segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Breve reflexão sobre o sistema MGU-H e o quão estúpida é a intenção de suprimi-lo numa próxima geração de motores da Fórmula 1

Como não se usam motores Diesel na Fórmula 1, pode parecer inicialmente sem sentido esse tema ser tratado aqui. No entanto, a recente decisão da FIA em eliminar o sistema MGU-H a partir de 2021 na próxima geração de motores a serem usados nessa categoria também acaba impactando as chances de incorporar esse dispositivo em veículos de produção em série com benefícios não só no desempenho, mas também no controle de emissões. Até mesmo na adaptabilidade a combustíveis alternativos, que é outro fator cada vez mais relevante na atualidade, esse recurso pode vir a ser proveitoso.

A grosso modo, o sistema MGU-H (Motor Generator Unit - Heat / Unidade Moto-Geradora Térmica) usa um turbocompressor especial que incorpora uma espécie de motor elétrico e gerador combinados junto à carcaça central, podendo assim não somente recuperar boa parte da energia térmica e cinética contida no fluxo de gases de escape mas constituir também um método muito efetivo para minimizar o turbo-lag e proporcionar um controle mais consistente da velocidade do conjunto rotor do turbo. Na prática, ao impulsionar a turbina antes que o motor já esteja provendo uma vazão de gases de escape suficiente para que o compressor entre em ação, pode-se dizer que o MGU-H efetivamente neutraliza o turbo-lag, promovendo desde uma maior eficiência da compensação de altitude associada ao turbo até um controle mais preciso das emissões durante acelerações súbitas. Considerando uma eventual aplicabilidade em motores Diesel, nos quais uma oscilação muito rápida da pressão de admissão ou do débito de injeção podem causar incrementos momentâneos na formação de material particulado (fuligem - fumaça preta visível), além da maior consistência dos processos de combustão durante a operação do motor, é possível esperar também que dispositivos como o filtro de material particulado (DPF - Diesel Particulate Filter) requeiram menos intervenções como os ciclos de autolimpeza ou "regeneração" forçados, e assim alterações indesejáveis tanto no consumo de combustível quanto nos índices de óxidos de nitrogênio (NOx) inerentes a essa circunstância ficariam mais raras.

Lembrando que foram justamente os NOx que deram mais relevância ao escândalo do "Dieselgate", bem como a alegação de que condições ambientais adversas como temperaturas ambientes elevadas poderiam levar o gerenciamento eletrônico de alguns motores a fazê-los operar momentaneamente fora dos padrões de emissões exigidos para evitar maiores danos, a exemplo do que foi observado na Coréia do Sul em alguns motores Renault usados também pela Nissan, não causa surpresa que uma das vozes discordantes que se levantaram contra a FIA seja Remi Taffin que é o diretor técnico de motores da Renault. Ele ainda parece depositar esperanças de que o bom-senso prevaleça e o MGU-H ganhe uma sobrevida além de 2021 na própria Fórmula 1, e também destacou que a Renault pretende continuar a desenvolver o sistema mesmo que não tenha a aplicabilidade futura na categoria. Logo, soa razoável crer que o dispositivo possa integrar-se a sistemas híbridos desenvolvidos para veículos de produção em série, tanto aqueles baseados em motores de ignição por faísca quanto no Diesel.

Tendo em vista que hoje o turbocompressor é praticamente onipresente nos motores Diesel veiculares tanto em aplicações leves quanto pesadas, e também uma maior integração destes com uma variedade de sistemas híbridos que inclui desde uma variação do BAS-Hybrid já usada pela Maruti-Suzuki na Índia até outros mais sofisticados como o usado nos ônibus Volvo híbridos que já rodam inclusive no Brasil, o controle mais efetivo da rotação do turbo se revelaria particularmente benéfico em função da operação intermitente que o motor Diesel encontraria num veículo híbrido operando em condições de tráfego urbano pesado. Já em comparação aos híbridos movidos a gasolina que são constantemente tratados como antagônicos ao Diesel na disputa pelo mercado de veículos "ecológicos" e na maioria das vezes seguem com motores naturalmente aspirados, a recuperação de energia mais intensa através do turbo é uma vantagem que não convém descartar, principalmente quando o uso rodoviário ocorrer numa frequência mais significativa para a qual a atual geração de híbridos que prioriza a recuperação de energia cinética por meio da "frenagem regenerativa" não é otimizada. Portanto, apesar da complexidade ser alegada como um dos pretextos para a eventual eliminação do MGU-H na Fórmula 1 juntamente com a redução no nível de ruídos que desagrada alguns entusiastas, na prática esse recurso não parece estar tão fora de contexto e teria boas perspectivas para ser difundido em modelos de produção seriada diante da crescente participação de mercado dos veículos híbridos.

No tocante aos biocombustíveis, parece oportuno destacar que o controle mais preciso da velocidade da massa rotativa do turbocompressor pode proporcionar desde uma maior facilidade para estabilizar mais rapidamente a temperatura logo após a partida a frio que seria especialmente benéfica para o uso direto de óleos vegetais como combustível alternativo num motor Diesel, de modo a proporcionar uma queima mais completa da glicerina naturalmente contida no óleo e evitando a polimerização e acúmulo de sedimentos polimerizados dentro do motor, até emular uma variação da taxa de compressão num motor "flex" de ignição por faísca para explorar melhor a resistência à pré-ignição mais alta que tanto o etanol quanto o gás natural apresentam em comparação à gasolina. Vale lembrar daquele projeto que a Bosch apresentou em 2004 usando como mula de testes um Volkswagen Polo que teve um turbocompressor adaptado ao motor EA-111 de 1.6L com controle da pressurização de acordo com o combustível em uso, aumentando gradativamente (tomando como referência a pressão atmosférica) esse parâmetro. Sem dúvidas, ficaria ainda mais interessante um sistema desses caso o MGU-H fosse incluído, principalmente hoje que o futuro do etanol volta a ser uma pauta relevante à medida que o uso do milho como matéria-prima avança no Centro-Oeste e passa a ser uma alternativa para estabilizar os preços durante a entressafra da cana de açúcar.

A importância da Fórmula 1 como vitrine de novas tecnologias a serem futuramente incorporadas nos veículos de produção em série sofreu de fato um impacto à medida que a tração elétrica começou a angariar entusiastas, inclusive entre aqueles que pura e simplesmente preferem condenar o motor de combustão interna como "vilão" do meio-ambiente. A discussão em torno do MGU-H é, portanto, um bom pretexto para resgatar a relevância da categoria como um expoente máximo do desenvolvimento de motores. Enfim, descartar esse dispositivo seria um desserviço ao progresso da engenharia.

5 comentários:

  1. Mas será que tem algum jeito de conseguir fazer mais barato e até proteger melhor contra os efeitos da temperatura usando a impressão em 3D para fazer a carcaça do turbo em material cerâmico?

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    1. Pode dar certo sim, até porque a cerâmica costuma ser mais refratária.

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  2. Pode até parecer muito caro, mas para a Fórmula 1 até deve compensar por causa do custo da gasolina especial que é usada.

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  3. É uma pena quando a política impregnada no esporte se sobrepõe às melhorias técnicas que seriam passíveis de implementar nos carros.

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  4. Uma coisa desse tipo, que pode até ser boa, já dão um jeito de tirar de cena. Se for assim vamos ver rally que a gente ganha mais que perder tempo com a Fórmula 1.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html