quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Toyota Corolla E140: teria sido um erro suprimir as opções de motor Diesel nas versões narrow-body?

Modelo que certamente foi fundamental para consolidar a imagem do Japão como importante player no cenário da indústria automobilística a nível mundial, o Toyota Corolla naquela que foi a 10ª geração em escala global foi marcante ao restringir a disponibilidade das versões de carroceria mais estreita apenas ao próprio Japão e com disponibilidade limitada para exportação regional em partes da Ásia e Oceania. E diante de um desinteresse da Toyota em oferecer automóveis com motor Diesel no mercado japonês a partir de 2004, era previsível que a geração E140 do Corolla tivesse tal opção suprimida para o modelo Axio, desenvolvido para preservar a classificação como compacto que no Japão só se aplica a veículos de até 4,70m de comprimento e 1,70m de largura, e no caso do Corolla foi necessário que ficasse mais estreito em comparação a modelos internacionais. Lançado no Japão em 2006 e seguindo em produção até 2012, o Toyota Corolla Axio da geração E140 foi precedido pelas versões narrow-body da geração E120 que eram extensivas a outras regiões como a Europa, partes da África e do Oriente Médio, e por incrível que pareça até a Austrália onde teoricamente sobrava espaço para a versão mais larga que foi a escolhida pela Toyota do Brasil para produção nacional desde quando começou a ocorrer a divisão para alguns mercados receberem modelos narrow-body.

Considerando que tanto a geração imediatamente anterior quanto a sucessora nas versões E170 e E180 destinadas a mercados internacionais tiveram rigorosamente as mesmas opções de motores Diesel para atender a diferentes regiões, desde o 2C-III de 2.0L com injeção indireta e aspiração natural passando pelos 1ND-TV de 1.4L e 1CD-FTV de 2.0L já dotados de turbo e injeção direta do tipo common-rail gerenciada eletronicamente, a princípio poderia soar lógico o bastante até disponibilizar tais opções ao menos para mercados de exportação nos quais a carroceria mais estreita ainda fosse favorecida, embora a maioria fosse em alguns países da Ásia nos quais eventualmente o gás natural e até o gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha") que no Brasil é proibido para uso como combustível automotivo são favorecidos. E a bem da verdade, considerando como o Corolla foi fundamental para a Toyota tirar da Volkswagen a condição de principal referência na fabricação de carros compactos a nível mundial, e até a demanda por exemplares de especificação japonesa que costumam ser importados já usados em países onde as versões internacionais já são comercializadas regularmente quando novos deixar claro haver a demanda pelo narrow-body junto a uma parcela eventualmente mais austera do público generalista, e ao menos uma opção de motor Diesel seria bem-vinda e até relativamente fácil para implementar, como o 2C-III e o 1ND-TV que no ciclo da geração E140 chegaram a equipar exemplares japoneses do modelo wide-body destinado apenas à exportação geral por excederem o limite de largura para recolher menos imposto anual. E por mais que o japonês médio fosse um tanto conservador no tocante a motores, com uma nítida preferência pela simplicidade dos motores de aspiração natural que levou o motor 3C-E de 2.2L também com injeção indireta e cuja cilindrada o posicionava em uma faixa de imposto anual mais caro a ser o último Diesel a ser oferecido no Corolla JDM, eventualmente o 1ND-TV ao ser enquadrado em uma faixa de cilindrada menos penalizada pela tributação já seria apto a atender usuários com perfil mais condicionado a entender especificidades que a presença do turbo acarreta especificamente quanto à lubrificação pela carga térmica mais intensa que o óleo lubrificante precisa suportar.

