de 79,7mm e 80,1mm respectivamente, menos subquadrado que versões de 1.5L com 3 cilindros e 2.0L com 4 cilindros ainda feitas sob licença pela Stellantis para uso em modelos Opel com diâmetro e curso de 84mm e 90mm idênticos ao LM2 da Silverado, bem como o recurso a características incluindo bloco e cabeçote em alumínio com duplo comando de válvulas sincronizado por corrente, até chama a atenção que a corrente seja montada no mesmo lado que fica o volante do motor ao invés do lado oposto como é mais comum tanto a motores com corrente quanto com correia dentada. Naturalmente convém recordar como a incidência de impostos atrelada à cilindrada tem sido mais rigorosa no tocante a motores Diesel em algumas categorias de veículos na Europa, a ponto de terem sido implementadas medidas diferentes para o diâmetro e o curso na configuração com 4 cilindros, enquanto a solução dos 3 cilindros que ainda poderia ter sido melhor aproveitada na linha Chevrolet para manter a competitividade junto a mercados internacionais e aproveitar a economia de escala acaba sendo um tanto ignorada mesmo diante de uma consolidação de SUVs e pick-ups nas linhas americana e canadense da Chevrolet enquanto nos carros a excessiva interferência chinesa através da joint-venture com a SAIC prioriza a ignição por faísca.

Considerando tanto um eventual nivelamento dos custos iniciais comparando a um motor de 3 cilindros como os de 1.0L aspirados ou turbo flex usados no Chevrolet Onix Plus brasileiro ou aspirado de 1.2L a gasolina restrito à exportação quanto a viabilidade de adaptação a veículos mais especializados como o Suzuki Jimny equipado com motores somente a gasolina de aspiração natural e 4 cilindros e oferecendo um de 3 cilindros e turbo exclusivo para o Japão, até que um hipotético motor "de barco" com apenas 2 cilindros derivando de um projeto modular poderia cair como uma luva, e indo além do outsourcing já é justificável apontar precedentes históricos. Em que pesem as recentes oscilações no preço do óleo diesel em decorrência da guerra entre Rússia e Ucrânia, que desencorajariam até alguns operadores comerciais como taxistas caso fossem livres para optar por um motor turbodiesel no Brasil ou ainda alguns jipeiros preferindo apelar à austeridade de determinados motores aspirados de ignição por faísca em contraste com a crescente complexidade dos sistemas de pós-tratamento de emissões aplicados aos turbodiesel, é pertinente destacar que em outras regiões um preço menos favorável do óleo diesel convencional nunca foi uma pá de cal sobre a preferência de alguns operadores por motores Diesel. Enfim, diante de fatores que vão desde aspectos estritamente técnicos até circunstâncias políticas ou bélicas, a modularidade e a intercambialidade de peças entre motores destinados a segmentos distintos pode "salvar" o Diesel...

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html