terça-feira, 1 de setembro de 2015

Uma reflexão sobre o PDS 84/2015

Ganhou uma grande repercussão nas redes sociais durante a semana passada um projeto protocolado pelo senador Benedito de Lira (PP-AL), também conhecido nas Alagoas como "Biu", com objetivo de sustar atos do Poder Executivo que restringem o direito ao uso de motores Diesel em veículos leves, mais especificamente a Portaria 23/1994 do extinto Departamento Nacional de Combustíveis do Ministério de Minas e Energia. No entanto, o Projeto de Decreto Legislativo do Senado nº 84 de 2015 está parado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aguardando designação do relator desde o dia 30 de abril.

De acordo com o autor do projeto, que antes de ser eleito senador já exercia a advocacia, a proibição ao uso de óleo diesel como combustível para veículos que não sejam dotados de tração 4X4 com caixa de transferência de múltipla velocidade (a popular "reduzida") e que tenham capacidade de carga inferior a uma tonelada e acomodações para menos de 9 passageiros além do motorista é ilegal, visto que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo que não esteja previsto em Lei, e a Portaria 23/94 não tem força de Lei. Sob o aspecto da técnica jurídica, a argumentação apresentada pelo senador Benedito de Lira é plausível e de fato reacende esperanças em torno de um fim das absurdas restrições ao Diesel.

Uma das principais motivações por trás do PDS 84/2015 é servir de incentivo ao desenvolvimento do biodiesel no mercado brasileiro, que viria a ser favorecido por um incremento na escala de produção de forma semelhante à que ocorreu com o etanol durante o ProÁlcool quando os fabricantes instalados localmente passaram a oferecer regularmente veículos movidos a álcool etílico hidratado. É conveniente recordar que a produção de matérias-primas destinadas ao biodiesel pode servir também como pretexto para requalificação, revitalização e estabilização biológica de áreas degradadas, e a rusticidade de algumas plantas oleaginosas como a polêmica mamona se mostra adaptável a condições ambientais severas como as encontradas no semi-árido nordestino.

Também vale mencionar a viabilidade de uma maior descentralização na produção do biodiesel, mediante o uso de matérias-primas mais diversificadas e adequadas às distintas realidades regionais do país, aproveitando também alguns recursos que hoje são subestimados pelo setor agroenergético. Apenas por referência, o pequi, fruto típico do cerrado, pode render até 5 vezes mais óleo por hectare cultivado em comparação com a soja, que atualmente é a matéria-prima predominante para o biodiesel brasileiro. É possível também consorciar o cultivo de vegetais energéticos com o de alimentos, de modo que a expansão de fronteiras agrícolas não se faça tão necessária e a segurança alimentar não seja comprometida tão severamente quanto alegam os críticos dos biocombustíveis.

Mesmo alguns resíduos do beneficiamento industrial de gêneros alimentícios diversos que hoje tem pouco valor agregado apresentam algum potencial energético, tomando por exemplo caroços de frutas destinadas à produção de sucos industrializados, como a manga, ou até a casca de frutas cítricas que normalmente tem um óleo bastante volátil. Considerando a posição do Brasil como grande exportador de carnes, tanto in natura quanto processadas (desde salsichas e hamburgers até o "corned beef" enlatado), uma quantidade considerável de gordura das carcaças de animais abatidos fica disponível para aplicações industriais diversas, incluindo o biodiesel, como já é feito pelo Frigorífico Bertin para atender à própria frota.

É viável ir mais além e ainda diversificar as matérias-primas destinadas à produção do álcool (normalmente metanol, mas o etanol também serve) usado como reagente na reação de transesterificação do biodiesel, de modo a não depender tanto da cana de açúcar e usar espécies mais adequadas às condições de cada região, incluindo raízes como a mandioca e a batata-doce que também auxiliam na fixação do nitrogênio no solo para rotações de cultura. Pode-se aproveitar tanto resíduos celulósicos como talos e cascas de frutas e legumes quanto outros com maior concentração de açúcares como o bagaço de uva que sobra da produção de vinho e normalmente é usado para produzir uma espécie de aguardente de uva conhecida como grappa. Importante lembrar que em alguns momentos já foi feita a importação de etanol carburante da Itália, que usa a uva como matéria-prima, devido à destinação da cana para a produção de açúcar visando o mercado de exportação.

Poderia parecer inicialmente mais lógico fomentar o uso direto de óleos vegetais brutos como combustível veicular, devido ao processo de produção mais simples, menor gasto de energia para o beneficiamento e dispensando o uso de alguns insumos químicos, mais notadamente o álcool e a soda cáustica (usada como catalisador na transesterificação). No entanto, poderia causar alguns problemas com a atual geração de motores Diesel veiculares e seus sistemas de controle de emissões cada vez mais complexos e dependentes de combustíveis com especificações mais rígidas para garantir o correto funcionamento. Em último caso, levando em conta o intuito original do projeto em fomentar a produção e distribuição de combustíveis alternativos, não se deveria descartar completamente uma flexibilização da exigência de alguns equipamentos como o filtro de material particulado (DPF - Diesel Particulate Filter) devido ao processo de combustão mais completo, o EGR (Exhaust Gas Recirculator - recirculador de gases de escape) pelas interferências prejudiciais ao uso direto de óleos vegetais como combustível e devido à reabsorção dos óxidos de nitrogênio (NOx) durante o ciclo de vida de espécies vegetais destinadas à produção de biodiesel (ou de rações quando for usada alguma gordura animal como matéria-prima do combustível), e ainda do polêmico SCR tanto pela alegada inconveniência quanto pela já mencionada reabsorção dos NOx.

Outro aspecto hoje pouco lembrado é referente a aplicações militares, visto que o Brasil deveria já estar com toda a frota militar rodando no Diesel devido ao alinhamento com a OTAN, embora muitas viaturas ainda contem com motores de ignição por faísca movidos a gasolina e/ou etanol, o que acaba limitando a operacionalidade em função da menor autonomia e tornando mais complexa a logística de reposição de peças e combustíveis, além de haver algumas restrições ao transporte de gasolina dentro de embarcações militares devido ao maior risco de explosão em comparação ao óleo diesel convencional e o querosene de aviação. Na prática, considerando que o policiamento ostensivo é de natureza militar e vinculado ao Exército por meio da Inspetoria-Geral das Polícias Militares (IGPM), faria algum sentido que as viaturas de polícia também estivessem rodando no Diesel.

Ainda que a tramitação do PDS 84/2015 esteja demasiadamente vagarosa, é um projeto coerente com a realidade brasileira e apresenta propostas viáveis para promover o progresso econômico e social do país, e talvez até por isso não tenha recebido toda a atenção que deveria, afinal, com uma oferta mais ampla de biodiesel e/ou óleos vegetais destinados ao uso direto como combustível veicular de acordo com as especificidades de cada região, politicagens paternalistas e o voto de cabresto teriam uma menor influência, o cidadão de bem ficaria menos refém da incompetência que se vê hoje na Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), e possivelmente haveria menos brechas para a corrupção generalizada que se alastrou pela Petrobras de 2003 em diante.

Um comentário:

  1. Um projeto desses que faz bem para o país fica travado, mas o que não presta é levado adiante. Que essa ladroagem esteje repreendida no nome de Jesus.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html