segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Reflexão: poderia um retorno do motor 2-tempos de ignição por faísca proporcionar competitividade com o Diesel para operação em ambientes severos?

Esse é um tópico que sempre me vem à mente toda vez que eu vejo um DKW, especialmente se for um Candango que foi a versão brasileira do Munga alemão. A absoluta simplicidade de um motor 2-tempos em comparação a outros de ignição por faísca, a ponto de valer-se da adição de óleo direto no combustível em detrimento de um sistema de lubrificação por recirculação, poderia ser mais reconhecida como uma vantagem tanto no tocante à menor quantidade de componentes que pudessem acarretar num problema grave em caso de falha quanto pela eventual diminuição da incidência de descarte irregular de óleo lubrificante usado. Mas poderia um improvável retorno do motor 2-tempos ao segmento automobilístico ser competitivo diante do Diesel para operação em ambientes severos?
A bem da verdade, os motores 2-tempos de ignição por faísca costumam apresentar uma excelente tolerância a inclinações até um tanto extremas durante a operação, exatamente em função do método de lubrificação usado. Mesmo em modelos que já recorressem à injeção de óleo acondicionado num reservatório separado, que não foi usada no Candango mas equipou outros modelos da DKW-Vemag e algumas motocicletas Yamaha, o lubrificante não se acumula de forma irregular em diferentes áreas de um circuito de recirculação como pode ocorrer em motores 4-tempos de cárter úmido tanto de ignição por faísca quanto Diesel ao trafegar por trechos montanhosos ou desnivelados. Seria portanto uma característica muito apreciável tanto para uso civil em áreas rurais ou canteiros de obra quanto em aplicações militares, embora o desinteresse do Exército Brasileiro pelo Candango seja o motivo mais frequentemente mencionado para o fim precoce da produção do modelo no Brasil que se deu de '58 a '63. Vale lembrar que, embora o sistema de cárter seco possa ser implementado também em motores 4-tempos com lubrificação por recirculação tanto do ciclo Otto quanto Diesel, tornaria-se necessária a presença de um radiador de óleo que não se encontra nos motores 2-tempos de ignição por faísca.

Mesmo sem o Lubrimat, denominação comercial adotada pela DKW-Vemag para o mecanismo de lubrificação automática incorporado a outros modelos da marca como a Vemaguet, vale destacar a questão do etanol que é adicionado à gasolina e eventuais interferências na solubilidade do óleo. Cerca de 20 anos atrás, era muito mencionado um costume de se usar óleo de base vegetal para kart ao invés dos convencionais derivados de petróleo por esse mesmo motivo. Pode-se até considerar o uso direto de etanol com óleo de mamona como algo análogo ao direcionamento dos mesmos para a produção de biodiesel, embora as proporções entre ambos sejam diferentes nessas circunstâncias distintas. Por mais que não pareça muito provável que um colecionador queira forçar a barra e abastecer com etanol um Candango como se costuma fazer em karts, nos quais a dosagem de óleo para um dado volume de combustível é menor mas acaba compensada pelo maior consumo do etanol em comparação à gasolina, não há maiores impedimentos. A única incomodação que a ausência do Lubrimat poderia causar seria caso houvesse interesse em uma conversão para combustíveis gasosos, dificultando uma eventual aceitação de novos motores 2-tempos de ignição por faísca em operações urbanas e rodoviárias de curta distância em áreas bem servidas de gás natural, ou ainda de integrar-se a uma inserção do biometano em larga escala que pudesse ser atrativa a operadores em áreas rurais.
Embora em automóveis e utilitários o motor 2-tempos de ignição por faísca seja lembrado mais como algo extremamente rudimentar e destinado a veículos sem muita sofisticação, nos quais a concepção minimalista se reflete não apenas na parte mecânica, avanços já difundidos no mercado náutico em motores de popa como a injeção direta e a ignição eletrônica estática sem distribuidor possivelmente ainda tivessem condição de torná-lo novamente desejável aos olhos de uma parcela mais generalista do público, tendo em vista a percepção ainda um tanto generalizada de que a ignição por faísca seja mais "à prova de burro". Vale lembrar que, em função da ausência de válvulas de admissão ou escape (o uso de palhetas na admissão e de restritores móveis nas janelas de admissão como o YPVS da Yamaha não conta), só mesmo a injeção direta daria conta de reduzir as emissões de hidrocarbonetos crus que nada mais são do que vapores de combustível sendo desperdiçados enquanto a transferência da carga de admissão e o scavenging dos gases de escape se cruzam. No entanto, apesar do combustível ser injetado apenas próximo ao final do curso ascendente dos pistões, o óleo lubrificante ainda é dosado no cárter e faz transferência junto com a carga de ar de admissão. Considerando que algumas pequenas embarcações militares americanas já estão usando motor de popa 2-tempos de ignição por faísca com injeção direta, até mesmo visando contar com um mapeamento específico para combustíveis pesados como querosene de aviação e eventualmente óleo diesel convencional, não seria de se estranhar que novos projetos visando aplicações militares pudessem incorporar essas características, além do mais que a exposição às condições ambientais adversas como umidade e névoa salina seria um bom indício de que não haveria muito motivo para temores diante dos progressos no gerenciamento eletrônico de motores.
Tendo em vista ainda o recrudescimento nas normas de emissões, não só para o Diesel mas também levando até motores 4-tempos de ignição por faísca a precisarem recorrer até ao filtro de material particulado (DPF) em função da maior presença da injeção direta, soaria menos absurdo esperar por um retorno dos motores 2-tempos ao menos em aplicações veiculares especiais. Não é surpresa que a concorrência com o Diesel seria árdua, além do mais que a evolução tecnológica na ignição por faísca vinha priorizando o ciclo Otto (4-tempos). Enfim, mesmo que atualmente seja tratado mais como uma mera curiosidade do passado, algumas características inerentes ao projeto fariam com que o motor 2-tempos pudesse se manter relevante para uso em ambientes severos.

4 comentários:

  1. Já que os 4T Otto estão vindo menores e com turbo e injeção direta, faria algum sentido um 2T por centelha construído com a arquitetura Uniflow, com 4 válvulas de escape por cilindro no cabeçote, janelas de admissão circundando o cilindro, óleo no cárter e o blower, como nos Detroit Diesel? No caso, o blower poderia fazer a função do turbo?

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    1. Pode até dar certo, mas nos Detroit Diesel o blower não tem exatamente a mesma função do turbo. Pode ver que alguns tem ambos, mas nenhum dispensava o blower.

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  2. Sim, pelo que pesquisei, compreendi que o blower é para "empurrar" o ar para dentro do motor, porque como o combustível não passa pelo cárter e as janelas fe admissão ficam na parte de baixo do cilindro, esses motores produzem pouco vácuo para "sugar" o combutível. De qualquer forma, seria interessante ter um 2T a gasolina/álcool/GNV que não andasse por aí parecendo um fogão a lenha...

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    1. Pegou bem o espírito da coisa então... Mas se fosse fazer um motor inspirado nos Detroit Diesel, me parece que algo semelhante à série 51 seria o melhor, por não ter válvulas e assim manter-se mais simples na comparação com um similar 4-tempos.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

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