sábado, 1 de dezembro de 2018

Observações sobre perspectivas de reabilitar o etanol no governo Bolsonaro

O destino das políticas energéticas durante uma transição de governo costuma ser um tanto nebuloso, e não seria diferente agora com Michel Temer saindo de cena e Jair Bolsonaro chegando. No entanto, algumas circunstâncias já podem levar a crer que o etanol possa sair até mais fortalecido, mesmo que não seja o momento para encarar com pessimismo o futuro do biodiesel e a pauta de uma liberação de motores Diesel em veículos leves no Brasil. Desde a formação militar tanto do presidente eleito e do vice quanto de outros membros do gabinete até a proximidade com o agribusiness em pautas como a criminalização do MST e o fomento a tecnologias israelenses visando incrementar a produtividade no Nordeste, passando pela importância que o milho vem conquistando como matéria-prima para etanol no Centro-Oeste, há condições aparentemente favoráveis a esse combustível que já foi considerado um motivo de orgulho para o Brasil na época do ProÁlcool implementado durante o regime militar.

Tratar os biocombustíveis como mutuamente excludentes seria precipitado, especialmente lembrando que o milho serve não apenas para produzir etanol mas também tem óleo que pode servir tanto para fazer biodiesel quanto usado diretamente como combustível em alguns motores Diesel antigos. Cabe levar em consideração outras circunstâncias que possam aparentemente estar virando o jogo a favor do etanol e do gás natural ou biogás/biometano em detrimento do óleo diesel convencional, biodiesel e outros substitutivos, tanto em âmbito nacional como as normas de emissões MAR-I para máquinas agrícolas e equipamentos de construção quanto internacionalmente como as restrições à circulação de veículos com motor Diesel antigo em algumas cidades européias, de modo que oportunidades para a "diplomacia do etanol" tomar um novo rumo mesmo diante da estagnação da produção canavieira que dificultaria uma expansão da produção sem abrir espaço para alternativas como o milho. Mesmo com a imagem de que a cana de açúcar seria imbatível no saldo energético em comparação aos cereais e a outras matérias-primas como a beterraba açucareira usada em alguns países europeus, seria estúpido ignorar a possibilidade de integrar diferentes cultivares mais de acordo com as vocações agrícolas de cada região.

Até mesmo na região amazônica, o etanol de milho produzido no Mato Grosso se torna mais viável que o de cana que teria de ser escoado a partir de São Paulo ou de Pernambuco e Alagoas que são outros destaques no setor sucroenergético. No entanto, a umidade relativa do ar bastante elevada em função da hidrografia fomentaria temores de que estoques desse biocombustível fiquem inservíveis por ser altamente higroscópico e reter alguma umidade, diminuindo a concentração alcoólica em volume e eventualmente favorecendo o desenvolvimento microbial. É possível que o uso do cânister tendo se tornado obrigatório até nas motos novas dificulte um pouco mais a contaminação com água no etanol, tendo em vista que o tanque de combustível não tenha a ventilação aberta direto para a atmosfera, e aqui em Porto Alegre alguns postos já adotam um sistema vagamente semelhante nos próprios tanques alegadamente em função de regulamentações ambientais mas que também deve representar alguma economia ao prolongar a manutenção dos padrões de qualidade dos combustíveis. Mas apesar de ser viável algum otimismo em torno do etanol mesmo na Amazônia, não convém deixar de lado outras alternativas como um eventual cultivo de dendê próximo às barrancas de rios e igarapés para atender não só tantas embarcações que às vezes são o principal meio de integração entre povoados ribeirinhos e cidades grandes como Manaus, ou a geração de energia elétrica em áreas mais remotas, mas também eventualmente usos automotivos.

