segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Reflexão: até que ponto a popularidade do Fusca limitou perspectivas de mercado para o Diesel em veículos leves no Brasil?

Não há dúvidas quanto à importância do Fusca para a indústria automobilística brasileira, desde os primeiros modelos a serem importados oficialmente a partir de '50 pela antiga Brasmotor até o fim da produção local em '86 e a breve reintrodução entre '93 e '96 para agradar ao então presidente Itamar Franco. O motor extremamente rústico foi uma verdadeira escola para muitos mecânicos pelo país afora, conquistando uma parcela expressiva do mercado também em diversos outros modelos da linha Volkswagen, e às vezes esse sucesso comercial é apontado como um dos principais pretextos para que o Diesel em veículos leves viesse a ser negligenciado como uma alternativa para contornar a crise do petróleo deflagrada em '73 como uma tentativa de fazer pressão política no cenário mundial por parte da coalizão árabe derrotada por Israel na Guerra do Yom Kippur. O lobby islamo-petroleiro, que hoje busca dar um viés "moderno" ao anti-semitismo e recorre à manipulação dos preços do petróleo como moeda de barganha para invadir a Europa desde aquela época, é problemático a nível mundial, mas até que ponto seria justo atribuir ao Fusca a culpa pela impossibilidade em implementar medidas mais efetivas para que a segurança energética brasileira se mantivesse consolidada?

O início da transição para refrigeração líquida, que no Brasil se deu a partir de '74 com o Passat e na Europa já se refletia na modularidade possibilitando o compartilhamento de componentes entre os motores de ignição por faísca e os Diesel, poderia sinalizar que a Volkswagen estivesse pronta para oferecer essa mesma opção no mercado local antes que fosse instituída em '76 a proibição à venda de veículos 0km com essa opção que não tivessem uma capacidade de carga nominal de uma tonelada nem fossem 4X4 com caixa de transferência de dupla velocidade (a "reduzida" - que para fins de homologação pelos Requisitos Operacionais Básicos definidos pelo Exército poderia ser substituída por uma relação de 1ª marcha mais curta que o normal) ou acomodassem no mínimo 9 passageiros além do motorista. Era a época em que a injeção indireta ainda figurava como a única possibilidade para que se produzissem motores Diesel leves e compactos o suficiente para atender às aplicações em automóveis, além da maior viabilidade para promover a operação com óleos vegetais brutos como combustível alternativo, mas o então ministro Severo Fagundes Gomes enquanto titular da pasta da Indústria e Comércio aparentemente nem sequer atentou para essa possibilidade, além dos militares estarem inebriados pelo ufanismo do etanol. E assim, ao invés de valer-se da evolução tecnológica do Passat na época para eventualmente inserir com mais força o Diesel no Brasil, parecia mais fácil fazer o Fusca tomar mé...
De fato, a refrigeração a ar como uma característica marcante do Fusca podia soar como empecilho à readequação do projeto para incluir um motor Diesel, mas na prática estava longe de ser efetivamente um impedimento. Por mais que hoje a refrigeração líquida já esteja desmistificada até em adaptações no Fusca e outros modelos baseados na mesma configuração mecânica, é necessário considerar ainda as perspectivas da época e eventualmente considerar até soluções menos ortodoxas. Cabe também dar um destaque ao fato de alguns motores "de trator" projetados na Alemanha terem dimensões que já os permitiam servir de forma satisfatória para adaptações no Fusca, inclusive um modelo da Hatz que é produzido pela Agrale até a atualidade denominado M-790 e que chegou a ser testado brevemente em alguns táxis de Porto Alegre durante a década de '70 mesmo. Talvez alguma resistência por parte da Volkswagen ao uso de um motor feito por terceiros tenha exercido influência para desencorajar a continuidade dessa iniciativa, mas a viabilidade técnica teve a chance de ser demonstrada tanto para potenciais operadores quanto membros do governo do general Ernesto Geisel que pudessem tomar uma decisão mais benéfica à segurança energética brasileira. A presença ainda expressiva do Fusca e derivados como o Gurgel X-12/Tocantins em zonas rurais, onde a configuração de motor e tração traseiros favorece a capacidade de incursão em terrenos irregulares sem o custo e complexidade de um sistema de tração 4X4, também leva a crer que seja justo derrubar restrições baseadas nas capacidades de carga ou passageiros ainda hoje aplicadas a veículos de tração simples...

