quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Observações sobre as declarações do CEO da PSA sobre a perseguição política aos motores de combustão interna

A indústria automobilística de um modo geral tem mantido uma posição por vezes contraditória com relação às propostas de uma transição do motor de combustão interna para a tração elétrica, oscilando entre preocupações com o custo de tal medida e eventuais dividendos publicitários alusivos à imagem de "modernidade". Naturalmente, há espaço para opiniões divergentes que vão desde a aposta em um mercado mais promissor para os biocombustíveis como uma forma de assegurar uma continuidade de motores com uma concepção mais tradicional, até a crença bastante utópica por uma hegemonia tanto de veículos 100% elétricos quanto da condução autônoma, sem esquecer dos híbridos que já são uma realidade nos principais mercados mundiais. Mas poucos executivos tem demonstrado tanta coragem quanto o português Carlos Tavares, CEO do grupo PSA, que expressa uma inconformidade tanto com as conotações políticas da repressão aos automóveis quanto com as pretensões da China em se firmar como uma potência da indústria automobilística mundial amparada exatamente numa eletrificação em massa tanto na Europa quanto em outros mercados nos mais variados graus de desenvolvimento.

A bem da verdade, considerando a importância que os motores Diesel tem para a PSA e que fizeram a boa fama das marcas Peugeot, Citroën e DS em diversos mercados sem restrições arbitrárias ao uso dos mesmos em veículos leves, bem como a recente aquisição da Opel/Vauxhall, seria de se estranhar que não houvesse uma reação por parte de Tavares. Mesmo falando abertamente sobre planos futuros para lançar modelos elétricos já a partir de 2019 e oferecer versões elétricas ou híbridas para toda a linha até 2025, o executivo também não deixa de demonstrar entusiasmo em torno dos motores "flex" e do uso do etanol em função das metas para redução nas emissões de CO² não somente no âmbito da conferência climática Cop-21 mas principalmente das regulamentações mais rígidas que começam a ser implementadas na União Européia. Vale lembrar que, além da presidência da PSA, Carlos Tavares também acumula o mesmo cargo na Acea, entidade de classe de fabricantes europeus de automóveis, que tem sido outra voz contrária às medidas que o Parlamento Europeu tem adotado com mais rigor desde a eclosão do "Dieselgate". Dentre as críticas bem fundamentadas que o português tem feito, é importante frisar as dúvidas quanto à capacidade de fornecer a energia elétrica necessária à frota e ao quão "limpas" seriam as fontes de energia e o processo produtivo das baterias em função do uso ainda intenso do carvão mineral nas usinas termelétricas e o manejo de rejeitos industriais. Demonstra uma posição até mais firme que a do presidente da Volkswagen para o Brasil e América Latina, Pablo Di Si, que mesmo enfatizando a insustentabilidade dos subsídios à mobilidade elétrica a longo prazo ainda aposta na tecnologia do carro elétrico como "a base para os carros autônomos".

Mesmo que Carlos Tavares dê a entender que a PSA esteja se adaptando para um futuro com maior presença de veículos híbridos e elétricos, a maior preocupação do executivo em assegurar que o grupo se mantenha competitivo durante essa transição é enfrentar a recente expansão de fabricantes chineses que tem apostado maciçamente na eletrificação. Diante da feroz concorrência, bem como da ameaça de multas que a União Européia já planeja aplicar a partir de 2030 aos fabricantes de carros que não se enquadrem nas proposições em andamento no contexto político, a manutenção dos cerca de 12,6 milhões de empregos que o setor automobilístico gera só na Europa é vista como uma alta prioridade por Tavares, que considera a adaptação às novas demandas essencial para assegurar que as indústrias de automóveis sediadas no continente sobrevivam. Naturalmente, levando em consideração que alguns países europeus ainda tem uma participação muito expressiva do Diesel no mercado de veículos novos, se faz necessário um esforço hercúleo não só para manter a sustentabilidade das operações industriais, mas principalmente para que uma transição seja o menos traumática possível para o consumidor.