Tendo em vista até a quantidade de carros japoneses importados já usados em países como o Paraguai e que de vez em quando aparecem no Brasil principalmente nas temporadas turísticas, e como o Paraguai é bastante liberal no tocante a motores Diesel e com classificações de emissões muito mais lenientes, já é possível apontar ao menos um cenário no qual a disponibilidade de tal opção em exemplares novos à época da produção do Toyota Corolla Axio E140 teria vindo a ser mais apreciada futuramente, e o fato do modelo narrow-body ter um perfil mais essencialmente conservador poderia favorecer tanto o 3C-E ou o 2C-III em determinadas regiões onde a incidência de impostos fosse menos atrelada à cilindrada, ou seja mais leniente em comparação ao Japão. E tendo em vista que em alguns países já era comum o uso de versões mais austeras do Corolla em serviços como o de táxi, para os quais eventualmente uma carroceria só um pouco mais estreita que a do modelo internacional facilitaria a manobrabilidade em espaços exíguos nos grandes centros urbanos, que justificaria facilmente um narrow-body com motor Diesel até fora do Japão. Enfim, tudo leva a crer que versões narrow-body do Toyota Corolla E140 até poderiam ser beneficiadas caso tivessem recebido ao menos opcionalmente um motor Diesel.

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Como explicar que ainda exista quem acredite que o Passat Iraque fosse originalmente movido a diesel?

Houve uma época que a Volkswagen do Brasil era extremamente competitiva para atender a mercados de exportação, especialmente os "emergentes" antes que o fogo amigo das operações chinesa e indiana se intensificasse, e um dos casos mais emblemáticos foi a venda do Passat de 1ª geração que seguiu em produção no Brasil até 1988. Um dos destinos para o Passat brasileiro foi o Iraque, com contratos para a exportação regular da versão LSE a partir de 1983 em uma operação que envolvia até a Petrobras tendo em vista que o pagamento à Volkswagen era feito em barris de petróleo, cuja exploração no Brasil ainda estava sob o regime de monopólio, embora tenha havido o envio de ao menos um lote do modelo para o Iraque já em 1978. Antes da Guerra do Golfo e da imposição de severas sanções econômicas à ditadura de Saddam Hussein, empresas brasileiras como a construtora Mendes Júnior chegaram a ter operações no Iraque, e até usando versões Diesel exclusivas para exportação de outros veículos também feitos no Brasil como o Fiat Fiorino. Possivelmente a confusão que levava alguns a acreditarem que o Passat de exportação ao Iraque fosse equipado com um motor Diesel já tivesse origem nesse fato, mas há outros aspectos a considerar e que podem ter fomentado tal confusão.
Além da versão LSE que chegou a ser oferecida regularmente no Brasil, mas sem algumas alterações que a configuração de exportação ao Iraque teve com o intuito de melhorar a refrigeração do motor e o conforto, e tendo mantido o motor MD-270 até o fim da produção visando facilitar a reposição de peças no Iraque enquanto as versões de especificação brasileira começaram a usar o AP entre 1984 e 1986, o Passat brasileiro também chegou a ter versões Diesel com configurações quase idênticas às movidas a gasolina ou álcool/etanol, como a LDE que tinha o mesmo padrão do Passat LSE diferindo apenas pela presença do motor Diesel e chegou a ser exportada para o Uruguai como parte de um plano de renovar a frota de táxis por lá. E apesar de países como o Uruguai e o Paraguai terem oferecido álcool/etanol nos postos para atender à demanda de turistas brasileiros e também de carros roubados no Brasil que eram "esquentados" principalmente na Bolívia e no Paraguai ao serem trocados por drogas, a opção do motor Diesel ter predominado na exportação regular para esses destinos certamente contribuiu para fomentar o equívoco de crer que o Passat Iraque também seguisse tal padrão. Mas apesar da Volkswagen que ainda era o maior fabricante de automóveis do Brasil e teoricamente pudesse fazer lobby para desovar algum excedente de exportação de automóveis movidos a óleo diesel se o quisesse, provavelmente os negócios de empresas como a Mendes Júnior no Iraque tivessem tanta relevância quanto a exportação do Passat e tantos outros modelos com motor Diesel cuja oferta no mercado interno permanece proibida...


quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Por que talvez o método "cabo Tião" de resolver problemas parecesse inservível em caminhonetes modernas de polícia?

