domingo, 11 de fevereiro de 2018

Alguns pontos que mantém a relevância dos biocombustíveis diante do avanço da tração elétrica no mercado automobilístico

Tem causado alguma controvérsia o posicionamento da Unica, entidade que congrega o setor canavieiro, diante da proposta de se cobrar de automóveis híbridos e elétricos puros a mesma alíquota de IPI dos carros "populares". A bem da verdade, considerando que os híbridos atualmente à venda no país ainda são um tanto quanto inacessíveis para a grande maioria dos consumidores, pode até ser vista como "injusta" a proposta de beneficiar milionários que já tem condições de comprar um BMW i8 ou um Volvo XC90 T8, mas as alegações apresentadas pela entidade não fazem sentido na totalidade. Afinal, por mais que o etanol seja de fato mais "limpo" que a eletricidade ainda gerada principalmente a partir de combustíveis fósseis em alguns dos mercados onde os híbridos e elétricos já contam com uma presença mais relevante, a matriz energética brasileira não só conta com uma maior participação de fontes "limpas" como as usinas hidrelétricas e mais recentemente uma expansão nas capacidades de geração eólica e fotovoltaica, mas até mesmo com a co-geração nas próprias usinas sucroalcooleiras que usam a queima do bagaço da cana para gerar calor e eletricidade.
Portanto, o primeiro argumento a favor dos biocombustíveis diante do crescimento que se projeta para a tração elétrica seria uma integração ao invés de apontar em uma única solução como substituta em todos os cenários. Ainda que os híbridos já disponíveis no mercado nacional não sejam homologados para usar o etanol puro, seria um tanto prematuro ignorar que ambas as opções venham a estar inseridas num mesmo contexto de médio a longo prazo, nem tanto pela razão estratégica que deu impulso ao etanol no mercado brasileiro mas, principalmente, para conciliar o cumprimento de metas de redução das emissões de carbono de origem fóssil às condições de uso que ainda exijam uma maior flexibilidade que os motores a combustão interna ainda proporcionam. Diga-se de passagem, no caso da Volvo, como a atual série de motores modulares Drive-E baseada no projeto Volvo Engine Architecture (VEA) contempla tanto versões movidas a gasolina, gasolina e gás natural, ou óleo diesel, com um alto grau de compartilhamento de componentes entre os mesmos, até não seria tão difícil incluir o etanol nesse contexto. Tendo em vista que a Volvo aderiu à injeção direta em toda a linha, a vaporização do etanol durante a partida a frio (ou sucessivas partidas dada a natureza intermitente do funcionamento do motor a combustão num híbrido em tráfego urbano) já se torna menos desafiadora em comparação à proposta da Toyota em manter a injeção sequencial no coletor de admissão em modelos como o Prius.
Semana passada eu cheguei a ter uma breve conversa com a proprietária de um Prius, uma senhora que originalmente intencionava comprar um Corolla "por tradição" mas resolveu arriscar o que para ela era uma grande novidade. Como o etanol tornou-se de fato irrelevante no Rio Grande do Sul diante do preço pouco vantajoso em comparação à gasolina, nem mesmo o fato do Prius ainda não contar com uma versão flex teria sido um empecilho. Naturalmente, a proposta de reduzir o uso da hoje tão cara gasolina já se torna um argumento de vendas bastante forte a favor dos híbridos, mas está longe de ser a única solução a longo prazo na eventualidade da gasolina tornar-se efetivamente obsoleta e talvez tornar-se tão difícil de encontrar para venda a granel nos postos como aconteceu com o querosene iluminante (que muito caminhoneiro misturava no óleo diesel durante o inverno para facilitar a partida a frio), e nesse caso é necessário que haja uma ou mais soluções. Dadas as dificuldades inerentes ao etanol com a partida a frio, na pior das hipóteses ainda haveria espaço até para o biogás/biometano que já pode ser integrado à tecnologia em uso com o gás natural de origem fóssil.
O caso do biogás/biometano serve de pretexto para apostar na importância dos biocombustíveis, bem como do próprio motor de combustão interna num âmbito mais amplo visando manter a estabilidade do ciclo do carbono e do nitrogênio. Além da possibilidade de promover a partir de aplicações energéticas do biogás/biometano um manejo mais sustentável de resíduos orgânicos em geral, tanto lixo sólido quanto esgoto, é relevante destacar que o gás metano e alguns compostos voláteis gerados pela decomposição de matéria orgânica a céu aberto tem uma meia-vida mais longa na atmosfera que o dióxido de carbono (CO² - "gás carbônico") pós-combustão, o que torna-se mais problemático sob as perspectivas de um alegado aquecimento global antropogênico. Tendo em vista que o CO² é reabsorvido durante o metabolismo vegetal, incluindo o cultivo das commodities com algum potencial agroenergético a exemplo do milho (que também auxilia na fixação do nitrogênio no solo), pode-se dizer sem medo de errar que o maior problema não está pura e simplesmente nas emissões, e sim no pouco aproveitamento dado a matérias-primas que poderiam ser mais relevantes em meio à renovação da matriz energética dos transportes.


