terça-feira, 9 de abril de 2019

Acionamento de válvulas sem eixo de comando: alguns aspectos a considerar

Já faz algum tempo que o método tradicional de comando de válvulas nos motores 4-tempos tanto de ignição por faísca quanto nos Diesel, baseado num ou mais eixos de comando e demais componentes a depender da localização do(s) eixo(s) no bloco ou no(s) cabeçote(s), se mostra longe do ideal para que se alcance uma maior eficiência geral nas mais diversas faixas de rotação. Limitações em função do perfil dos cames (ressaltos) que atuam sobre os balancins ou sobre os tuchos e por fim promovem a abertura das válvulas, mesmo que atualmente existam comandos variáveis na duração da abertura e/ou na distância que a cabeça da válvula se afasta da sede, só podem ser dribladas com outro sistema de comando de válvulas. Para atender a essa necessidade, a proposta de um sistema eletrônico com atuadores hidráulicos ou hidropneumáticos tem sido uma opção a ser levada a sério.

Alguns grandes motores Diesel usados em navios e aplicações estacionárias já fazem uso de sistemas eletro-hidráulicos ou eletromagnéticos para acionar as válvulas, com a vantagem de poder inverter a rotação do motor no caso dos navios e dispensar um reversor que de outro modo permaneceria necessário para algumas manobras. Como um eixo de comando de válvulas vai invariavelmente ter uma geometria fixa, e até a variação de fase ou de vá obedecer limites estritos, uma inversão no sentido de giro do motor afetaria o sequenciamento da abertura das válvulas e impediria o correto funcionamento do motor nessas condições. Já um sistema eletro-hidráulico de acionamento das válvulas, além dessa vantagem prática especificamente para a propulsão naval, ainda proporciona uma sensível redução de peso (podendo alcançar uma faixa de 20kg no caso de um motor de 1.6L destinado a carros médios) e volume em comparação a um comando de válvulas mais tradicional, além de impor menos atritos internos e perdas de eficiência e desempenho.

Já nas aplicações automobilísticas, a proposta de uma aplicação de sistemas como o Freevalve que está sendo desenvolvido por uma empresa associada à Koenigsegg está mais direcionada a motores de ignição por faísca com a expectativa por um incremento da ordem de 47% no torque, 45% na potência e de 15% na economia de combustível, além de uma redução de 35% nas emissões. A maior versatilidade no controle da abertura e duração das válvulas, podendo não só alterar mais facilmente esses parâmetros de acordo com os regimes de rotação mas também com o combustível em uso, chegou a ser apontada por Christian von Koenigsegg como pretexto para manter o uso da injeção sequencial nos pórticos de válvula ao invés de levar adiante a transição para a injeção direta que vem ocorrendo em motores de ignição por faísca principalmente quando também são equipados com turbocompressor. Outro aspecto relevante é a maior linearidade tanto na abertura quanto no fechamento das válvulas, tendo em vista que o acionamento mais rápido proporcionado por um sistema hidropneumático controlado eletronicamente possibilita manter a abertura máxima por um intervalo mais longo em comparação aos perfis dos ressaltos num eixo de comando de válvulas que mais lembram uma rampa.