É conveniente destacar que a complexidade da atual geração de dispositivos de controle de emissões, como o filtro de material particulado (DPF) e o polêmico SCR, já tem causado profunda insatisfação em consumidores antes fiéis ao Diesel devido à economia de combustível e à manutenção antes tida como consideravelmente mais simples que a de similares com ignição por faísca movidos a gasolina. O impacto nos custos de aquisição e manutenção devido à presença dos mesmos é ainda mais severo em segmentos de entrada, de modo que em alguns modelos já é praticamente inviável oferecer uma opção de motor Diesel. A pouca expressividade do gás natural veicular no mercado europeu, embora possa ser tratada como um reflexo de um anterior favorecimento ao Diesel, também se torna um inconveniente para quem procure por uma alternativa mais econômica frente à gasolina, ainda que a proposta dos "corredores azuis" para atender ao transporte pesado pudesse fomentar também uma adesão ao gás natural ou mesmo ao biometano em veículos leves como alternativa ao gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha") que ainda é o combustível gasoso mais usado em aplicações veiculares em países como Portugal. No entanto, as restrições a veículos movidos a gás em alguns estacionamentos subterrâneos, e a proibição aos mesmos no Eurotúnel, também não podem ser ignoradas, e nesse caso o Diesel também acaba sendo inegavelmente mais prático.

Por mais que a questão das emissões de poluentes associadas aos veículos automotores tenha algum fundamento, a forma como vem sendo feita pura e simplesmente a demonização dos mesmos passa longe de ser uma solução efetiva e sensata para conciliar a mitigação do impacto ambiental com as necessidades de transporte e o fomento à economia. A própria contribuição dos motores a combustão interna em conjunto com os biocombustíveis é inegavelmente eficaz no intuito de promover uma estabilização biológica dos níveis de carbono e nitrogênio na atmosfera, por meio do metabolismo das espécies vegetais cultivadas para fins energéticos e de um reaproveitamento de matéria orgânica em geral que teria um passivo ambiental ainda mais severo caso fosse deixada para se decompor a céu aberto. Enfim, mesmo que as declarações do executivo Carlos Tavares não cheguem a representar uma ruptura tão severa em meio à eletrificação do mercado automobilístico, é essencial enaltecer a coragem por ele demonstrada para fazer oposição às aspirações ditatoriais de legisladores que atentam contra a segurança energética em nome de uma agenda pautada em meias-verdades.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

4 tópicos que levam a crer que o câmbio CVT estaria mais ameaçado pela crescente presença de veículos híbridos no mercado em comparação ao Diesel

Já não é novidade que os sistemas híbridos mais comuns são tratados como antagônicos ao Diesel ao menos no âmbito dos veículos leves. Não se pode negar que boa parte do sucesso comercial de alguns modelos como o Toyota Prius também valeu-se da aversão ao Diesel nutrida por alguns grupos cujos motivos vão desde considerações referentes às emissões até uma preferência meramente subjetiva por motores de ignição por faísca. Mas até que ponto os motores Diesel estariam efetivamente sob maior ameaça de extinção à medida que os híbridos ganham espaço? Podem outros recursos eventualmente correr um risco semelhante ou até mais alto? A princípio não seria de se duvidar que o câmbio CVT seja ainda mais antagônico em relação aos híbridos, e há ao menos 4 fortes motivos...

Mas a própria Toyota alega que o Prius usa um câmbio e-CVT - aí já se chega num ponto muito controverso, tendo em vista algumas peculiaridades do sistema Hybrid Synergy Drive que de fato proporcionam um comportamento relativamente similar ao de um CVT mesmo que não haja nenhum câmbio propriamente dito no veículo. Ao dosar a "potência combinada" entre o motor a gasolina e os elétricos, que permanece inferior à soma aritmética das potências dos mesmos, a variação na rotação dos motores elétricos possibilita que o motor a gasolina se mantenha num regime de rotação mais constante mesmo com alterações na velocidade do veículo, tal qual aconteceria num câmbio CVT por meio da alteração no posicionamento das correias entre as polias cônicas.