Tendo em vista que no Brasil ainda há uma discrepância muito intensa no tocante à infraestrutura nos grandes centros e regiões metropolitanas em comparação ao interior, torna-se ainda mais difícil justificar uma adesão mais maciça aos elétricos puros. Mesmo havendo no país alguns consumidores com uma condição financeira mais privilegiada que possam se dar ao luxo de ter um carro 100% elétrico que acabasse de fato permanecendo mais restrito ao uso urbano paralelamente a um modelo mais convencional com motor a combustão interna para percorrer distâncias mais longas, também há uma certa resistência "cultural" por parte do brasileiro em comprar veículos excessivamente "especializados". Vendo por esse lado, a estratégia da fabricante de origem chinesa BYD que tenta se firmar no país com uma linha de veículos 100% elétricos parece um tanto ousada enquanto até a tradicional BMW tem trazido o i3 apenas na versão dotada de gerador on-board mesmo investindo na instalação de "eletropostos" de recarga rápida em pontos estratégicos mas que estão longe de abranger a imensa extensão territorial brasileira...

Algumas aplicações podem se revelar ainda mais críticas no tocante ao tempo para recarga de baterias ou à disponibilidade de um local adequado para fazê-lo, como frotas militares e embarcações. Há de se levar em consideração também que o Diesel acaba tendo uma participação bastante expressiva nesses segmentos, favorecido pela densidade energética e adaptabilidade ao uso de uma grande variedade de combustíveis alternativos líquidos cujo manuseio acaba sendo muito mais fácil de fazer com recursos precários em comparação a combustíveis gasosos. Ainda que um uso direto de óleos vegetais possa se mostrar mais problemático em motores Diesel de injeção direta, sobretudo nas gerações mais modernas com gerenciamento eletrônico, está longe de ser impossível tendo em vista uma menor severidade nas exigências de dispositivos de controle de emissões em veículos militares e barcos pequenos, sem no entanto deixar de lado a possibilidade de aproveitar melhor a grande variedade de plantas oleaginosas que se adaptem às diferentes regiões do país ou mesmo o uso de gorduras animais como matérias-primas para o biodiesel, cuja produção ao ser mais regionalizada pode até ficar menos suscetível a pragas ou intempéries que atinjam especificamente a monocultura canavieira que ainda é a mais importante para a produção do etanol no Brasil.

Naturalmente, para nós que estamos no Brasil, outro ponto extremamente relevante é a absoluta falta de confiabilidade do sistema elétrico nacional. Além da grande dependência por duas grandes usinas hidrelétricas (Furnas e Itaipu) que geram juntas a maior parte da energia elétrica consumida no país, há de se destacar a falta de manutenção nas linhas de transmissão, o que leva a um maior risco de "apagões" como o de 2001 ou problemas mais pontuais como as quedas de luz na região central de Porto Alegre quase sempre que tem alguma chuva mais forte (diga-se de passagem, esse problema ocorreu anteontem por causa da chuva e se repetiu ontem mesmo com o dia ensolarado). Na pior das hipóteses, quem tiver condição de providenciar um grupo gerador deveria se precaver, e no tocante a biocombustíveis cabe lembrar a prevalência do óleo diesel como combustível para esse tipo de equipamento. Naturalmente, como motores não dependem só de combustível e também necessitam de lubrificação, é interessante olhar com mais atenção para o dendê que serve não apenas como matéria-prima para biodiesel mas também apresenta bons resultados como lubrificante. Um azeite de dendê de boa qualidade chega a ser comparável a óleos lubrificantes sintéticos.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html