Quem assistiu ao filme Tropa de Elite pegou a referência, à cena do Santana Robocop com o motor "de uma Belina velha" que usava carburador no lugar do original com injeção eletrônica, e mesmo tomando como exemplo uma viatura de polícia civil ao invés de militar a idéia permanece. Eventualmente possa parecer tentador subsrituir um motor como o 3.2 Puma de 5 cilindros que a Ford Ranger chegou a usar na geração anterior por outro de concepção mais rústica, e algumas especificidades mais burocráticas já poderiam parecer suficientes como um freio para tal devaneio, enquanto especificidades do uso policial sejam ambíguas quanto a ser mais vantajoso ou inadequado tamanho improviso. Só aquela exigência de veículos a partir do ano-modelo 2012 já serem compatíveis com a plataforma de diagnóstico eletrônico OBD-II dificultaria instalar um motor de injeção 100% mecânica e continuar regularizado para trafegar em vias públicas, ao contrário das viaturas operacionais da Marinha, do Exército e da Aeronáutica que são isentas da necessidade do emplacamento e do enquadramento às mesmas normas aplicáveis tanto a veículos particulares ou de repartições públicas quanto das forças de segurança.

Naturalmente uma pick-up, apesar de servir bem para atividades específicas que exijam boa capacidade de carga e/ou vão livre do solo e tração 4X4 para uso em condições de terreno severas, é inadequada ao uso em perseguições em alta velocidade devido ao centro de gravidade mais alto, a ponto de ter sido um avanço a inclusão dos controles de tração e estabilidade como equipamento original recentemente, e só um motor com alguma forma de gerenciamento eletrônico poderia ser integrado a tais dispositivos, que já poderia ser o caso com alguns motores de injeção mecânica que incorporam governador eletrônico na bomba injetora cujo uso ficou mais restrito a tratores e outros equipamentos especializados enquanto no segmento veicular tem prevalecido a injeção common-rail. Uma eventual complexidade para integrar os sistemas eletrônicos embarcados originais de um veículo a um motor diferente do original também pode parecer difícil de justificar à primeira vista, e além do mais considerando que um motor substituto fosse essencialmente rústico que também teria um desempenho proporcionalmente mais modesto mesmo que dentro da mesma faixa de cilindrada em função de discrepâncias nas faixas úteis de rotação de potência e torque máximos. Dadas as especificidades econômicas do Brasil, levando à necessidade de um único tipo de veículo suprir a diferentes necessidades operacionais em alguns grupamentos de polícia, a princípio manter um motor generalista moderno acaba sendo inevitável, e a própria concepção mais leve e compacta dos motores de caminhonetes modernas pode dificultar a adaptação de um motor mais rústico que além das faixas de rotação mais estreitas seja mais pesado e com um maior volume físico, a ponto de fora do uso policial até gambiarras com motores de ignição por faísca antigos de origem Volkswagen ou Chevrolet permanecerem mais comuns de um modo geral em veículos de concepção moderna.

A implementação de alguns dispositivos de controle de emissões em motores estacionários/industriais e agrícolas, como filtros de material particulado (DPF) e diversos métodos de controle das emissões dos óxidos de nitrogênio (NOx) que vão do SCR a catalisadores LNT de acordo com as faixas de potência e diferentes normas em cada região poderia parecer relevante mesmo considerando alguns fabricantes de motores Diesel que saíram do segmento veicular, como a Perkins, e uma possibilidade de ainda manter o desempenho aceitável na maioria das condições de uso normal pudesse ainda ter alguma serventia até em operações policiais padrão, sem ignorar regulamentações ambientais que até serviços de emergência permanecem obrigados a atender. E mesmo que parecesse fácil nesse aspecto, a aquisição de veículos e outros equipamentos para as forças policiais depender das licitações também dificultaria tal improviso, bem como ser menos comum polícias optarem por um programa de modernização para viaturas antigas como fazia principalmente o Exército no caso de alguns modelos mais especializados para os quais era mais fácil substituir o conjunto motriz e sistemas embarcados específicos para o tipo de operação. Mas se por um lado parecesse desejável chegar a um leilão e encontrar caminhonetes com um motor mais resiliente às condições pesadas do serviço policial, que tendem a impor um desgaste mecânico severo, nem sempre a vida imita a arte, e o método "cabo Tião" fica de fora...