Híbridos de marcas mais prestigiosas recorrendo a câmbios automáticos convencionais - talvez seja um indício de que o CVT esteja mais fadado à extinção quando modelos como o BMW i8 e o Volvo XC90 T8 Hybrid não o usem. Ainda que ambos tenham um eixo tracionado somente pelo motor a gasolina enquanto o elétrico se encarrega de prover força motriz ao outro, o que pode ser uma justificativa para aproveitar a economia de escala e compartilhar câmbios que também são usados em veículos não-híbridos, é uma situação bastante emblemática ao sinalizar que o câmbio automático convencional não estaria ameaçado.

CVT se dá melhor em aplicações com pouco torque e o menor peso possível - considerando que um dos principais argumentos apresentados por defensores de híbridos e elétricos puros é o pico de torque praticamente instantâneo e constante por toda a faixa de rotação alcançada pelo(s) motor(es) elétrico(s), já se torna mais fácil acostumar-se com a idéia de que um CVT ficaria mais adequado a uma scooter ou a um Honda Civic, enquanto numa barca de porte maior como um Nissan Pathfinder já pode não ser uma opção tão satisfatória...

Aplicação de sistemas híbridos tanto em veículos leves quanto pesados - se por um lado a Toyota leva crédito por ter feito com que os automóveis híbridos se tornassem uma presença consolidada até no mercado brasileiro, por outro a Volvo saiu na frente com o primeiro híbrido de produção nacional, no caso o chassi para ônibus B215RH. Ironicamente, enquanto os sistemas híbridos tem servido de pretexto para quem faz oposição a qualquer proposta de liberação do Diesel em veículos leves, a proposta da Volvo revela uma possibilidade mais concreta de integração que ainda tende a reforçar uma viabilidade futura do Diesel.

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Refletindo sobre os desafios que as turbinas a gás teriam de enfrentar para suplantar os motores convencionais fora do setor aeronáutico

Motor Pratt&Whitney Canada PT-6A, este exemplar já se encontra não-aeronavegável e serve apenas para ensino
Com uma aplicabilidade mais consagrada na aviação que em outros segmentos, embora também seja relativamente comum em navios e centrais geradoras de energia elétrica (nesse caso principalmente no exterior), as turbinas a gás já foram alvo de muitas especulações diante das transformações que o mercado automobilístico vem sofrendo nas últimas décadas. Seja pela percepção de uma manutenção mais simples em função da menor quantidade de peças móveis, ou por aspectos mais práticos como a adaptabilidade a uma grande variedade de combustíveis tanto líquidos quanto gasosos ou a suavidade do funcionamento quase livre de vibrações, as esperanças depositadas em função dos mais variados motivos como o recrudescimento de normas de emissões e os aumentos nos preços do petróleo não fizeram com que a turbina a gás se tornasse tão relevante no mercado automobilístico ou mesmo em aplicações estacionárias. Mas em meio a algumas vantagens que já levaram a uma presença maciça num contexto tão crítico em termos de confiabilidade como o da aviação, como explicar que as turbinas a gás pareçam tão distantes de encerrar a hegemonia dos motores a pistão tanto na ignição por faísca quanto no ciclo Diesel em outros segmentos?
Não se pode ignorar o aspecto financeiro, tendo em vista que os motores são hoje os componentes de custo mais elevado num avião comercial moderno e, por mais que alguns mecânicos aeronáuticos mais experientes de vez em quando digam o contrário, a manutenção não parece muito mais simples em comparação a um motor convencional que possa proporcionar um desempenho semelhante. É inegável a vantagem no peso e volume principalmente ao considerarmos os jatos modernos, que já nem costumam ser "jato puro" e tem grande parte do fluxo de ar admitido circulando ao redor do núcleo (core) do motor, no chamado fluxo secundário ou "bypass" (desvio). Na prática, o chamado "turbofan" recorre a uma espécie de hélice carenada de passo fixo, sem variação no ângulo das pás (blades), mas acaba gerando a maior parte da tração por meio de um fluxo de ar que não é aplicado ao processo de combustão como também é o caso dos turboélices que costumam recorrer ao chamado "passo variável" para ajustar o ângulo das pás de acordo com a incidência do vento relativo ao invés de variar a aceleração do motor, e assim possibilitando que este permaneça operando o máximo possível em regime de rotação constante de modo a assegurar uma maior eficiência.
As necessidades específicas da aviação comercial moderna, que vão além da questão do custo e disponibilidade do querosene mais favoráveis que os da gasolina de aviação (AvGas) e passam também por aspectos como a sangria de ar do próprio compressor nas turbinas a gás para uso no sistema de climatização (que opera por ciclo de ar ao invés do ciclo de vapor usado em equipamentos de ar condicionado comuns) e pressurização da cabine visando aumentar o teto operacional (altitude máxima de voo) a temperaturas confortáveis e sem a necessidade de recorrer a oxigênio suplementar para passageiros e tripulação, fazem com que nenhum outro tipo de motor ofereça hoje uma relação custo/benefício competitiva. Nesse sentido, cabe destacar a redução de peso e volume não apenas nos motores mas também nos conjuntos de ar condicionado e no sistema de pressurização, tendo em vista que se tornam desnecessários compressores de acionamento mecânico adicionais imprescindíveis caso fossem usados motores convencionais na mesma aplicação. É importante frisar também que em altitudes mais elevadas o ar menos denso acaba favorecendo a economia de combustível, visto que oferece uma menor resistência (atrito) ao deslocamento do avião e possibilita o uso de um volume de combustível menor para manter a proporção ar/combustível correta para uma combustão mais completa e limpa.

