sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Uma reflexão sobre a viabilidade futura do ciclo Diesel

Ainda causam controvérsia e discussões acaloradas as declarações feitas durante o mês passado por Joe Bakaj, chefe de desenvolvimento de produtos da Ford na Europa, questionando a viabilidade dos motores Diesel frente a novas normas de emissões (Euro-6 e Euro-7) a serem implementadas de curto a médio prazo. Convém observar com cautela tais declarações, que podem estar fortemente vinculadas a interesses políticos mais do que a razões de ordens técnicas.

De acordo com Bakaj, seria "muito mais fácil" adaptar motores a gasolina às novas normas: na prática, uma meia-verdade. Se por um lado já existe uma vasta experiência no uso de alternativas como o etanol e diversos combustíveis gasosos, além de haver ao menos mais um parâmetro a ser ajustável para promover uma maior eficiência no processo de combustão (a ignição por faísca) e uma maior facilidade para usar combustíveis gasosos sem a necessidade de uma injeção-piloto de algum combustível líquido para promover ignição por compressão, por outro a eficiência térmica do ciclo Otto permanece inferior ao Diesel. Os combustíveis mais tradicionalmente vinculados ao ciclo Diesel (óleo diesel convencional, óleos vegetais puros e biodiesel) estão constantemente sob a mira de ditos "ecologistas", mas experiências já consolidadas com o etanol em motores das fabricantes Scania (modificados para uma operação dedicada ao etanol), MWM ("flex" etanol-Diesel com gerenciamento mecânico) e Mercedes-Benz ("flex" etanol-Diesel gerenciados eletronicamente) mostram que a ignição por compressão ainda tem méritos incontestáveis.

Mesmo incorporando artifícios como um prolongamento na duração da abertura das válvulas de admissão (muito usado nos híbridos para simular o efeito Atkinson) visando diminuir as chamadas "perdas por bombeamento", que pode ainda ser complementado pelo uso de compressor mecânico (popularmente conhecido como "blower" ou "supercharger") para driblar a perda de potência e torque resultante da descompressão, há uma carga mais intensa sobre o sistema elétrico em função da ignição por faísca. O jornalista brasileiro Fernando Calmon, um anti-Diesel dos mais ferrenhos, costuma se referir de forma pejorativa aos sistemas de pós-tratamento de gases de escape, mais notadamente o SCR e o DPF, como "muletas tecnológicas", mas na prática é o ciclo Otto que mais tem sido apoiado em "muletas" numa tentativa desesperada de promover uma aproximação à eficiência do ciclo Diesel...

Vale destacar alguns esforços direcionados em viabilizar uma operação intermediária entre os ciclos Otto e Diesel no mesmo motor, proporcionando um melhor balanceamento entre a facilidade na partida a frio e a suavidade tão apreciadas por defensores irredutíveis da ignição por faísca. A empresa australiana Orbital Engines já desenvolveu em colaboração com a General Motors um sistema de ignição por compressão (HCCI, do inglês Homogeneous Charge Compression Ignition) direcionado à operação com gasolina, além da Mercedes-Benz já haver testado um sistema semelhante (denominado DiesOtto) no protótipo F700, e até a Hyundai já vem trabalhando em parceria com a Delphi e a Universidade de Wisconsin num sistema semelhante. No caso do sistema HCCI, as velas de ignição foram mantidas para estabilizar rapidamente a marcha-lenta e facilitar a partida a frio, enquanto com o DiesOtto são usadas velas aquecedoras tradicionalmente usadas em motores Diesel, e no sistema GDCI que a Hyundai está desenvolvendo é usado um grid-heater como o usado nos motores Cummins.

Ainda de acordo com Joe Bakaj, os motores Diesel trariam aumentos de custo e de peso aos veículos: pode-se interpretar, também, tal declaração como uma meia-verdade: novos avanços na metalurgia tem possibilitado o desenvolvimento de blocos de motor mais leves sem comprometer significativamente a resistência, melhorando a relação peso/potência, como no motor Mazda SkyActiv-D que vem fazendo sucesso mundo afora. Também há de se levar em consideração que alguns motores Diesel, mesmo com cilindrada menor e menos cilindros, o que também acaba por reduzir o peso, já apresentam desempenho satisfatório em comparação com similares de ignição por faísca, favorecidos pelas curvas de torque em baixas rotações. Assim, além de simplificar o processo produtivo, sobretudo em função da menor quantidade de peças móveis, um motor turbodiesel de 4 a 6 cilindros hoje pode até preencher a lacuna que um V8 a gasolina deixaria, por exemplo, e a diferença de peso pode até compensar as "gordurinhas" dos sistemas de pós-tratamento mais avançados.

O atual cenário do mercado mundial, em países onde não se restringe o uso do Diesel de acordo com capacidades de carga, passageiros ou tração, tem mostrado que ainda é uma alternativa mais racional aos híbridos tanto em função da eficiência e durabilidade quanto do custo inicial menor. De fato, não é tão fácil diluir o preço de um DPF e de um SCR que venham a ser necessários, mas ao longo da vida útil operacional a economia de combustível e a maior durabilidade do motor favorecem o Diesel a médio e longo prazo. Além do mais, é uma irresponsabilidade "condenar" um ciclo termodinâmico de notória eficiência ignorando a versatilidade ao uso de combustíveis alternativos baseando-se em eventuais dificuldades que um combustível específico pode ter com relação a normas de emissões...

2 comentários:

  1. Esse cara só pode ser doido, nós aqui não podemos ter carro a diesel legalmente e damos valor enquanto ele fica desmerecendo.

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  2. Esse tal Bakaj deve ser indiano, mas se disser uma coisa dessas na Índia arruma briga facilmente. Sou descendente de indianos e já cheguei a visitar o país algumas vezes, e lá até andei em autorickshaw com motor a diesel apesar de em algumas cidades maiores como Nova Delhi estarem sendo proibidos para se usar motores a gás natural e gás GLP do mesmo jeito que os táxis e autocarros, mas para veículos particulares o diesel ainda é a preferência. É no entanto de se lamentar que os benefícios do biodiesel sejam ignorados pelas autoridades indianas.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html