quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

5 motivos pelos quais uma caminhonete cabinada à moda antiga ainda tem seus méritos

Uma tradição quase extinta, a "duplagem" de cabines de caminhonetes já foi muito apreciada sobretudo na região Sul e alguns estados tanto do Centro-Oeste quanto do Norte que tiveram muita colonização de paranaenses, e teve entre os expoentes mais destacados a antiga Tropical Cabines que manteve vínculos estreitos com a Ford nos últimos anos de operação mas também já havia modificado veículos de outros fabricantes como Chevrolet. E mesmo quando o mercado brasileiro já havia voltado a receber carros e utilitários importados, ainda havia uma demanda pelas transformações, em parte até para suprir a falta de opções de cabine dupla original de fábrica no segmento das caminhonetes full-size como era o caso da Chevrolet Silverado que só contava com essa opção em modelos de importação independente. Uma configuração muito específica, e que atrai principalmente a curiosidade de estrangeiros, era a adaptação com a parte traseira semelhante à de um sedan, e há quem pareça ter esquecido delas agora que tanto se fala em SUVs tomando o espaço das station-wagons. Por mais que fatores tão diversos como a questão da homologação e normas de segurança acabem inviabilizando a economia de escala de transformações mais específicas, e agora o mais comum é caminhonetes novas terem como maior destaque as versões de cabine dupla além de enfrentar o fogo amigo dos SUVs, ainda convém destacar 5 motivos para uma caminhonete cabinada à moda antiga ainda ter admiradores.

1 - capacidade de tração: uma caminhonete de concepção tradicional, por mais que tenha a carroceria extensamente modificada, vai preservar uma parte considerável das aptidões para condições de uso que um carro comum possa se revelar insuficiente ou no mínimo pouco recomendável. Até pode ser que um sedan médio consiga tracionar satisfatoriamente um trailer, mas o conjunto ficaria mais sobrecarregado que em um veículo corretamente dimensionado para uso mais intenso com cargas pesadas;

2 - flexibilidade para fazer adaptações mais específicas: enquanto um veículo original de fábrica fica mais restrito no tocante a opções, ao menos sem alterar em demasia o andamento da produção regular, a "duplagem" tradicional facilitava atender demandas mais específicas, tanto no tocante à estética quanto à funcionalidade da caminhonete modificada. Até o tamanho da parte posterior da cabine, muitas vezes ficava consideravelmente maior que o de similares com cabine dupla original de fábrica;

3 - conforto: ainda que utilitários antigos fossem bem mais austeros, tendo em vista que caminhonetes costumavam ser vistas tão somente como veículos de trabalho até algumas décadas atrás e portanto as opções de acessórios para melhorar a vida a bordo eram mais escassas, com uma "duplagem" à moda antiga também eram comuns melhorias nesse tocante. E além da adição um tanto previsível do banco traseiro, outro ponto que às vezes recebia uma atenção especial era a substituição dos bancos dianteiros por outros com alguma característica diferenciada. Desde aqueles bancos com uma suspensão própria e normalmente instalados para o motorista em caminhões e ônibus urbanos, até os anatômicos similares aos Recaro, quase tudo era possível adaptar;

4 - liberdade de poder usar motores Diesel: embora alguns até rejeitassem essa importante opção, foi sem sombra de dúvidas um dos principais motivos que levaram a uma maior demanda por esse tipo de adaptação entre as décadas de '70 e '90 junto a um público com perfil mais generalista. Nesse caso, em que pese muitos SUVs modernos também oferecerem essa característica por causa da tração 4X4 que os crecencia como utilitários para fins de homologação e as pick-ups médias mais conhecidas hoje terem a demanda pela cabine dupla de fábrica até maior que pela cabine simples, é inegável que as restrições ao uso de óleo diesel em automóveis intensificadas a partir da década de '70 possivelmente pesassem mais a favor das "duplagens" em comparação a medidas que inviabilizaram a importação de veículos entre '76 e '90;