CAP-4 "Paulistinha", derivado do clássico Piper Cub normalmente usado para voos de instrução
Já na aviação leve, com destaque para os segmentos de treinamento/instrução e agrícola, a vantagem em termos de peso e volume do conjunto motopropulsor não é tão expressiva para as turbinas a gás, de modo que os motores convencionais permanecem reinando soberanos. A manutenção notadamente simples para quem cresceu familiarizado com motor de Fusca pesa a favor, e mais recentemente tem ganhado espaço principalmente na aviação agrícola a possibilidade de operar com etanol. Diga-se de passagem, hoje no Brasil ao menos na aviação agrícola é uma minoria que ainda usa a cada vez mais cara AvGas, e mesmo aviões de projeto mais antigo podem ser adaptados com relativa facilidade para funcionar com etanol. No entanto, uma característica que chama a atenção em boa parte dos aviões de motor convencional é o uso da hélice de passo fixo, muito mais simples que uma de passo variável e portanto menos complexa no tocante à manutenção. Mas se por um lado a hélice de passo fixo agrega uma boa redução nos custos de manutenção ao eliminar os ajustes do governador hidráulico presente nas de passo variável, por outro exige que o piloto altere os regimes de rotação do motor na manete de aceleração para evitar perda de tração, o que evidencia a maior aptidão do motor convencional a alterações nos regimes de rotação ao longo da operação.
Piper Pawnee C


Levando em consideração a dificuldade das turbinas a gás em operar com uma variação mais intensa das condições de carga, até poderia-se especular sobre uma viabilidade das mesmas em veículos com câmbio do tipo CVT como o usado no Honda Civic de 10ª geração, que conta com infinitas relações de marcha entre a mais reduzida e a mais longa mediante o uso de polias cônicas e correias, ao invés de uma quantidade fixa de marchas definidas por engrenagens em um câmbio manual, automático convencional ou automatizado. Nesse caso, o câmbio acabaria por assumir uma função análoga ao governador de hélice em aviões ou ao "cíclico" dos helicópteros, tornando-se o controle primário da velocidade do veículo com o intuito de manter o motor sempre "cheio", mas mesmo assim já não seria tão vantajoso recorrer às turbinas a gás num carro ao considerarmos o anda-e-para tão frequente ao trânsito urbano pesado. Na melhor das hipóteses, poderia servir a modelos híbridos como o Toyota Prius ou até mesmo pesados como o ônibus Volvo B215RH. Tendo em vista algumas peculiaridades dos sistemas híbridos, como o desligamento do motor a combustão durante paradas e desacelerações eliminando a operação em marcha-lenta (idling) e a possibilidade de variar a aceleração dos motores elétricos visando emular o funcionamento de um câmbio CVT no caso do Prius, já poderia soar mais plausível incorporar turbinas a gás em substituição aos motores convencionais num veículo híbrido.

