terça-feira, 1 de março de 2016

Uma reflexão sobre os dilemas do etanol

Um combustível alternativo que já foi motivo de orgulho para o país, hoje o etanol enfrenta a desconfiança de uma parte considerável do público brasileiro. Em que pesem a relativa facilidade para implementar a produção desse combustível e a adaptabilidade a uma ampla variedade de matérias-primas que vão muito além da cana de açúcar, bem como um aproveitamento de sobras para a elaboração de rações pecuárias, as políticas desastrosas do atual governo para o setor agropecuário estão desencorajando investimentos na produção dos biocombustíveis em geral.

A pressão por uma redução nas quantidades de sal e açúcar em alimentos industrializados também poderia, ao menos teoricamente, liberar mais cana de açúcar e beterraba (principal matéria-prima do açúcar europeu e norte-americano) para a produção de etanol, mas não é o que vem ocorrendo, e naturalmente as usinas sucroenergéticas acabam direcionando uma maior parte da produção para o açúcar destinado à exportação. O fim dos subsídios ao etanol também desencoraja o uso em localidades mais afastadas das principais regiões produtoras, visto que o preço ao consumidor fica menos favorável em comparação à gasolina.

Nesse contexto, cabe destacar a profunda incoerência que é o desincentivo a uma fonte de energia menos nociva à saúde pública para atender a fins meramente arrecadatórios e alimentar os ralos da corrupção que se instalou em todos os ramos da administração pública. Ao invés de proporcionar uma diminuição nas despesas que os serviços de saúde tanto públicos quanto privados e filantrópicos tem com o tratamento de enfermidades respiratórias, além de hoje sofrerem com o sucateamento, cria-se outro falso pretexto para tentar justificar um retorno da famigerada CPMF e sufocar ainda mais a combalida economia, além de encher o caixa 2 do PT e respectivos partidos-satélite como o PSOL e o PSTU.

A evolução relativamente lenta dos motores de ignição por faísca aptos ao uso do etanol, principalmente no tocante a inconveniências da partida a frio antes da chegada da injeção direta, também acaba motivando alguma rejeição ao álcool. A disponibilidade ainda restrita desse combustível em mercados estrangeiros é outra inconveniência, embora tenha o efeito minimizado desde a introdução do sistema "flexfuel" que permite tanto o uso da gasolina quanto do etanol puros ou misturados em qualquer proporção. Ainda assim, fazem-se necessários mais esforços para que o consumo dos motores ao operar com etanol não seja tão desfavorável em comparação à gasolina, e a injeção direta tem um peso significativo ao viabilizar o uso de taxas de compressão mais elevadas que, se por um lado beneficiam o uso do etanol, por outro aumentam o risco de detonação e pré-ignição associado à gasolina em motores de injeção indireta.

Apesar dos benefícios que a injeção direta proporciona, que vão desde a maior facilidade para a partida a frio até a maior eficiência geral, não se pode ignorar os efeitos adversos sobre o controle de emissões. Intensifica-se a formação de óxidos de nitrogênio (NOx), problema historicamente mais associado aos motores do ciclo Diesel, visto que o combustível só se mistura à carga de admissão nas câmaras de combustão depois que o ar já está aquecido pela compressão, sem a possibilidade de absorver calor latente durante a passagem pelo coletor de admissão. Nos motores de ignição por faísca o uso de um sistema de injeção dupla, direta e indireta, pode atenuar a emissão de NOx e ainda beneficiar o torque em baixa rotação, mas a maior complexidade começa a se tornar um estorvo.

Considerando que os motores de ignição por faísca vão naturalmente ter uma eficiência térmica inferior, a possibilidade de aplicar o etanol aos motores do ciclo Diesel passa a fazer mais sentido mesmo que acabe tendo um consumo até 50% mais elevado em volume comparado ao óleo diesel convencional, tendo em vista que ainda assim chega a ser mais econômico em comparação à gasolina num motor de ignição por faísca. Para garantir um funcionamento preciso, as estratégias mais utilizadas são a associação entre o etanol e a injeção-piloto de óleo diesel convencional (podendo ser substituído por biodiesel ou até óleos vegetais puros dependendo da preparação do motor) ou o uso de um aditivo promotor de ignição que pode ser sintetizado a partir do bagaço da cana de açúcar como o NTHF (nitrato de tetra-hidro furfurila). Em situações onde o etanol esteja indisponível e o transporte de um suprimento desse combustível seja vetado por motivo de segurança, como pode ocorrer durante operações militares em territórios estrangeiros, ainda é viável a operação normal do motor apenas com óleo diesel convencional, desde que sejam observados os teores de enxofre visando minimizar danos aos sistemas de controle e pós-tratamento de emissões quando aplicáveis.