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Seria o Cummins ISF2.8 um motor "injustiçado"?

Lembrado no Brasil como um motor polêmico, rejeitado por uma parte considerável do público-alvo da Ford F-4000 durante o ciclo de produção das versões Euro-5 entre 2014 e 2019, o Cummins ISF2.8 tem na leveza e no tamanho compacto algumas vantagens comparado a alguns motores de concepção mais tradicional. Já levando em consideração como o perfil essencialmente conservador da clientela habitual da Série F nacional, acostumado com uma abordagem que mantinha um viés imediatista e improvisado que norteou o início da massificação dos motores Diesel em utilitários no Brasil ainda entre as décadas de '70 e '80, as calibrações de potência e especialmente torque mais modestas eventualmente afastavam alguns operadores que pudessem priorizar o uso de um único caminhão tanto para as atividades laborais quanto a lazer. Naturalmente, em um veículo cujo peso bruto total chega a quase o dobro do que ainda é permitido para detentores da carteira de habilitação categoria B, fica difícil obter um desempenho mais vigoroso e ao gosto de usuários com um perfil estritamente recreativo.
Enquanto para uma F-4000 realmente passava longe de ser empolgante, em modelos menores cujo PBT até 3,5 toneladas como uma Ford F-150 já fica mais fácil satisfazer ou ao menos conciliar necessidades e preferências de uma parte considerável do público generalista. Tendo em vista que durante a chegada da F-150 por importação oficial ao Brasil veio só um motor V8 Coyote de 5.0L e aspiração natural, com a quantidade de cilindros apresentada como um grande destaque mesmo que em outros países da região como a Bolívia sejam priorizados motores V6 EcoBoost twin-turbo, já fica mais fácil traçar um paralelo com a ascensão dos motores turbodiesel com "só" 4 cilindros de um modo geral até como a opção mais prestigiosa de motor para caminhonetes no Brasil principalmente em oposição a motores V6 a gasolina que durante a década de '90 tiveram maior relevância até à medida que as full-size perdiam espaço para as médias na preferência de um público mais urbano e voltado a aplicações particulares e recreativas. A aposta da Ford com a F-150 para o Brasil ter um viés mais estritamente recreativo, tendo vindo só com cabine dupla e carroceria curta (para os padrões de uma pick-up full-size), talvez ainda pudesse oferecer oportunidades também para ao menos uma opção de motor turbodiesel, mesmo que o encerramento da fabricação brasileira de veículos da Ford inviabilize um motor mais específico como o Cummins ISF2.8 ser instalado diretamente na fábrica exclusivamente para exportação ao Brasil.
Ironicamente, após a Ford ter até chegado a oferecer a opção de um motor V6 turbodiesel de 3.0L para a F-150 até nos Estados Unidos onde regulamentações de emissões e a própria cultura de caminhonetes ter sido fomentada por um comodismo das antigas Big Three (General Motors, Ford, e Chrysler) para a produção de sedentos motores de 6 a 8 cilindros a gasolina, a opção pelo turbodiesel permaneceu para exportação a países como as Filipinas. Um motor de fabricação própria já pode ser apontado como uma facilidade no tocante à logística para atender à exportação, ainda que em volumes muito menores que os do mercado interno dos Estados Unidos onde tem sido concentrada a produção da Ford F-150 até para o Brasil, embora a princípio nada impeça o outsourcing de proporcionar bons resultados no desempenho e economia de combustível, bem como favorecer a logística de reposição de peças e a assistência técnica através de representantes dos fornecedores independentes de motores como a Cummins. A diferença do Cummins ISF2.8 para um concorrente de 3.0L pode até parecer pouco relevante, sem levar em conta as calibrações de potência e torque substancialmente distintas, e que um motor essencialmente destinado a aplicações comerciais vá ter ajustes mais conservadores, e portanto a quantidade de cilindros talvez seja menos relevante do que poderia parecer num primeiro momento.