5 - relevância cultural: pode ser que um Enzo ou uma Valentina encontrem chifre em cabeça de cavalo para "problematizar" esse tipo de transformação, assim como tantas tradições são hoje questionadas por pretextos nem sempre pertinentes. Ainda lembro de ter visto em edições do jornal A Crítica em Manaus propagandas da antiga loja Tony Car, que ficava em Biguaçu-SC mas vendia caminhonetes para todo o Brasil com transformação feita pela Tropical Cabines no Paraná, e certamente muitos aspectos culturais brasileiros terem algum vínculo com o campo também influenciaram uma maior receptividade por parte do público generalista a utilitários desde a época áurea das caminhonetes cabinadas. Quem hoje anda de SUV crossover da moda com mais estrelas que céu de brigadeiro em algum NCAP desses da vida, mas esquece como de certa forma uma adaptação feita em caminhonetes de concepção tradicional abriu as portas para esse fenômeno, certamente vive naquela bolha "politicamente correta" que quer reinventar a história sem ao menos a conhecer...

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Clássico nacional: Ford F-600 Bumpside 4X4

Caminhões Ford já tiveram a popularidade maior em diferentes momentos históricos, e a geração da Série F conhecida no exterior como Bumpside teve um ciclo de produção mais longo no Brasil mesmo tendo iniciado tardiamente em relação aos análogos feitos em outros países. Um exemplar interessante é esse F-600, ano de fabricação 1973, ao que tudo indica militarizado pela antiga Engesa e com o famoso Kit Tração Total de conversão para 4X4 desenvolvido para atender a uma demanda do Exército Brasileiro em meio à necessidade de modernizar e nacionalizar uma frota na qual predominavam viaturas de origem americana da II Guerra Mundial. No tocante às motorizações originalmente disponíveis à época, figuravam o V8 Y-Block de 292 polegadas cúbicas ou 4.8L a gasolina e como opção Diesel o Perkins 6-354 de 354 polegadas cúbicas ou 5.8L e 6 cilindros em linha com injeção direta.

Ao menos nos modelos originais de tração simples traseira é mais comum adaptar um motor diferente, e os Mercedes-Benz sendo a opção mais comum em repotenciamentos, mas nas versões 4X4 militarizadas pela gloriosa Engesa uma manutenção bem mais criteriosa quando ainda eram usados pelos militares favorece ao menos em teoria que exemplares remanescentes preservem o motor original quando vão a leilão. No caso desse exemplar específico, que passou muito brevemente e sem tempo suficiente para uma análise mais minuciosa, além do eixo dianteiro com o alojamento do diferencial deixando óbvio tratar-se de uma versão 4X4, também é curioso ter a carroceria do tipo beavertail normalmente usada para carregar maquinário pesado. Certamente a tração nas 4 rodas é uma boa ajuda para fazer alguns serviços pesados em terrenos bravios...

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Mais uma preciosidade do YouTube: motor Cerlist de 3 cilindros em funcionamento

