quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Diesel: apesar dos preconceitos apresenta grandes vantagens operacionais

Não é de hoje que a população brasileira em geral ainda apresenta um grande desconhecimento acerca dos motores do ciclo Diesel, reforçada por restrições jurídicas ao uso do óleo diesel em veículos leves.

Por conta de um cenário de menor competitividade na oferta de motores Diesel, associada à péssima qualidade apresentada pelo "petrodiesel" com elevada concentração de enxofre disponibilizado ao mercado interno pela Petrobras que acaba prejudicando o funcionamento correto de sistemas de controle de emissões como o EGR (exhaust gas recirculation - responsável por readmitir parte dos gases de escapamento na admissão) e conversores catalíticos que poderiam sofrer uma corrosão mais intensa. E ainda hoje o teor de cinzas faz com que haja uma maior emissão de particulados, tornando os filtros de particulados (DPF - Diesel Particulate Filter) mais suscetíveis a entupimentos. Considerando ainda a maior sensibilidade de alguns sistemas de gerenciamento eletrônico a um diesel de baixa qualidade, associada a um comodismo de profissionais do setor mecânico que não buscam aperfeiçoamento para atender a um produto mais avançado, acabou retardando uma aplicação mais ampla de tais dispositivos no mercado nacional, tanto que ainda há uma quantidade razoável de caminhões e chassis para microônibus saindo de fábrica com injeção por bomba mecânica.
Enquanto isso, alternativas como o biodiesel ou mesmo o uso de óleos vegetais puros para fins energéticos foram por um considerável tempo marginalizadas, enfrentando o descaso do poder público e sequer despertando a curiosidade de alguns brasileiros mais iludidos pelo etanol e, nas últimas décadas, pelo gás natural, que além de demandar um sistema de armazenamento muito complexo acrescenta peso e ocupa um grande volume, prejudicando a capacidade de carga. Associado à disponibilidade mais limitada, não se mostra uma opção tão favorável a uma vasta gama de aplicações como o transporte rodoviário de longas distâncias.
Ainda, a eficiência superior do ciclo Diesel faz com que um motor de potência e torque similares operando no ciclo Otto seja menos atrativo sob o aspecto da rentabilidade, além da maior durabilidade. E quanto mais alta a faixa de potência, mais sensível a vantagem do Diesel.
Não é à toa que mesmo em segmentos mais leves alguns modelos sequer oferecem motorizações que não sejam Diesel...
Como se não fosse suficiente um custo operacional mais baixo, a aptidão para o trabalho pesado é reforçada pela menor sensibilidade a ambientes extremos, favorecendo aplicações fora-de-estrada, como na agricultura, atividades militares (aonde a maior segurança proporcionada pelos veículos equipados com motor Diesel, menos suscetíveis a explosões e mais difíceis de se detectar por radares inimigos, é bastante apreciada), ou mesmo na prática de off-road recreativo.

Alguns apontam a questão da poluição quase como se fosse um problema exclusivo do ciclo Diesel, mas na prática acaba sendo um preconceito devido ao material particulado ser mais perceptível a olho nu do que as emissões de um motor de ignição por faísca queimando gasolina, álcool ou gás metano. Novamente entra em questão a qualidade inferior do "petrodiesel", principalmente ao se comparar com o biodiesel, além do desleixo com a manutenção atingir uma parte considerável da frota brasileira de veículos utilitários, de idade média bastante avançada.
Mas o segmento que ainda mostra de forma mais evidente as vantagens do ciclo Diesel é o transporte coletivo de passageiros: a maior eficiência se reflete em menor necessidade de ocupar espaço útil aos passageiros e respectivas bagagens com reservatórios de combustível extras para manter a autonomia. Há quem reclame do som característico de um motor Diesel, outros que insistem de uma forma quase paranóica em dizer que nós vamos morrer "com os pulmões pretos" de tanto particulado inalado, mas com certeza não se disporiam a pagar 3 vezes mais caro pela passagem de ônibus para rodar no tão idolatrado etanol caso fossem empregados motores do ciclo Otto nos ônibus - até é possível usar etanol puro ou misturado em diferentes proporções com o óleo diesel ou o biodiesel nos próprios motores Diesel, sem alterações significativas em consumo e desgaste de peças com misturas de até 10% de etanol (já diminuindo em até 50% a emissão de particulado) e podendo chegar a um aumento de 70% no consumo ao se usar o etanol puro. Entretanto, para se manter uma lubrificação adequada dos componentes do sistema de injeção e uma resistência maior à detonação, é recomendado acrescentar no mínimo 5% de óleo ao etanol, podendo ser usado até algum produto de base vegetal como o conhecido óleo de mamona, vastamente usado no aeromodelismo e em karts.