Muito embora a Ford já tenha feito uso de motores Cummins em alguns modelos de caminhões médios e pesados efetivamente destinados a uso estritamente profissional produzidos tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, é frequentemente creditado à Cummins uma parte considerável do sucesso de pick-ups full-size da Ram, desde a época que a atual marca era usada como nomenclatura em modelos da Dodge a partir da categoria da 2500 e em modelos de PBT ainda mais alto como a 3500, que vale destacar são homologadas no Brasil como caminhão e sendo exigida carteira de habilitação categoria C ou superior para a condução em vias públicas. A concepção tradicional dos motores da série B, desde os B5.9 com 6 cilindros tanto em versões de injeção mecânica quanto com gerenciamento eletrônico até o B6.7 usado em modelos mais recentes dos modelos de maior porte da linha Ram, que tem regimes de rotação mais modestos comparados aos do ISF2.8 e ainda assim entrega um desempenho muito mais vigoroso tanto em aplicações mais essencialmente recreativas quanto em trabalhos mais pesados, acaba por conquistar fãs incondicionais. Considerando que uma Ram 3500 tem porte comparável ao de uma Ford F-350 ou F-4000, em que pese ter vindo ao Brasil somente via importação e portanto ficando totalmente distante daquele viés de improviso que caracterizava os primórdios da "dieselização" de utilitários no Brasil, até poderia ocorrer que algum brasileiro de perfil mais conservador pudesse ficar satisfeito usando motores com só 4 cilindros, mas sendo sempre apresentada no Brasil como detentora da mais típica concepção essencialmente americana é natural que já se espere um motor que acompanhe a imagem de grandeza.
Ironicamente, pode-se traçar a origem do motor ISF2.8 a um projeto de substituir o B5.9 por um V8 de 5.6L com uma concepção então moderna para os padrões de 2006, já antevendo o recrudescimento das normas de emissões que seria supostamente mais difícil de atender com motores da série B mantendo o desempenho ao agrado do público tradicional das pick-ups full-size nos Estados Unidos, embora hoje o motor B6.7 prove que aquela impressão de "obsolescência" dos motores Cummins da série B estava ao menos equivocada. O mesmo projeto previa também um motor 4.2 V6 que poderia atender aos modelos mais leves da linha Ram, que até 2009 ainda estava inserida na marca Dodge, de forma até semelhante a como os motores B5.9 e B6.7 de 6 cilindros em linha originaram os B3.9 e B4.5 com 4 cilindros que no Brasil chegaram a ser usados até em caminhões maiores que uma Ram 3500. No fim das contas, em meio à crise da bolha hipotecária americana deflagrada em 2008 postergou a introdução do V8 somente para fins de 2013 reduzido para 5.0L sendo descontinuado de forma relativamente rápida em 2019 após ter sido fornecido somente para a Nissan e sofrido com a rejeição por parte dos operadores estritamente comerciais em diversos segmentos que preferiam a concepção tradicional da série B, embora o ISF2.8 tenha encontrado espaço principalmente junto a fabricantes de caminhões na China e até junto à Agrale que o ofereceu tanto em jipes militares isentos de atender às normas de emissões quanto em modelos civis que ainda eram homologados na norma Euro-5 usando o sistema SCR para controle das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx).
Além dos modelos 2500 e mais pesados, a proposta que norteava o desenvolvimento dos motores V6 e V8 modernizados era atender também à Ram 1500, que por ser mais leve e possível de conduzir com a mesma habilitação de carro na maioria dos mercados de exportação tinha um viés mais essencialmente recreativo que levou à priorização da oferta de motores V8 a gasolina. Levando em consideração até os utilitários de um modo geral serem mais frequentemente tributados de forma menos extorsiva de acordo com a cilindrada dos motores, logo a Ram 1500 e as concorrentes diretas de Ford e Chevrolet atendem a uma parte do público entusiasta dos muscle-cars de forma análoga a como a Chicken Tax e uma maior leniência quanto a classificações de emissões e metas de redução do consumo de combustível aplicáveis a "caminhões leves" no mercado americano favoreceram historicamente as pick-ups e SUVs de grande porte com motores de 6 a 8 cilindros desde o rescaldo das primeiras crises do petróleo na década de '70 e perdurando até os dias de hoje. Naturalmente um motor turbodiesel de 6 cilindros e 4.2L como estava nos planos da Cummins também seria um tanto "exagerado" para os padrões de algumas regiões, apesar da mística em torno dos motores V8 como uma das materializações do American Way of Life ser parte dos atrativos junto a um público estritamente recreativo.
