sexta-feira, 22 de julho de 2022

Motores de válvulas laterais: com um passado mais glorioso na ignição por faísca, mas incomum para o Diesel

Uma característica que já foi muito comum em motores de ignição por faísca, a disposição das válvulas no bloco ainda encontrava alguma aceitação entre as décadas de '50 e '60, e no Brasil chegou a servir ao Simca Chambord antes que surgisse o motor Emi-Sul já com válvulas nos cabeçotes mas ainda com um bloco originalmente projetado como parte da linha de motores Flathead V8 da Ford na década de '30. Já entre motores Diesel, ao menos no segmento veicular a configuração de válvulas laterais acabava sendo especialmente inoportuna, tendo em vista algumas particularidades técnicas como a maior influência da relação entre o diâmetro e o curso dos pistões para a taxa de compressão, que mesmo considerando uma prevalência da configuração subquadrada com diâmetro menor que o curso ainda costumam resultar em valores muito mais baixos para a compressão comparada a motores com válvulas no cabeçote. E ainda é relevante destacar uma correlação nem sempre tão precisa, mas que atribui aos motores superquadrados com o diâmetro maior que o curso uma melhor elasticidade para operar a faixas de rotação mais amplas que as observadas em motores subquadrados como o Aquillon do Simca Chambord...

Um caso particularmente curioso é o Jeep CJ-5, por ser um modelo que usou em diferentes países desde um motor flathead de 2.5L com 4 cilindros ainda derivado do Continental Go-Devil na Argentina até o motor Ford OHC 2.3 no Brasil, passando por várias opções entre 4 e 6 cilindros tanto com válvulas de admissão no cabeçote e de escapamento no bloco (configuração também conhecida como "cabeçote em F" ou IOE - intake over exhaust) quanto com todas as válvulas já no cabeçote, enquanto todas dentre as raras versões Diesel tinham sempre válvulas no cabeçote. No contexto especificamente brasileiro, ainda vale destacar que o antigo motor Hurricane mantido pela Ford desde a aquisição da Willys-Overland do Brasil em '67 até '76 perderia espaço para o motor 2.3 OHC até em função da viabilidade de adotar uma taxa de compressão mais elevada e adequada para operar com etanol, opção que esteve disponível para o Jeep CJ-5 brasileiro de '80 a '83 quando a produção foi encerrada. E assim como o motor Hurricane é de certa forma uma evolução do Go-Devil com 4 cilindros e do Lightning de 6 cilindros, chegaram a ser produzidos no Japão os motores Diesel Mitsubishi Fuso KE31 de 2.2L com 4 cilindros e KE36 de 3.3L com 6 cilindros, derivados do JH4 que era tão somente uma versão do Hurricane com 4 cilindros e feita sob licença, e sendo possível fazer uma alusão às conversões "misto-quente" de motores a gasolina para Diesel é justo salientar que os japoneses somente alcançaram o sucesso porque recorreram a válvulas no cabeçote para atingir uma taxa de compressão adequada aos princípios operacionais de motores Diesel.

Eventualmente a imagem de simplicidade inerente a um motor com válvulas laterais ainda poderia soar interessante para embarcações de trabalho e outras aplicações especializadas como máquinas agrícolas, lembrando que o segmento náutico ainda mantém alguma receptividade até pelos motores 2-tempos de ignição por faísca que na maioria das vezes dispensam válvulas de admissão e escape. Já tratores como o antigo Ford 8N convém recordar que motores flathead eram apontados como mais compactos que um motor OHV já com as válvulas no cabeçote quando ainda eram comuns tratores a gasolina, que também podiam dispor de uma preparação para operar com querosene ou um óleo combustível específico para motores de ignição por faísca conhecido como TVO (tractor vaporizing oil) em países de língua inglesa ou Tratol em Portugal e na Espanha. Até a propensão de tais segmentos hoje recorrerem a motores com regimes de rotação mais modestos em comparação ao observado em automóveis podia soar convidativo a experiências com um hipotético motor flathead Diesel que poderia ter um curso desproporcionalmente maior com relação ao diâmetro dos pistões para alcançar uma taxa de compressão satisfatória, embora a projeção lateral das câmaras de combustão em direção às válvulas atrapalhe uma correta atomização do combustível na fase de injeção e aumente a superfície por onde seria dissipada uma parte maior da energia térmica resultante do processo de combustão, prejudicando a eficiência geral que tanto cativou operadores nos mais diversos segmentos para consolidar o Diesel como padrão.

Característica que certamente impactou na redução dos custos de produção de alguns carros de proposta generalista como o Ford Modelo T que na prática foi uma pedra fundamental do American Way of Life, e nas primeiras versões do Jeep como o Willys MB da época da II Guerra Mundial foi importante para o tamanho compacto e a simplicidade, a configuração de motores de válvulas laterais naturalmente já teve épocas mais áureas, embora os maiores expoentes estejam na ignição por faísca. Eventualmente poderia ser viável associar essa configuração a um motor Hesselman, tendo em vista que alguns proprietários de Ford Modelo T recorriam a adaptações para operar com querosene, e para aplicações militares seria útil ao favorecer um único combustível comum a diversos veículos e equipamentos como os motores Diesel tornaram-se padrão nas frotas operacionais militares de países-membros da OTAN ou alinhados a estes devido a uma maior facilidade para adequá-los ao uso de querosene de aviação. Enfim, apesar de alguns motores estacionários hoje pouco comentados terem recorrido a válvulas laterais no ciclo Diesel, para o uso veicular tal solução seria inservível, ou no máximo uma economia porca...

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html