O tamanho mais compacto do cabeçote em um motor dotado com o sistema Freevalve também chama a atenção, tendo em vista que dispensa desde os eixos de comando até as correias ou correntes com os respectivos tensores, passando ainda pelas polias ou engrenagens de sincronização. Outros elementos como o corpo de admissão (throttle-body) e até pré-catalisadores também se tornam dispensáveis, em função do controle individual de cada válvula suprir a função de controlar a aceleração num motor de ignição por faísca e também proporcionar um melhor gerenciamento térmico de modo a atingir e estabilizar mais cedo a temperatura operacional do motor e do catalisador, contemplando também a aplicabilidade em motores "flex" movidos a gasolina e etanol. Em comparação à injeção direta, que se por um lado facilitou a partida a frio com o etanol por outro dificulta a conversão para gás natural, a preservação da injeção nos pórticos de válvula de admissão não intensifica a formação de material particulado que tem deixado de ser um calcanhar de Aquiles exclusivo do Diesel, além da mistura ar/combustível formada antes da carga de admissão entrar nos cilindros sofrer um resfriamento que já contribui também para a redução na formação de óxidos de nitrogênio. A persistência da Toyota que tem apostado na permanência da injeção sequencial em alguns modelos híbridos como o Prius, bem como as perspectivas para que o etanol ganhe relevância junto a esse tipo de propulsão por iniciativa da própria Toyota, levam a crer que a aposta de Christian von Koenigsegg pela injeção sequencial nos pórticos de válvula efetivamente mantenha acirrada a competição entre a ignição por faísca e o Diesel de médio a longo prazo...
Embora não seja possível apontar uma unanimidade em se tratando de configurações do motor a gasolina num veículo híbrido, com a estratégia mais conservadora da Toyota contrastando com o uso do turbo e da injeção direta versões híbridas de modelos da Volvo como o S90, é natural que volte à pauta a alegada maior facilidade para mitigar a pré-ignição mesmo combinando a injeção sequencial e uma alta taxa de compressão e o turbo que em outras épocas era invariavelmente tratado como um problema para a economia de combustível antes da injeção direta se firmar no mercado. Pode parecer um xeque-mate para o Diesel, mas o caso da atual linha de motores modulares da Volvo que faz uso de um mesmo projeto básico de blocos para todas as versões ainda dá margem a outras interpretações que não apontem para essa circunstância. E caso houvesse um real interesse em integrar diferentes alternativas para reduzir o consumo de combustível ao invés de gerar a divisão acentuada no âmbito político, que se reflete na recente caça às bruxas contra o Diesel em veículos leves, não se justificaria varrer para baixo do tapete as experiências prévias do acionamento de válvulas sem eixo de comando na propulsão naval antes que se cogitasse levar adiante um análogo para aplicações automotivas.
Naturalmente, o sistema Freevalve e similares podem soar como uma forte oposição ao Diesel de forma comparável à que os híbridos geralmente são apresentados na mídia, mas essa está longe de ser uma verdade absoluta. Além da aplicabilidade junto ao ciclo Diesel já ter sido comprovada antes mesmo de se tornar uma promessa na ignição por faísca, é possível traçar um paralelo com outros sistemas de acionamento de válvulas sem contato com um eixo de comando, desde alguns motores 4-tempos muito antigos cujas válvulas de admissão recorriam ao vácuo gerado pela sucção durante a própria fase de admissão para a abertura e o retorno por mola, passando pelo uso de palhetas também acionadas por sucção na admissão de alguns motores 2-tempos, para não entrar no mérito do que se conhecia como "válvula de potência" como o YPVS usado no escapamento de motos Yamaha com motor 2-tempos a exemplo da RD 350 LC apesar de não ter o funcionamento tão intermitente quanto o duma válvula de motor 4-tempos ou mesmo de um conjunto de palhetas. No fim das contas, o que mais se aproximaria dessa proposta de adaptabilidade a diferentes faixas de rotação para modular o desempenho seria o YPVS por ser ativo, enquanto outros tipos de válvula destinados à admissão e acionados de forma passiva não proporcionam nenhuma possibilidade de ajustes em tempo real de acordo com as condições operacionais às quais o motor estaria submetido.

Como tantos outros recursos que incluem desde a hibridização até o sistema MGU-H que suprime o turbo-lag e recupera uma maior parte da energia contida nos gases de escape, acionar as válvulas sem depender de eixos de comando pode acabar servindo como mais uma ponta de lança contra o Diesel, mesmo que para esse tipo de motor se tenha feito necessário desenvolver soluções mais efetivas em comparação ao que se aplicou na ignição por faísca em outros momentos históricos. Também seria no mínimo desonesto ignorar que outros aperfeiçoamentos também se encaminharam para alcançar uma massificação quando as vantagens foram inicialmente observadas em maior escala exatamente em motores Diesel, como o turbo e a injeção direta. Enfim, o acionamento de válvulas sem um eixo de comando pode soar como mais uma tentativa de salvação para o motor de ignição por faísca, mas os benefícios práticos não estariam restritos a essa configuração e podem beneficiar também o Diesel.

2 comentários:

  1. Só de não ter correia dentada para arrebentar, já seria um alívio. Mas por quê será que alguns motores usam correia, outros corrente, e alguns só engrenagem?

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    1. Podem ser diversos motivos, desde a confiabilidade em algumas operações específicas até mesmo o controle de emissões e ruídos.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html