A geração anterior da Ram 1500, que chegou já por importação oficial como Ram Classic e apresentada como a pick-up mais potente do Brasil em função do motor 5.7 V8 Hemi (lembrando ainda que a 2500 e a 3500 são oficialmente caminhões), chegou a ter entre 2014 e 2018 a opção por um motor turbodiesel V6 de 3.0L projetado pela VM Motori que nunca foi trazido ao Brasil e também acabou sendo preterido até na Argentina que tinha uma tradição dieselhead mais forte até em segmentos mais leves. Tomando a cilindrada bastante próxima à do motor Cummins ISF2.8 como parâmetro para comparação, bem como a relação entre pick-ups Ram e motores Cummins já consolidada com os modelos mais pesados, talvez o foco na economia que norteou uma parte do público a desejar um motor turbodiesel na 1500 pudesse ser menos desfavorável à percepção de austeridade eventualmente excessiva inerente a motores de "só" 4 cilindros, embora as calibrações predominantemente conservadoras do ISF2.8 por ser mais voltado a utilitários de origem asiática e européia talvez desagradassem a apreciadores de uma "americanidade" tal qual ocorria com a Ford F-4000 brasileira quando passou a usar esse motor "de caminhão chinês". A bem da verdade, pelo motor Cummins ISF2.8 ser inerentemente mais compacto até para poder caber em alguns utilitários asiáticos cujos compartimentos de motor eram demasiadamente pequenos, talvez fosse até interessante para facilitar o acesso a componentes durante procedimentos de manutenção sob o capô de uma pick-up full-size americana em comparação a um V6 que, considerando a presença do comando de válvulas nos cabeçotes, também acabava sendo mais trabalhoso para fazer ajustes e substituir alguns componentes quando necessário.
Além de Ford e Ram, a General Motors também desenvolveu e ainda oferece com bastante destaque um motor turbodiesel de 3.0L e 6 cilindros, nesse caso em linha, e atualmente o único motor turbodiesel da categoria (modelos com PBT abaixo de 3,5 toneladas) disponível nos Estados Unidos e em países como o Uruguai e o Paraguai tem mais destaque que os V8 a gasolina na Chevrolet Silverado, é outro aspecto que oferece bons parâmetros para apontar como o motor Cummins ISF2.8 é eventualmente injustiçado. Enquanto Ford e Ram usam motores modernos de 6 cilindros a gasolina com turbo, complementando a oferta de motores V6 e V8 com aspiração natural, o caso da Silverado é mais curioso por ter substituído o motor 4.3 V6 a gasolina pelo 2.7 turbo com 4 cilindros, embora possa parecer difícil tomar a linha de motores a gasolina e flex aptos a operar também com etanol como pretexto para justificar abordagens mais radicais no tocante ao downsizing com relação aos motores turbodiesel na menor faixa de peso das pick-ups full-size. Naturalmente, pela diferença de cilindrada bastante próxima entre o motor Duramax próprio da GM e o Cummins ISF2.8 tal qual observado nos motores V6 das concorrentes diretas, seria de se esperar que a disponibilidade de um motor turbodiesel com 4 cilindros pudesse parecer até menos "chocante", além do mais que a maior ênfase na economia de combustível tornou mais assimilável tanto serem oferecidos com 6 cilindros mesmo com as respectivas linhas de motores a gasolina ou flex tendo a opção por motores V8 quanto pela Ram ter oferecido como o motor de menor cilindrada exatamente o turbodiesel e a situação ter sido semelhante com a Silverado 1500 até o motor 2.7 turbo substituir o 4.3 V6 no caso das versões a gasolina.
Embora a prevalência do motor turbodiesel de 6 cilindros em países vizinhos como Uruguai e Paraguai tenha feito esse ser o que eu mais observei na atual geração da Chevrolet Silverado 1500 pela presença de turistas estrangeiros, e no Brasil seja oferecido só o 5.3 V8 a gasolina, o modelo ter desmistificado a configuração de motores com 4 cilindros em linha para as pick-ups full-size nos Estados Unidos mesmo recorrendo ao turbo é um bom parâmetro para comparações. Naturalmente, por abranger diversos perfis que vão do trabalho em fazendas a viagens de férias para o litoral brasileiro, é exigida uma versatilidade e o motor ser adequado tanto às condições de uso quanto ao peso bruto total ou à capacidade máxima de tração do veículo ao ser incluída a capacidade de reboque na conta. Enfim, apesar de uma má impressão que pode ter sido causada pela aplicação a um modelo em faixa de peso mais alta, a princípio é possível apontar o motor Cummins ISF2.8 como injustiçado, levando em consideração também que a cilindrada é mais próxima à de motores que equipavam modelos em faixas de peso mais moderadas.

