terça-feira, 6 de agosto de 2024

Seria o Cummins ISF2.8 um motor "injustiçado"?

Lembrado no Brasil como um motor polêmico, rejeitado por uma parte considerável do público-alvo da Ford F-4000 durante o ciclo de produção das versões Euro-5 entre 2014 e 2019, o Cummins ISF2.8 tem na leveza e no tamanho compacto algumas vantagens comparado a alguns motores de concepção mais tradicional. Já levando em consideração como o perfil essencialmente conservador da clientela habitual da Série F nacional, acostumado com uma abordagem que mantinha um viés imediatista e improvisado que norteou o início da massificação dos motores Diesel em utilitários no Brasil ainda entre as décadas de '70 e '80, as calibrações de potência e especialmente torque mais modestas eventualmente afastavam alguns operadores que pudessem priorizar o uso de um único caminhão tanto para as atividades laborais quanto a lazer. Naturalmente, em um veículo cujo peso bruto total chega a quase o dobro do que ainda é permitido para detentores da carteira de habilitação categoria B, fica difícil obter um desempenho mais vigoroso e ao gosto de usuários com um perfil estritamente recreativo.
Enquanto para uma F-4000 realmente passava longe de ser empolgante, em modelos menores cujo PBT até 3,5 toneladas como uma Ford F-150 já fica mais fácil satisfazer ou ao menos conciliar necessidades e preferências de uma parte considerável do público generalista. Tendo em vista que durante a chegada da F-150 por importação oficial ao Brasil veio só um motor V8 Coyote de 5.0L e aspiração natural, com a quantidade de cilindros apresentada como um grande destaque mesmo que em outros países da região como a Bolívia sejam priorizados motores V6 EcoBoost twin-turbo, já fica mais fácil traçar um paralelo com a ascensão dos motores turbodiesel com "só" 4 cilindros de um modo geral até como a opção mais prestigiosa de motor para caminhonetes no Brasil principalmente em oposição a motores V6 a gasolina que durante a década de '90 tiveram maior relevância até à medida que as full-size perdiam espaço para as médias na preferência de um público mais urbano e voltado a aplicações particulares e recreativas. A aposta da Ford com a F-150 para o Brasil ter um viés mais estritamente recreativo, tendo vindo só com cabine dupla e carroceria curta (para os padrões de uma pick-up full-size), talvez ainda pudesse oferecer oportunidades também para ao menos uma opção de motor turbodiesel, mesmo que o encerramento da fabricação brasileira de veículos da Ford inviabilize um motor mais específico como o Cummins ISF2.8 ser instalado diretamente na fábrica exclusivamente para exportação ao Brasil.
Ironicamente, após a Ford ter até chegado a oferecer a opção de um motor V6 turbodiesel de 3.0L para a F-150 até nos Estados Unidos onde regulamentações de emissões e a própria cultura de caminhonetes ter sido fomentada por um comodismo das antigas Big Three (General Motors, Ford, e Chrysler) para a produção de sedentos motores de 6 a 8 cilindros a gasolina, a opção pelo turbodiesel permaneceu para exportação a países como as Filipinas. Um motor de fabricação própria já pode ser apontado como uma facilidade no tocante à logística para atender à exportação, ainda que em volumes muito menores que os do mercado interno dos Estados Unidos onde tem sido concentrada a produção da Ford F-150 até para o Brasil, embora a princípio nada impeça o outsourcing de proporcionar bons resultados no desempenho e economia de combustível, bem como favorecer a logística de reposição de peças e a assistência técnica através de representantes dos fornecedores independentes de motores como a Cummins. A diferença do Cummins ISF2.8 para um concorrente de 3.0L pode até parecer pouco relevante, sem levar em conta as calibrações de potência e torque substancialmente distintas, e que um motor essencialmente destinado a aplicações comerciais vá ter ajustes mais conservadores, e portanto a quantidade de cilindros talvez seja menos relevante do que poderia parecer num primeiro momento.