A bem da verdade, ainda seria mais provável que as turbinas a gás pudessem conquistar espaço em equipamentos estacionários como grupos geradores ao invés de aplicações automotivas justamente em função da diferença nos regimes de rotação aos quais os motores estariam sujeitos. Também cabe recordar a possibilidade de valer-se da co-geração de energia elétrica e aquecimento de água, com o intuito de aproveitar melhor um calor residual que seria simplesmente descartado numa quantidade até mais intensa por esse tipo de motor. O custo novamente não deixa de constituir um empecilho para a aceitação das turbinas a gás, bem como a eventual escassez de mão-de-obra qualificada para fazer a manutenção e mais concentrada no mercado aeronáutico em contraste com o que se observa com motores Diesel que permanecem numa posição confortável em aplicações tão diversas quanto máquinas agrícolas e de construção, embarcações, veículos utilitários e nos já mencionados grupos geradores. Até não seria de se ignorar que a certificação de competência para mecânicos ocorrendo sem tanta influência de regulamentações da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) em outros segmentos possa atrair profissionais interessados em prestar assistência técnica em turbinas a gás em aplicações terrestres ou marítimas.

A presença mais maciça do turbocompressor em motores convencionais em aplicações diversas também pode fomentar discussões quanto à viabilidade de uma transição para as turbinas a gás, tendo em vista a aparente simplicidade desse dispositivo. Naturalmente o uso de um compressor de fluxo centrífugo e estágio de compressão único acaba por reforçar essa imagem, além de ter um custo menor que os compressores do tipo axial de múltiplos estágios que se tornaram padrão na aviação. A evolução das câmaras de combustão, que deixaram para trás o formato "caneca" enquanto as câmaras anelares vão se consolidando em virtude de fatores como o menor volume externo em proporção ao interno e a propagação de chama mais uniforme, também pode ser apontada como um pretexto para que as turbinas a gás venham a ter maior aceitação ou ao menos despertem alguma curiosidade por parte de potenciais novos usuários. No entanto, as temperaturas extremamente altas em comparação aos motores convencionais também requerem atenção para evitar danos ao motor, valendo-se de uma parte do fluxo de ar turbilhonando de modo a refrigerar e evitar que a chama entre diretamente em contato com as paredes das câmaras de combustão. O risco do fogo se alastrar para a turbina propriamente dita e chegar a queimá-la também não pode ser desconsiderado. Justamente em função das temperaturas mais altas e de operar com chama constante (ciclo Brayton) ao invés das explosões controladas observadas em motores convencionais, a ocorrência de superaquecimento em turbinas a gás pode-se tornar ainda mais danosa e exigir reparos mais caros ou eventualmente a substituição de toda a seção quente (câmaras de combustão, turbinas e seção de escapamento).


É natural que o fascínio causado pela aviação, desde a época dos motores convencionais usados em ícones como o Douglas DC-3/C-47 Skytrain "Dakota" até os atuais jatos como o best-seller Boeing 737, fomente especulações quanto à viabilidade de trazer para veículos mais presentes no nosso dia-a-dia algumas soluções consagradas na indústria aeronáutica. No entanto, as condições operacionais nem sempre se revelam tão ideais para que esse intercâmbio tecnológico venha a ser um sucesso, e o caso das turbinas a gás acaba sendo emblemático nesse sentido. É particularmente difícil replicar nas ruas um controle tão estrito como o que se observa em áreas de segurança para operação de pouso e decolagem de aeronaves, de modo que uma almejada vantagem na eficiência energética ficaria longe da expectativa. Enfim, por mais que tenham provado um valor incomensurável para o progresso da aviação, as turbinas a gás ainda tem desafios a enfrentar até que eventualmente estejam consolidadas em outras aplicações, que podem abranger até mesmo serviços auxiliares do transporte aéreo...

