quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Breve reflexão sobre o Gurgel BR-800 e a heterogeneidade do público-alvo de carros "populares"

Com o reaquecimento das discussões em torno do conceito a bem da verdade defasado do que seria um carro "popular", é natural que surjam questionamentos quanto à possibilidade de atender a públicos com uma diversidade de condições operacionais tão somente com uma canetada, e um exemplo emblemático como o Gurgel BR-800 naturalmente é lembrado quando se discute o preço de tabela como parâmetro a ser privilegiado no âmbito político. Além de hoje a carroceria com somente duas portas ser rejeitada por quase todos os eventuais interessados no que seria um carro popular modernizado, considerando ainda a possibilidade de usar um modelo com 4 portas nos serviços de transporte por aplicativo e também como táxi em cidades onde hatches sigam permitidos para tal finalidade, uma série de desafios mais de ordem técnica que política devem ser destacados, e a rejeição de Amaral Gurgel ao ProÁlcool também merece uma menção tendo em vista a atual hegemonia dos motores flex no Brasil também em outros segmentos cuja percepção de valor agregado é maior em comparação a hatches de entrada. Quanto à diversidade, o Gurgel BR-800 ter contemplado no projeto desde a manobrabilidade em espaços mais exíguos dentro da cidade até uma capacidade de incursão off-road moderada e comparável à que se observava na linha antiga da Volkswagen que se valia de motor e tração traseiros é outro aspecto que merece um destaque.

Naturalmente pode parecer desejável que um pequeno agricultor recorresse a uma caminhonete ou SUV de tração nas 4 rodas, até para eventualmente racionalizar o uso de um combustível compartilhado com tratores e outros maquinários agrícolas especializados valendo-se do óleo diesel convencional fornecido por um transportador revendedor retalhista (TRR) que faça entregas diretamente na propriedade rural, e talvez experiências com o biodiesel ou outro combustível renovável ficassem também mais tentadoras, mas tal aspecto já evidencia que mesmo um carro pequeno pode tanto representar uma maior liberdade de locomoção quanto ser um bem de capital e favorecer a eficiência de uma atividade laboral. E apesar do álcool/etanol ou mais recentemente o biometano talvez conseguirem um destaque maior em meio às propostas de uma "neutralização de carbono" que chega a beirar a paranóia em alguns momentos, além de poderem ser implementados em motores de ignição por faísca sem tantas intercorrências em função de incompatibilidades com alguns dispositivos de controle de emissões que tem causado incômodos a operadores de veículos com motor Diesel como o filtro de material particulado (DPF) diante de alguma alteração nas especificações do combustível, o fato da tração simples (traseira nesse caso específico do Gurgel BR-800, até por influência da Volkswagen que por décadas priorizou tal característica) nunca ter sido exatamente um empecilho ao desenvolvimento de veículos aptos a servir à população do campo já expõe uma incoerência em se manter restrições ao uso de motores Diesel atreladas às capacidades de carga e passageiros ou tração. Por mais que o Gurgel BR-800 fosse imbuído de um patriotismo que até motivou as primeiras apresentações oficiais a serem no desfile cívico-militar do Dia da Independência em 1987 em Brasília, com o lançamento ocorrendo no ano seguinte e uma tributação diferenciada que foi instituída no governo Sarney especificamente para fomentar o projeto, eventualmente um jipino que se valesse do mesmo conjunto mecânico de forma análoga a como outros modelos Gurgel se valiam de conjuntos mecânicos da Volkswagen, e fosse direcionado mais explicitamente a funções utilitárias, seria o caso até de considerar uma possibilidade de oferecer a opção por motores Diesel mesmo com tração simples, ao contrário de uma desvirtuação do conceito de utilitário à medida que caminhonetes e SUVs de luxo passavam a ser usados como veículo de luxo tão somente por valer-se de motores Diesel.

Até uma concorrência mais acirrada com as motos ao longo das últimas décadas, à qual pode-se atribuir em parte uma influência das restrições ao uso de motores Diesel que acaba por motivar uma procura por veículos inerentemente mais simples e econômicos no intuito de reduzir o custo operacional total, ainda que possa ser considerada um mero paliativo e também um reflexo do aumento nos preços de carros em função da inclusão de equipamentos de segurança como airbags e freios ABS enquanto motos até 250cc podem ser comercializadas sem ABS, denotam que o público a ser buscado por um carro popular hoje é bem mais desafiador que na época do Gurgel BR-800 por exemplo. Mudanças nas regulamentações que balizavam o segmento, como o fim da inclusão de utilitários em meados da década de '90, acabaram por dificultar ainda mais a efetividade que um programa de carros populares poderia ter para atender a uma parte mais significativa do público brasileiro, tanto nos grandes centros urbanos quanto pelo interior, e a falta de uma visão a longo prazo que contemple desde aspectos técnicos dos veículos quanto a eventual busca por uma renovação da matriz energética que se mantenha bem articulada com as necessidades e preferências dos operadores também constituem um problema. Enfim, considerando até mesmo um uso mais racional de recursos energéticos que poderia ter algum fomento caso motores inerentemente mais eficientes fossem aplicáveis a veículos com conjuntos de transmissão mais simples e com menos atritos internos e peso que o sistema de uma caminhonete 4X4, o já desacreditado conceito de carro "popular" até poderia ter uma contribuição ainda mais relevante para o Brasil atual.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html