Muito embora a Ford já tenha feito uso de motores Cummins em alguns modelos de caminhões médios e pesados efetivamente destinados a uso estritamente profissional produzidos tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, é frequentemente creditado à Cummins uma parte considerável do sucesso de pick-ups full-size da Ram, desde a época que a atual marca era usada como nomenclatura em modelos da Dodge a partir da categoria da 2500 e em modelos de PBT ainda mais alto como a 3500, que vale destacar são homologadas no Brasil como caminhão e sendo exigida carteira de habilitação categoria C ou superior para a condução em vias públicas. A concepção tradicional dos motores da série B, desde os B5.9 com 6 cilindros tanto em versões de injeção mecânica quanto com gerenciamento eletrônico até o B6.7 usado em modelos mais recentes dos modelos de maior porte da linha Ram, que tem regimes de rotação mais modestos comparados aos do ISF2.8 e ainda assim entrega um desempenho muito mais vigoroso tanto em aplicações mais essencialmente recreativas quanto em trabalhos mais pesados, acaba por conquistar fãs incondicionais. Considerando que uma Ram 3500 tem porte comparável ao de uma Ford F-350 ou F-4000, em que pese ter vindo ao Brasil somente via importação e portanto ficando totalmente distante daquele viés de improviso que caracterizava os primórdios da "dieselização" de utilitários no Brasil, até poderia ocorrer que algum brasileiro de perfil mais conservador pudesse ficar satisfeito usando motores com só 4 cilindros, mas sendo sempre apresentada no Brasil como detentora da mais típica concepção essencialmente americana é natural que já se espere um motor que acompanhe a imagem de grandeza.
Ironicamente, pode-se traçar a origem do motor ISF2.8 a um projeto de substituir o B5.9 por um V8 de 5.6L com uma concepção então moderna para os padrões de 2006, já antevendo o recrudescimento das normas de emissões que seria supostamente mais difícil de atender com motores da série B mantendo o desempenho ao agrado do público tradicional das pick-ups full-size nos Estados Unidos, embora hoje o motor B6.7 prove que aquela impressão de "obsolescência" dos motores Cummins da série B estava ao menos equivocada. O mesmo projeto previa também um motor 4.2 V6 que poderia atender aos modelos mais leves da linha Ram, que até 2009 ainda estava inserida na marca Dodge, de forma até semelhante a como os motores B5.9 e B6.7 de 6 cilindros em linha originaram os B3.9 e B4.5 com 4 cilindros que no Brasil chegaram a ser usados até em caminhões maiores que uma Ram 3500. No fim das contas, em meio à crise da bolha hipotecária americana deflagrada em 2008 postergou a introdução do V8 somente para fins de 2013 reduzido para 5.0L sendo descontinuado de forma relativamente rápida em 2019 após ter sido fornecido somente para a Nissan e sofrido com a rejeição por parte dos operadores estritamente comerciais em diversos segmentos que preferiam a concepção tradicional da série B, embora o ISF2.8 tenha encontrado espaço principalmente junto a fabricantes de caminhões na China e até junto à Agrale que o ofereceu tanto em jipes militares isentos de atender às normas de emissões quanto em modelos civis que ainda eram homologados na norma Euro-5 usando o sistema SCR para controle das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx).
Além dos modelos 2500 e mais pesados, a proposta que norteava o desenvolvimento dos motores V6 e V8 modernizados era atender também à Ram 1500, que por ser mais leve e possível de conduzir com a mesma habilitação de carro na maioria dos mercados de exportação tinha um viés mais essencialmente recreativo que levou à priorização da oferta de motores V8 a gasolina. Levando em consideração até os utilitários de um modo geral serem mais frequentemente tributados de forma menos extorsiva de acordo com a cilindrada dos motores, logo a Ram 1500 e as concorrentes diretas de Ford e Chevrolet atendem a uma parte do público entusiasta dos muscle-cars de forma análoga a como a Chicken Tax e uma maior leniência quanto a classificações de emissões e metas de redução do consumo de combustível aplicáveis a "caminhões leves" no mercado americano favoreceram historicamente as pick-ups e SUVs de grande porte com motores de 6 a 8 cilindros desde o rescaldo das primeiras crises do petróleo na década de '70 e perdurando até os dias de hoje. Naturalmente um motor turbodiesel de 6 cilindros e 4.2L como estava nos planos da Cummins também seria um tanto "exagerado" para os padrões de algumas regiões, apesar da mística em torno dos motores V8 como uma das materializações do American Way of Life ser parte dos atrativos junto a um público estritamente recreativo.