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Alguns pontos que mantém a relevância dos biocombustíveis diante do avanço da tração elétrica no mercado automobilístico

Tem causado alguma controvérsia o posicionamento da Unica, entidade que congrega o setor canavieiro, diante da proposta de se cobrar de automóveis híbridos e elétricos puros a mesma alíquota de IPI dos carros "populares". A bem da verdade, considerando que os híbridos atualmente à venda no país ainda são um tanto quanto inacessíveis para a grande maioria dos consumidores, pode até ser vista como "injusta" a proposta de beneficiar milionários que já tem condições de comprar um BMW i8 ou um Volvo XC90 T8, mas as alegações apresentadas pela entidade não fazem sentido na totalidade. Afinal, por mais que o etanol seja de fato mais "limpo" que a eletricidade ainda gerada principalmente a partir de combustíveis fósseis em alguns dos mercados onde os híbridos e elétricos já contam com uma presença mais relevante, a matriz energética brasileira não só conta com uma maior participação de fontes "limpas" como as usinas hidrelétricas e mais recentemente uma expansão nas capacidades de geração eólica e fotovoltaica, mas até mesmo com a co-geração nas próprias usinas sucroalcooleiras que usam a queima do bagaço da cana para gerar calor e eletricidade.
Portanto, o primeiro argumento a favor dos biocombustíveis diante do crescimento que se projeta para a tração elétrica seria uma integração ao invés de apontar em uma única solução como substituta em todos os cenários. Ainda que os híbridos já disponíveis no mercado nacional não sejam homologados para usar o etanol puro, seria um tanto prematuro ignorar que ambas as opções venham a estar inseridas num mesmo contexto de médio a longo prazo, nem tanto pela razão estratégica que deu impulso ao etanol no mercado brasileiro mas, principalmente, para conciliar o cumprimento de metas de redução das emissões de carbono de origem fóssil às condições de uso que ainda exijam uma maior flexibilidade que os motores a combustão interna ainda proporcionam. Diga-se de passagem, no caso da Volvo, como a atual série de motores modulares Drive-E baseada no projeto Volvo Engine Architecture (VEA) contempla tanto versões movidas a gasolina, gasolina e gás natural, ou óleo diesel, com um alto grau de compartilhamento de componentes entre os mesmos, até não seria tão difícil incluir o etanol nesse contexto. Tendo em vista que a Volvo aderiu à injeção direta em toda a linha, a vaporização do etanol durante a partida a frio (ou sucessivas partidas dada a natureza intermitente do funcionamento do motor a combustão num híbrido em tráfego urbano) já se torna menos desafiadora em comparação à proposta da Toyota em manter a injeção sequencial no coletor de admissão em modelos como o Prius.
Semana passada eu cheguei a ter uma breve conversa com a proprietária de um Prius, uma senhora que originalmente intencionava comprar um Corolla "por tradição" mas resolveu arriscar o que para ela era uma grande novidade. Como o etanol tornou-se de fato irrelevante no Rio Grande do Sul diante do preço pouco vantajoso em comparação à gasolina, nem mesmo o fato do Prius ainda não contar com uma versão flex teria sido um empecilho. Naturalmente, a proposta de reduzir o uso da hoje tão cara gasolina já se torna um argumento de vendas bastante forte a favor dos híbridos, mas está longe de ser a única solução a longo prazo na eventualidade da gasolina tornar-se efetivamente obsoleta e talvez tornar-se tão difícil de encontrar para venda a granel nos postos como aconteceu com o querosene iluminante (que muito caminhoneiro misturava no óleo diesel durante o inverno para facilitar a partida a frio), e nesse caso é necessário que haja uma ou mais soluções. Dadas as dificuldades inerentes ao etanol com a partida a frio, na pior das hipóteses ainda haveria espaço até para o biogás/biometano que já pode ser integrado à tecnologia em uso com o gás natural de origem fóssil.
O caso do biogás/biometano serve de pretexto para apostar na importância dos biocombustíveis, bem como do próprio motor de combustão interna num âmbito mais amplo visando manter a estabilidade do ciclo do carbono e do nitrogênio. Além da possibilidade de promover a partir de aplicações energéticas do biogás/biometano um manejo mais sustentável de resíduos orgânicos em geral, tanto lixo sólido quanto esgoto, é relevante destacar que o gás metano e alguns compostos voláteis gerados pela decomposição de matéria orgânica a céu aberto tem uma meia-vida mais longa na atmosfera que o dióxido de carbono (CO² - "gás carbônico") pós-combustão, o que torna-se mais problemático sob as perspectivas de um alegado aquecimento global antropogênico. Tendo em vista que o CO² é reabsorvido durante o metabolismo vegetal, incluindo o cultivo das commodities com algum potencial agroenergético a exemplo do milho (que também auxilia na fixação do nitrogênio no solo), pode-se dizer sem medo de errar que o maior problema não está pura e simplesmente nas emissões, e sim no pouco aproveitamento dado a matérias-primas que poderiam ser mais relevantes em meio à renovação da matriz energética dos transportes.