Um motor extremamente raro, que teve uso mais mais difundido em embarcações leves e diversos equipamentos especializados, tendo como única aplicação de destaque em algum veículo uma versão militarizada do Jeep FC, o motor Cerlist de 3 cilindros funcionava no ciclo Diesel 2-tempos com loop-scavenging, sem válvulas de admissão nem de escape. Desenvolvido pelo engenheiro austríaco Hans List, que foi o fundador da empresa de consultoria AVL, teve produção nos Estados Unidos inicialmente pela empresa Cerlist fundada por Peter Cerf em 1956, e vendida à Waukesha em 1963 que manteve em linha os motores Cerlist de 2 e 3 cilindros em linha e 4 e 6 em V até 1973 principalmente para atender a embarcações e maquinário especializado.
O exemplar que aparece no vídeo, montado no chassi de uma caminhonete Jeep M-677 de cabine avançada aparentemente sendo restaurada, aparenta funcionar à perfeição durante o teste. Infelizmente aparece só o lado esquerdo do motor, e o compressor que é essencial para gerar pressão de admissão fica do lado direito sem poder ser observado. Algumas peculiaridades são o compressor ter acionamento por correia, ao contrário dos motores Detroit Diesel que são os mais conhecidos quando se menciona motores Diesel 2-tempos de fabricação americana e usam acionamento por engrenagens para o compressor, e também o fato de ser um tanto pesado mesmo com bloco e cabeçote feitos em liga de alumínio. Era usado em substituição ao motor Super Hurricane de 3.7L com 6 cilindros em linha e válvulas laterais movido a gasolina previsto no projeto original do Jeep FC-170 que havia dado origem ao M-677. Com potência de 85hp e torque máximo de 23,5kgfm em comparação aos 115hp e 26,2kgfm do Super Hurricane, a maior vantagem oferecida pelo motor Cerlist de 3 cilindros era a economia de combustível, fazendo mais de 6,8km/l num Jeep M-677 com peso bruto total pouco acima de 3600kg enquanto o motor a gasolina não passava de 3,4km/l.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

5 modelos que seriam tentadores para testar um motor aos moldes do antigo "Commer knocker"

Um motor bastante peculiar, e que muito se destacou quando surgiu na Inglaterra por facilitar o uso da cabine avançada em caminhões, o Rootes-Lister TS3 tornou-se conhecido informalmente por "Commer knocker" em alusão ao intenso uso em caminhões Commer e o som característico que emitia. Apesar de ter sido muito subestimado como praticamente todos os motores Diesel 2-tempos de um modo geral, foi sem sombra de dúvidas um dos mais geniais já desenvolvidos, e ainda poderia muito bem continuar ao menos inspirando novos projetos para as mais diferentes necessidades em veículos utilitários. E dentre tantos modelos que poderiam ter se beneficiado de um motor aos moldes do glorioso Commer knocker, originalmente produzido para uso veicular entre 1954 e 1958, ao menos 5 podem ser mencionados...

1 - Humvee/Hummer H1: tendo em vista a posição do motor para a distribuição de peso no Humvee original, a princípio a disposição horizontal de um motor como o Commer Knocker poderia atender até melhor que os V8 Detroit Diesel entre 6.2L e 6.5L que o equipavam originalmente. Uma quantidade de peças menor também teria sido algo a considerar na aplicação militar, com menos possíveis pontos de falha e uma manutenção mais simples;

2 - Ram 2500: pode soar como loucura sugerir qualquer motor Diesel diferente de um Cummins série B para esse modelo, mas vale lembrar da verdadeira bagunça que foi a história da Chrysler/Dodge no mercado de caminhões mundo afora, até mesmo na Inglaterra onde o motor Rootes-Lister TS3 surgiu. E a situação fica ainda mais interessante de analisar tendo em conta que a marca Ram emergiu da Dodge, e após a Chrysler ter vendido o Rootes Group para a Peugeot ambas as empresas posteriormente viriam a estar amalgamadas na gigante Stellantis atualmente. Pouco se comenta sobre a propriedade intelectual referente aos projetos de motores antigos do Rootes Group, que a princípio teriam ficado com a Peugeot desde a compra de antigas divisões européias da Chrysler;

3 - Nissan Frontier da geração D22: primeira a chegar a ser fabricada no Brasil, só o fato de ter usado motor MWM Sprint ao invés do YD25 de algumas versões similares estrangeiras já leva a crer que um motor "de fora" estaria longe de ser uma heresia. Também é interessante observar fatores históricos em outras regiões, envolvendo tanto experiências da antiga divisão Nissan Diesel com motores 2-tempos, quanto uma influência inglesa sobre a parte técnica da Datsun como uma antecessora direta do que viria a se tornar a Nissan, bem como de alguns motores usados em outros modelos da Nissan na Espanha que foram desenvolvidos a partir de projetos reaproveitados de quando a Motor Ibérica produzia motores Perkins ingleses sob licença;