Outro setor em que o ciclo Diesel se destaca é entre as ambulâncias. Apesar de ainda haver um preconceito de que veículos equipados com esse tipo de motor são consideravelmente mais lentos do que um similar do ciclo Otto, a disponibilidade de torque em rotações mais baixas os torna mais aptos ao serviço, sobretudo em localidades com uma topografia bastante irregular como Porto Alegre. E, apenas a título de curiosidade, há alguns relatos de motoristas de Renault Master com o motor Sofim-IVECO que já atingiram a marca de 170km/h, respeitável ao se considerar a aerodinâmica pouco apurada e as relações de marcha curtas habituais num utilitário. E mesmo os modelos mais recentes com o motor Renault 2.5dCi alcançam 150km/h limitados eletronicamente, mas ainda é uma velocidade 25% superior aos 120km/h que uma Kombi pode atingir...
Além disso, novamente entra em evidência a vantagem da adaptabilidade dos motores Diesel ao uso de combustíveis alternativos e variações na qualidade dos mesmos, fazendo com que a confiabilidade não seja comprometida num momento mais crítico.

Modelos como a Mercedes-Benz MB180-D, com o mesmo motor OM616 que fez fama de indestrutível nos sedãs 240D, podem rodar sem maiores problemas até com óleo de cozinha velho (devidamente coado para remover pedaços de alimentos que pudessem obstruir o "pescador" ou a bomba e os bicos injetores). Diga-se de passagem, o primeiro veículo que eu vi rodar com óleo de cozinha no tanque foi uma MB180-D, mas não era a mesma da foto acima, apesar de também ser uma ambulância. Tal fato ocorreu em 2001, quando eu tinha 11 anos e morava no litoral de Santa Catarina, e o proprietário da ambulância era um paulista meio maluco que alugava o veículo para empresas de assistência médica na regiâo metropolitana de São Paulo e eventualmente fazia transporte de pacientes para tratamento fora do domicílio. Àquela época eu já havia ouvido comentários sobre o biodiesel, que vinha sendo testado pela UFRJ desde 1999 justamente com uma Mercedes-Benz MB180-D, mas ver um motor a diesel queimando óleo de cozinha velho, filtrado precariamente com um coador de café e uma garrafa de Coca-Cola cortada como um funil improvisado, sem "buracos" na aceleração ou outras falhas que pudessem ser observadas "de ouvido", foi uma experiência nova. Às vezes ainda me vem à memória aquela cena da ambulância sendo abastecida com o óleo velho enquanto o proprietário me dizia que "é assim que os turcos e os africanos fazem naquelas Mercedes velhas". Mais de acordo com os objetivos do Dr. Rudolf Diesel, impossível...

E naquele momento, se eu achava apenas "estranho" haver entraves burocráticos dificultando a presença de motores do ciclo Diesel em veículos leves no mercado nacional, mesmo após ver uma infinidade de modelos produzidos localmente que apareciam no verão com turistas argentinos, uruguaios e paraguaios, passei a não ter uma visão tão conformista com relação ao etanol ser apresentado como a alternativa mais concreta à gasolina em veículos leves (o gás tinha a disponibilidade ainda mais restrita do que hoje, e o etanol por ser líquido demanda alterações menos significativas na infra-estrutura da rede de reabastecimento).

3 comentários:

  1. Tópico muito esclarecedor.

    Parabéns.

    ONE

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  2. tem algum motor a diesel que cabe no ford ka e seja barato?

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    Respostas
    1. Por conta das restrições jurídicas a oferta de motores Diesel para aplicações leves acaba muito restrita no mercado brasileiro, e com isso os preços sobem. Procurando bem não é impossível achar em desmanches por cerca de $3000 o motor Volkswagen 1.6 de injeção indireta que a Kombi usava. Mas motor Diesel que seja barato e caiba no Ka é difícil de encontrar, a não ser que acabe recorrendo a gambiarras com algum motor agrícola ou estacionário, o que eu não recomendaria em função do peso.
      A propósito: no MercadoLivre chegou a aparecer um motor Ford Endura-D inglês que era usado no Fiesta e na Courier de exportação, e serve no Ka.
      http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-220602134-mondeo-diesel-motor18ford-enduraka-courrier-fiestaescort-_JM

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html