O modismo dos híbridos, disseminados em mercados desenvolvidos como uma alternativa para manter a ignição por faísca competitiva diante do Diesel, também já desperta interesses no Brasil, sendo ocasionalmente aventada a possibilidade de introduzir versões "flexfuel" de modelos como o Toyota Prius e o Ford Fusion Hybrid embora nenhum passo concreto seja dado nesse sentido. Tem sido recorrente o uso de taxas de compressão mais elevadas nos híbridos em comparação a outros modelos com motor de ignição por faísca e injeção indireta, o que pode até ser confundido inicialmente como uma potencial vantagem ao uso do etanol mas, quando lembramos que a compressão dinâmica sofre uma diminuição devido à duração mais longa da abertura das válvulas de admissão, a compressão estática não se torna tão significativa assim.

A bem da verdade, pode-se dizer que os sistemas de propulsão híbrida com ignição por faísca não constituem uma verdadeira ameaça ao ciclo Diesel, visto que o custo inicial e a complexidade técnica ainda são um empecilho maior que a diferença de preços entre um motor de ignição por faísca e um Diesel de desempenho comparável. A prevalência da aspiração natural na atual geração de híbridos com ignição por faísca, em contraponto à presença massiva do turbocompressor em motores Diesel, é outro ponto polêmico em função de temores quanto a um custo de manutenção e reparos mais elevado, mas é difícil ser contra a maior aptidão de um bom turbodiesel a enfrentar variações de altitude sem grandes prejuízos ao desempenho.

Também é importante mencionar os combustíveis gasosos, com destaque para o gás natural, como outra ameaça ao market-share do etanol. Mesmo provocando um acréscimo de peso ao veículo, bem como ocupando espaço considerável no compartimento de carga na maioria das instalações de gás natural veicular e dependendo da ignição por faísca ou de uma injeção-piloto de óleo diesel convencional (ou biodiesel e óleos vegetais puros quanto aplicável), o custo ainda é mais favorável na maioria das regiões onde já é oferecido regularmente. As perspectivas vem sendo promissoras diante de uma regulamentação da comercialização do biogás/biometano para fins automotivos, embora ainda esteja muito lenta, mas promove uma maior acessibilidade de populações rurais aos combustíveis gasosos devidamente regulamentados para uso automotivo (o que exclui o gás liquefeito de petróleo/GLP/"gás de cozinha") e já pode ser apontado como um sucessor do etanol na maioria das aplicações veiculares leves e avançando até para o serviço pesado em alguns segmentos tão variados quanto o transporte coletivo urbano de passageiros e a coleta de lixo. A menor dependência em torno de uma matéria-prima consolidada também favorece o biogás, que pode ir além das fontes de amido, sacarose ou celulose requeridas para produção do etanol e ser gerado a partir de qualquer resíduo orgânico não apenas vegetal como também de origem animal.

Enfim, ainda é possível reabilitar o etanol junto à opinião pública devido às vantagens ambientais em comparação à gasolina, e ainda fortalecer a imagem desse combustível como um passo a mais rumo à independência energética da população rural, mas é necessário um bom-senso que hoje está em falta entre os que se encontram na posição de administradores públicos. As dificuldades de ordem técnica podem ser superadas facilmente, enquanto o grande desafio hoje se deve tão somente a absurdos entraves burocráticos levados a cabo para favorecer a corrupção institucionalizada.

Um comentário:

  1. Eu tenho carro flex e antes usava mais o etanol, mas de uns 2 anos para cá só uso durante a safra da cana quando o preço ainda está bom. Seria melhor poder usar o ano todo se fosse usado o etanol de milho já que tem a safra normal e ainda a tal da safrinha.

    ResponderExcluir

Seja bem-vindo e entre na conversa. Por favor, comente apenas em português, espanhol ou inglês.

Welcome, and get into the talk. Please, comment only either in Portuguese, Spanish or English.


- - LEIA ANTES DE COMENTAR / READ BEFORE COMMENT - -

Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html