4 - Land Rover Discovery de 1ª geração: embora já fosse equipado com motores turbodiesel entre as opções de fábrica, certamente uma parte considerável do público do modelo ainda pudesse apreciar uma configuração mais peculiar e a maior aptidão para fatores de carga mais pesados. E novamente seria o caso de destacar a simplicidade, e o fato da única parte a requerer a remoção do motor para substituição ser os bronzinamentos do virabrequim facilitaria a manutenção e eventuais reparos mesmo durante uma expedição de longa distância;

5 - Mitsubishi Pajero Full da década de '90: só de lembrar que o motor 4M40 tem fama de queimar juntas de cabeçote, a configuração de pistões opostos aplicada ao motor Commer knocker simplesmente eliminar essa vulnerabilidade já é algo a salientar. O crescimento da Mitsubishi em partes da África, Ásia e Oceania exatamente na sombra da Chrysler, também pode ser considerando um interessante precedente histórico, especialmente no caso da Austrália e da Nova Zelândia que já foram mercados bastante receptivos a caminhões Commer e Karrier.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Clássico: Toyota Bandeirante com capota de lona

Um daqueles utilitários que marcaram época, o Toyota Bandeirante ainda tem uma legião de entusiastas por esse Brasil afora, tanto naqueles mais longínquos rincões do interior quanto nas grandes capitais, de certa forma ainda sendo relativamente comum ver exemplares ainda em atividade. E embora ainda seja mais comum avistar um Bandeirante com capota de aço, até porque foi disponível tanto nos modelos de chassi curto quanto longo do jipe, vez por outra aparece algum com capota de lona. A bem da verdade, essa configuração acaba sendo rara em parte pela atribuição de uma imagem mais "séria" a veículos de capota rígida nos primórdios da fabricação de automóveis no Brasil, e mesmo tratando-se de utilitários com uma concepção austera a maior parte de consumidores com perfil generalista ficava condicionada a compactuar com essa preferência.

Se antes era comum que fosse subestimada e vista com desdém por falsos intelectuais urbanóides que parecem acreditar que um pé de alface simplesmente brota em algum balcão do supermercado, agora a capota de lona acaba encontrando apreciadores que fazem um uso mais recreativo, com a possibilidade de ter mais contato com a natureza ao trafegar com a capota abaixada e em alguns casos até o parabrisa rebatido em alguma trilha ou outro atrativo turístico. No caso desse exemplar das fotos, ainda de faróis redondos, chama a atenção o conjunto moderno com projetores que substituiu os sealed-beams originais na frente, além dos faróis auxiliares com um aspecto igualmente mais arrojado. Uma modificação até de muito bom gosto, sem alterar demasiadamente e desnecessariamente a estética que se espera do Toyota Bandeirante até '89 que foi o ano da mudança para os faróis quadrados e também substituição do motor Mercedes-Benz OM-314 pelo OM-364 que acompanhou o modelo até '94 dando lugar ao motor Toyota 14B que seguiria até 2001.

E embora seja mais desafiador conseguir uma boa vedação com capota e portas de lona em comparação às de aço, de modo que uma eventual transposição por trechos alagadiços favorecida pelo snorkel para a captação de ar para a admissão pudesse acarretar na entrada de água a bordo, me chamou a atenção que as portas desse pareciam bem mais ajustadas à carroceria comparando às que eu via em exemplares de uso operacional militar. O guincho na frente, e um recipiente "Jerry can" para armazenar combustível extra montado atrás junto ao estepe, são outros detalhes que me chamaram a atenção nesse Bandeirante, bem como o estado de conservação geral para um veículo com mais de 30 anos e originalmente criado para enfrentar condições de rodagem das mais severas possíveis. Enfim, o Toyota Bandeirante de um modo geral já se destaca, mas esse com capota de lona se sobressai um pouco a mais nos dias de hoje, além do mais no Brasil onde carro conversível nunca foi tão apreciado como seria de se supor...