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Caso para reflexão: Jeep Cherokee da geração XJ e até que ponto o motor Diesel precisava ser uma opção "de sacrifícios"

Após ver um exemplar do Jeep Cherokee da geração XJ anterior à reestilização ocorrida em '96 quando o modelo começou a ter importação oficial para o Brasil (importadores independentes traziam modelos anteriores da Jeep e outras marcas que compunham o portfolio da Chrysler em meio à euforia causada no começo da década de '90 pela reabertura das importações), com o icônico motor AMC de 6 cilindros em linha e 4.0L que equipa a maioria dos exemplares avistados no Brasil, relatei o avistamento para um amigo que hoje reside na Inglaterra e nutria uma verdadeira obsessão por utilitários americanos com um sedento motor V8 a gasolina mas que também apreciava o motor AMC de 6 cilindros, antes de começar a gostar de motores turbodiesel da BMW e da Mercedes-Benz. Como seria de se esperar de mim, disse ter certeza que ele ainda teria por um exemplar Euro-spec com o motor Renault Douvrin turbodiesel de 2.1L e 4 cilindros ainda com injeção indireta aquela mesma sensação que me inebriava toda vez que via uma Nissan Bakkie de fabricação sul-africana em algumas viagens que fiz ao Uruguai. É aí que começa a parte do motor Diesel anteriormente ser considerado até certo ponto um "sacrifício" ao qual poucos se dispunham nos Estados Unidos enquanto era de certa forma tratado com naturalidade em outras regiões.

