quinta-feira, 30 de maio de 2019

Algumas observações sobre a proposta da Fiat de desenvolver um motor otimizado para o etanol

A recente divulgação de planos da Fiat para introduzir a partir de 2022 no mercado brasileiro um novo motor movido somente a etanol, baseado na versão de 1.3L da série de motores GSE/Firefly já usada no Argo, fomentou discussões acaloradas como seria de se esperar. Mas ao contrário da configuração de duas válvulas por cilindro com injeção sequencial nos pórticos e aspiração natural nas versões flex hoje à venda no Brasil, são esperadas 4 válvulas por cilindro, com injeção direta e a incorporação do turbocompressor, a exemplo de versões somente a gasolina usadas no Jeep Renegade ao menos na Europa, no Japão, nos Estados Unidos e no Canadá. Não seria justo descartar de antemão essa idéia, mas envolve fatores que vão além de especificidades técnicas, esbarrando em entraves burocráticos e na pouca confiança dos consumidores com relação aos usineiros, bem como a imagem do etanol como um combustível essencialmente regional cuja disponibilidade quase nula mesmo em países vizinhos pode se tornar um inconveniente não só para operadores mas também para tentar oferecer essa tecnologia em mercados de exportação.
A princípio, uma versão flex desse mesmo motor já incorporando os mesmos upgrades disponíveis no exterior é esperada para substituir o E.torQ de 1.8L no Brasil, a exemplo do que ocorreu com a versão de 1.6L anteriormente oferecida na Europa e na Austrália. De fato, há de se considerar não apenas as melhorias no desempenho e na eficiência, mas também a competitividade frente a concorrentes como o Volkswagen T-Cross que desde o lançamento no Brasil já é oferecido somente com motores TSI em versões de 1.0L com 3 cilindros e 1.4L com 4 cilindros. Além da presença simultânea do turbo e da injeção direta ter viabilizado o recurso a uma proporção ar/combustível mais pobre, e de certa forma análoga ao que se observa em motores Diesel, é importante considerar a maior facilidade na partida a frio ao usar o etanol, com a presença da injeção direta exercendo uma influência mais significativa no tocante a esse aspecto. E se por um lado o foco no etanol possa até soar como mais uma tentativa de viabilizar a continuidade do motor de combustão interna de médio a longo prazo, por outro convém salientar que o foco num único combustível em contraponto não só ao fato dos motores flex movidos tanto por gasolina quanto etanol terem sido fundamentais para reacender o interesse pelo etanol no Brasil, mas também que a concorrência não se resume à gasolina. Há de se considerar também o gás natural e o biogás/biometano como uma alternativa para a ignição por faísca, especialmente em países mais frios onde a "diplomacia do etanol" deixou a desejar em outros momentos e uma aposta no biodiesel poderia parecer mais justificável...
A hipótese de restaurar a credibilidade do etanol não deixa de fazer algum sentido, tendo em vista que a humanidade domina a arte da fermentação alcoólica há milênios e com diversos substratos que são usados mundo afora principalmente para a elaboração de bebidas, apesar da cana de açúcar ter se firmado como a matéria-prima mais relevante para o etanol usado como combustível no Brasil, e nos Estados Unidos a produção a partir do milho ser vista com uma desconfiança que a meu ver é injusta. A possibilidade de integrar a cadeia produtiva do biocombustível ao beneficiamento tanto de cultivos quanto de produtos do manejo florestal, bem como de resíduos do beneficiamento industrial, já seria capaz de proporcionar uma maior estabilidade dos preços durante as entressafras das matérias-primas mais difundidas, além de eventualmente ser um bom argumento no tocante à segurança energética diante de eventuais quebras de safra em alguns cultivares ou das variações nos preços do açúcar e de outras commodities. Levando em consideração especificamente o milho, facilmente aclimatado nas mais diversas regiões do Brasil e do mundo, vale lembrar que o uso do grão ao natural na alimentação do gado proporciona um ganho de peso inferior ao observado quando é substituído pelo "grão de destilaria" resultante do processo de produção do etanol. A posição de destaque do Brasil no cenário mundial de produção de carnes, tanto bovina quanto de aves que tem uma grande demanda em mercados de exportação, levaria a crer que o etanol de milho seja suficientemente justificável mesmo que o rendimento em litros por hectare seja inferior ao da cana. Também seria essencial considerar a venda direta de etanol das usinas para os postos como um eventual facilitador para que o etanol recupere a confiança tanto com a cana quanto com outras matérias-primas mais de acordo com as vocações agropecuárias de diferentes regiões, e assim por exemplo seria muito mais fácil até incrementar a competitividade de uma eventual produção que viesse a ser implementada numa região que não tenha a mesma tradição da agroenergia fomentada no interior de São Paulo com o etanol de cana.
Naturalmente, qualquer medida visando fomentar a reabilitação do etanol junto ao público brasileiro esbarra numa falta de confiança diante de oscilações nos preços do açúcar, devido à predominância da cana como matéria-prima para esse combustível alternativo e a memória da crise do ProÁlcool que começou com o fim do regime militar e estourou na safra '89-'90. E embora uma taxa de compressão mais alta que seja otimizada para o etanol pudesse funcionar satisfatoriamente também usando o gás natural, que chega a ser até melhor nessas condições devido à maior resistência à pré-ignição mesmo numa proporção mais pobre de combustível, a injeção direta acarreta numa maior dificuldade. Tendo em vista que os bicos injetores originais num motor de injeção nos pórticos de válvula como a versão flex do GSE de 1.3L e o E.torQ de 1.8L atualmente oferecidos no Fiat Cronos já ficam afastados da frente de propagação de chama, não há problemas ao se usar somente gás, ao contrário do que ocorre num motor de injeção direta que ainda necessita de uma quantidade do combustível líquido original para mantê-los refrigerados e evitar danos decorrentes da exposição direta à combustão. Em algumas aplicações mais específicas como os táxis, é pouco provável que algum interesse no etanol ressurja junto à maior parte dos operadores, e a aceitação do gás natural permanecendo alta nesse segmento mesmo diante de recentes altas no preço faz com que uma incompatibilidade se torne indesejável. A volta da opção "Tetrafuel" movida a gasolina, etanol e gás natural para o Fiat Grand Siena quando equipado com o motor FIRE de 1.4L, e que diga-se de passagem era pelo menos na teoria um dos modelos a ser substituídos pelo Cronos, já deixa suficientemente claro que a competição não se restringe à gasolina...

3 comentários:

  1. Talvez por causa dos comerciantes negociando carros de estados diferentes, até para revender um usado fora de São Paulo ia ficar difícil.

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  2. Às vezes para quem é de São Paulo fica até difícil de assimilar a idéia de não usar álcool quando viaja para fora do estado. Tive carro só a álcool e depois flex, nunca tive um que fosse movido só a gasolina, e agora que o que mais tem nas frotas de locadora também é flex eu às vezes nem penso quando estou com carro de locadora e já chego no posto procurando álcool.

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  3. Como eu me acostumei a usar gás, de vez em quando alternar com álcool, e raramente usar gasolina quando estou fora de São Paulo, não ficaria confortável arriscando voltar no tempo do carro movido só a álcool.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html