Em âmbito internacional, motivos tão diversos quanto as restrições ao Diesel levadas a cabo em cidades como Paris ou Madrid e pesquisas para uso do hidrogênio como combustível em viaturas militares americanas podem soar como oportunidades promissoras para promover o etanol como uma opção para ser implementada com relativa facilidade na maioria dos cenários operacionais. Nem mesmo a proibição ao transporte de gasolina a bordo de embarcações da Marinha dos Estados Unidos se tornaria um empecilho tão grande se tomarmos por referência pesquisas da Nissan com as células de combustão de óxidos sólidos (SOFC - Solid Oxide Fuel Cell) aptas a operar com hidrocarbonetos como o etanol sem precisar separar o hidrogênio, e permitindo até mesmo uma diluição em água que inviabilizaria o uso do etanol em motores convencionais mas viria a ser imprescindível para minimizar os riscos de incêndio e explosão que serviram de pretexto para as restrições a combustíveis voláteis na frota naval americana e levaram à necessidade de se adaptar até motores de popa para usar querosene de aviação ao invés de gasolina de modo a atender às necessidades dos Marines. Embora a implementação das células de combustão em larga escala ainda pareça distante, e já venham sendo testadas no Japão células de combustão de óxidos sólidos ao menos desde a década de '90, inclusive com óleo diesel convencional de acordo com o que me foi dito por um americano que chegou a ficar numa base por lá durante o serviço militar, tal situação acaba evidenciando que o etanol e o Diesel não seriam necessariamente excludentes.

A concorrência com o gás natural para se firmar como um combustível regional do Mercosul e países vizinhos que não sejam membros do bloco também é digna de nota, e assim a maior facilidade que se costuma atribuir ao manuseio de combustíveis líquidos pode fazer com que o etanol reconquiste boa parte da competitividade que tinha antes. Instabilidades políticas que possam influenciar os preços do gás natural, que ainda depende de importação da Bolívia em algumas regiões, também favoreceriam a busca por alternativas para a independência energética brasileira. No caso do etanol de cana, o uso do bagaço como "volumoso" na alimentação de gado em confinamento e o processamento de dejetos dos animais para obtenção de biogás/biometano e fertilizante agrícola também pode ser considerado bom. Já com o milho como matéria-prima do etanol, além de serem produzidos concomitantemente óleo e concentrado proteico, é relevante tratar do potencial para manter uma maior estabilidade nos preços durante a entressafra da cana, além do cultivo desse grão ser mais espalhado pelas diversas regiões do país.

Naturalmente, algumas dificuldades práticas do etanol não devem ser subestimadas, como a partida a frio em motores equipados com carburador ou sistemas de injeção eletrônica mais simples do que a injeção direta já incorporada a alguns veículos "flex" recentes. Discussões em torno da dificuldade para vaporizar o etanol em temperatura ambiente baixa ou a inclusão de filtro de material particulado em motores do ciclo Otto equipados com injeção direta também podem fomentar uma discussão em torno de soluções que foram implementadas para atender às especificidades do mercado brasileiro, com destaque para o pré-aquecimento do combustível que passou a ser incorporada em automóveis com motor "flex" para eliminar o tanquinho auxiliar de gasolina destinado à partida a frio, e como poderiam impactar o controle de emissões caso viessem a ser adaptadas à injeção direta. Há de se ter em mente que o etanol não seria "perfeito", bem como recordar que a injeção direta ao supostamente aproximar a economia de combustível do ciclo Otto com a do Diesel também acarretou que alguma deficiência no controle das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado deixasse de ser exclusiva do Diesel.

De fato, é possível que o etanol possa servir como uma parte desse resgate ao respeito pelo Brasil no cenário internacional apregoado pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, ainda que não convenha tratar um único combustível como uma opção isolada e efetivamente adequada às necessidades de todos os operadores profissionais ávidos por uma liberação do Diesel ou mesmo por usuários particulares que desejam uma maior liberdade de escolha. Parece um tanto óbvio que o mesmo ufanismo da época do ProÁlcool também exerça alguma influência nas decisões a serem tomadas pela nova administração, mas é necessário muito cuidado para fazer com que erros históricos como a proibição ao Diesel sejam corrigidos ao invés de perpetuados, e nesse sentido uma integração com outras opções faz muito mais sentido que segregar políticas energéticas em torno do etanol. Enfim, o desafio está lançado, mas não parece impossível que o governo Bolsonaro possa dar conta do recado da melhor forma possível.

2 comentários:

  1. Para mim que moro em São Paulo não tem nem muito o que discutir, aqui o etanol tem bastante força. Nas poucas vezes em que eu fui no Rio Grande do Sul, achei estranho não usarem etanol nem no verão que é quente o suficiente na maioria das cidades para não ter problema na partida fria.

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    1. Num posto Shell no caminho entre o aeroporto de Guarulhos e um hotel onde eu fiquei acomodado por causa de problemas com uma conexão, o etanol estava muito mais barato que em Porto Alegre. Não consegui ver o preço da gasolina, mas se o etanol já estava mais de 30% mais barato que o diesel certamente a diferença de preços comparado à gasolina está ainda maior.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html