Tendo em vista que no Brasil ainda há uma discrepância muito intensa no tocante à infraestrutura nos grandes centros e regiões metropolitanas em comparação ao interior, torna-se ainda mais difícil justificar uma adesão mais maciça aos elétricos puros. Mesmo havendo no país alguns consumidores com uma condição financeira mais privilegiada que possam se dar ao luxo de ter um carro 100% elétrico que acabasse de fato permanecendo mais restrito ao uso urbano paralelamente a um modelo mais convencional com motor a combustão interna para percorrer distâncias mais longas, também há uma certa resistência "cultural" por parte do brasileiro em comprar veículos excessivamente "especializados". Vendo por esse lado, a estratégia da fabricante de origem chinesa BYD que tenta se firmar no país com uma linha de veículos 100% elétricos parece um tanto ousada enquanto até a tradicional BMW tem trazido o i3 apenas na versão dotada de gerador on-board mesmo investindo na instalação de "eletropostos" de recarga rápida em pontos estratégicos mas que estão longe de abranger a imensa extensão territorial brasileira...

Algumas aplicações podem se revelar ainda mais críticas no tocante ao tempo para recarga de baterias ou à disponibilidade de um local adequado para fazê-lo, como frotas militares e embarcações. Há de se levar em consideração também que o Diesel acaba tendo uma participação bastante expressiva nesses segmentos, favorecido pela densidade energética e adaptabilidade ao uso de uma grande variedade de combustíveis alternativos líquidos cujo manuseio acaba sendo muito mais fácil de fazer com recursos precários em comparação a combustíveis gasosos. Ainda que um uso direto de óleos vegetais possa se mostrar mais problemático em motores Diesel de injeção direta, sobretudo nas gerações mais modernas com gerenciamento eletrônico, está longe de ser impossível tendo em vista uma menor severidade nas exigências de dispositivos de controle de emissões em veículos militares e barcos pequenos, sem no entanto deixar de lado a possibilidade de aproveitar melhor a grande variedade de plantas oleaginosas que se adaptem às diferentes regiões do país ou mesmo o uso de gorduras animais como matérias-primas para o biodiesel, cuja produção ao ser mais regionalizada pode até ficar menos suscetível a pragas ou intempéries que atinjam especificamente a monocultura canavieira que ainda é a mais importante para a produção do etanol no Brasil.

Naturalmente, para nós que estamos no Brasil, outro ponto extremamente relevante é a absoluta falta de confiabilidade do sistema elétrico nacional. Além da grande dependência por duas grandes usinas hidrelétricas (Furnas e Itaipu) que geram juntas a maior parte da energia elétrica consumida no país, há de se destacar a falta de manutenção nas linhas de transmissão, o que leva a um maior risco de "apagões" como o de 2001 ou problemas mais pontuais como as quedas de luz na região central de Porto Alegre quase sempre que tem alguma chuva mais forte (diga-se de passagem, esse problema ocorreu anteontem por causa da chuva e se repetiu ontem mesmo com o dia ensolarado). Na pior das hipóteses, quem tiver condição de providenciar um grupo gerador deveria se precaver, e no tocante a biocombustíveis cabe lembrar a prevalência do óleo diesel como combustível para esse tipo de equipamento. Naturalmente, como motores não dependem só de combustível e também necessitam de lubrificação, é interessante olhar com mais atenção para o dendê que serve não apenas como matéria-prima para biodiesel mas também apresenta bons resultados como lubrificante. Um azeite de dendê de boa qualidade chega a ser comparável a óleos lubrificantes sintéticos.