Com o Jeep Cherokee XJ sendo lançado em fins de 1983 já como ano-modelo 1984, enquanto o Brasil ainda vivenciava uma proibição às importações de carros iniciada em 1976 como parte das medidas de austeridade que acarretaram ainda no impedimento a que veículos de algumas categorias pudessem ter motores Diesel, visando resguardar as reservas de dólares no rescaldo das primeiras crises do petróleo após a derrota de uma coalizão árabe na Guerra do Yom Kippur que tinha como objetivo destruir Israel, a opção por um motor AMC a gasolina de 2.5L com 4 cilindros ou o V6 de 2.8L fornecido pela General Motors que foi substituído em 1987 pelo motor AMC de 6 cilindros em linha foi complementada já em 1985 pelo motor Renault Douvrin, lembrando que a Renault chegou a ser a controladora da American Motors Corporation entre 1978 e 1987. Tendo sido retirado de catálogo nos Estados Unidos em 1987, a opção turbodiesel permaneceu para outras regiões com o motor Renault até 1995, quando deu lugar ao motor VM Motori 425 OHV de 2.5L que era produzido tanto na Itália quanto em Curitiba de onde era exportado para uso em exemplares fabricados na Argentina entre 1996 e 2000 em uma fábrica da Fiat na província de Córdoba. Embora o motor Renault já tivesse comando de válvulas no cabeçote, e fosse relativamente moderno à época, com 2068cc e potência de "só" 84cv a 4000 RPM e torque de 19kgfm a 2250 RPM poderia soar decepcionante frente ao motorzão AMC com 3956cc que gerava 193cv a 4600 RPM e 31kgfm a 3500 RPM que a Chrysler ainda deu continuidade após adquirir a AMC da Renault, e até o VM Motori com 2499cc entregando 116cv a 3900 RPM e 28kgfm a 1800 RPM poderia soar mais empolgante. Naturalmente, pese o motor VM ter uma configuração bem mais rústica e tradicionalmente apreciada ainda em aplicações estacionárias e de propulsão marítima como o comando de válvulas no bloco e os cabeçotes individuais para cada cilindro que causaram tanto dissabor a quem teve problemas com a queima de juntas de cabeçote, tinha na cilindrada 431cc mais alta e na presença do intercooler uma vantagem perante o austero Renault Douvrin, mas continuava sendo uma opção para quem aceitou sacrificar o desempenho mais vigoroso do motor a gasolina em nome da economia do Diesel, além das opções turbodiesel também terem sido ambas oferecidas somente com câmbio manual enquanto para os motores a gasolina havia a comodidade do câmbio automático opcional.

Sem entrar no mérito do quão traumática acabou sendo a experiência com o motor VM Motori quanto à incidência de superaquecimento, bem como lembrando que nem sempre um motor de cilindrada menor no caso das opções a gasolina vá ser uma garantia de mais economia de combustível, várias evoluções ao longo dos últimos 30 anos efetivamente fizeram um bom motor turbodiesel relativamente compacto ficar mais competitivo no tocante ao desempenho frente aos concorrentes de ignição por faísca de alta litragem e concepção mais tradicional. Possivelmente a austeridade que os europeus assimilavam mais facilmente até pelo impacto mais severo das duas grandes guerras mundiais ter sido muito mais intenso no front doméstico, em contraste com a prosperidade que viabilizou a prevalência de veículos e motores mais opulentos nos Estados Unidos no imediato pós-guerra, tenha sido mais decisiva para o Diesel ficar tanto tempo com esse viés até certo ponto de "improviso" ou ser tratado como um sacrifício em nome da economia para quem se dispunha a ter um veículo de porte maior. Enfim, além de ter consolidado os parâmetros que alçaram a categoria de SUV a objeto de desejo da classe média a nível mundial, o Jeep Cherokee XJ é um retrato fiel de um dos estágios mais críticos da evolução dos motores Diesel rumo à competitividade contra a ignição por faísca, embora ainda ocorressem alguns sacrifícios.