A geração anterior da Ram 1500, que chegou já por importação oficial como Ram Classic e apresentada como a pick-up mais potente do Brasil em função do motor 5.7 V8 Hemi (lembrando ainda que a 2500 e a 3500 são oficialmente caminhões), chegou a ter entre 2014 e 2018 a opção por um motor turbodiesel V6 de 3.0L projetado pela VM Motori que nunca foi trazido ao Brasil e também acabou sendo preterido até na Argentina que tinha uma tradição dieselhead mais forte até em segmentos mais leves. Tomando a cilindrada bastante próxima à do motor Cummins ISF2.8 como parâmetro para comparação, bem como a relação entre pick-ups Ram e motores Cummins já consolidada com os modelos mais pesados, talvez o foco na economia que norteou uma parte do público a desejar um motor turbodiesel na 1500 pudesse ser menos desfavorável à percepção de austeridade eventualmente excessiva inerente a motores de "só" 4 cilindros, embora as calibrações predominantemente conservadoras do ISF2.8 por ser mais voltado a utilitários de origem asiática e européia talvez desagradassem a apreciadores de uma "americanidade" tal qual ocorria com a Ford F-4000 brasileira quando passou a usar esse motor "de caminhão chinês". A bem da verdade, pelo motor Cummins ISF2.8 ser inerentemente mais compacto até para poder caber em alguns utilitários asiáticos cujos compartimentos de motor eram demasiadamente pequenos, talvez fosse até interessante para facilitar o acesso a componentes durante procedimentos de manutenção sob o capô de uma pick-up full-size americana em comparação a um V6 que, considerando a presença do comando de válvulas nos cabeçotes, também acabava sendo mais trabalhoso para fazer ajustes e substituir alguns componentes quando necessário.
Além de Ford e Ram, a General Motors também desenvolveu e ainda oferece com bastante destaque um motor turbodiesel de 3.0L e 6 cilindros, nesse caso em linha, e atualmente o único motor turbodiesel da categoria (modelos com PBT abaixo de 3,5 toneladas) disponível nos Estados Unidos e em países como o Uruguai e o Paraguai tem mais destaque que os V8 a gasolina na Chevrolet Silverado, é outro aspecto que oferece bons parâmetros para apontar como o motor Cummins ISF2.8 é eventualmente injustiçado. Enquanto Ford e Ram usam motores modernos de 6 cilindros a gasolina com turbo, complementando a oferta de motores V6 e V8 com aspiração natural, o caso da Silverado é mais curioso por ter substituído o motor 4.3 V6 a gasolina pelo 2.7 turbo com 4 cilindros, embora possa parecer difícil tomar a linha de motores a gasolina e flex aptos a operar também com etanol como pretexto para justificar abordagens mais radicais no tocante ao downsizing com relação aos motores turbodiesel na menor faixa de peso das pick-ups full-size. Naturalmente, pela diferença de cilindrada bastante próxima entre o motor Duramax próprio da GM e o Cummins ISF2.8 tal qual observado nos motores V6 das concorrentes diretas, seria de se esperar que a disponibilidade de um motor turbodiesel com 4 cilindros pudesse parecer até menos "chocante", além do mais que a maior ênfase na economia de combustível tornou mais assimilável tanto serem oferecidos com 6 cilindros mesmo com as respectivas linhas de motores a gasolina ou flex tendo a opção por motores V8 quanto pela Ram ter oferecido como o motor de menor cilindrada exatamente o turbodiesel e a situação ter sido semelhante com a Silverado 1500 até o motor 2.7 turbo substituir o 4.3 V6 no caso das versões a gasolina.
Embora a prevalência do motor turbodiesel de 6 cilindros em países vizinhos como Uruguai e Paraguai tenha feito esse ser o que eu mais observei na atual geração da Chevrolet Silverado 1500 pela presença de turistas estrangeiros, e no Brasil seja oferecido só o 5.3 V8 a gasolina, o modelo ter desmistificado a configuração de motores com 4 cilindros em linha para as pick-ups full-size nos Estados Unidos mesmo recorrendo ao turbo é um bom parâmetro para comparações. Naturalmente, por abranger diversos perfis que vão do trabalho em fazendas a viagens de férias para o litoral brasileiro, é exigida uma versatilidade e o motor ser adequado tanto às condições de uso quanto ao peso bruto total ou à capacidade máxima de tração do veículo ao ser incluída a capacidade de reboque na conta. Enfim, apesar de uma má impressão que pode ter sido causada pela aplicação a um modelo em faixa de peso mais alta, a princípio é possível apontar o motor Cummins ISF2.8 como injustiçado, levando em consideração também que a cilindrada é mais próxima à de motores que equipavam modelos em faixas de peso mais moderadas.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html