Mesmo que se possa dizer que a Volkswagen não teria sido prejudicada pelas restrições ao Diesel, e até beneficiada por um maior nivelamento da competição no segmento de entrada com o Chevette e o Fiat 147 então modernos em contraste ao Fusca que já mostrava sinais da idade avançada do projeto, a princípio o fabricante mais favorecido por essa medida foi a Toyota, tendo em vista que a oferta de motor Diesel ainda fazia com que alguns consumidores permanecessem preferindo o Bandeirante em detrimento de alternativas com tração simples que pudessem soar mais atrativas pelas mais diversas razões como simplicidade de manutenção e custo inicial menor. É lógico que um 4X4 de concepção tradicional tem suas virtudes, mas não convinha desconsiderar o impacto no consumo de combustível naqueles períodos nebulosos em que os choques dos preços do petróleo se tornavam um temor constante. Por mais que possa inicialmente soar absurdo que um Bandeirante pudesse ser preterido em benefício de um modesto Fusca ou um Gurgel, é natural considerar que uma espécie de "reserva de mercado" foi resultado tanto do encerramento de produção do principal concorrente direto (Jeep CJ-5) devido à competição com a Gurgel quanto do "privilégio" de poder usar motor Diesel.

Cabe traçar também um paralelo com a Argentina, onde o Citroën 2CV é o modelo cuja importância histórica é mais comparável à do Fusca no mercado brasileiro, e diga-se de passagem o exemplar das fotos acima chamou a atenção de uma simpática senhora justamente por tê-lo visto inicialmente como um "Fusca esquisito" até dar-se conta de que se tratava de um modelo radicalmente diferente e que até pode ser considerado superior em alguns aspectos apesar do desempenho mais modesto do motor flat-twin de 602cc em comparação a um Fusca 1300 por exemplo. Apesar de ser até hoje muito difícil encontrar um motor Diesel compacto o suficiente para caber no 2CV sem alterar de forma perigosa a distribuição de peso entre os eixos mas ainda proporcionar um desempenho compatível com o que o motor original oferece, e nenhum maluco ter ao menos tentado fazer uma conversão "misto-quente" com base no motor original, tal situação não levou os argentinos a rejeitar ou ver com desconfiança a aplicabilidade do Diesel em veículos de segmentos intermediários ou mais prestigiosos. Enfim, diante de evidências tanto de ordem técnica e administrativa quanto da acomodação do consumidor antes da crise do petróleo, é injusto culpar o Fusca pela atual restrição ao Diesel em veículos leves no Brasil.

4 comentários:

  1. Se antes da Ford e da Chevrolet lançarem versão a diesel das caminhonetes já tinha quem adaptava motor Perkins de trator nelas, até o 3.152 de 3 cilindros eu já vi em C10, não ia ser tão estranho Fusca com motor de trator Agrale. E se esse mesmo motor serviu aos trancos e barrancos no caminhãozinho Agrale TX-1100, até que não ficaria tão frouxo no Fusca.

    ResponderExcluir
  2. Fui ver qual era esse motor Agrale, pode até não ser o mais fácil de adaptar por causa do peso mas já quebraria o galho mesmo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O peso assusta, mas eu se tivesse um Volkswagen de motor traseiro ficaria tentado a adaptar por ser refrigerado a ar mesmo.

      Excluir
  3. Até que parece fazer algum sentido. Mexer com a Volkswagen na época que era a fábrica de carros mais importante do país seria uma incomodação das grandes.

    ResponderExcluir

Seja bem-vindo e entre na conversa. Por favor, comente apenas em português, espanhol ou inglês.

Welcome, and get into the talk. Please, comment only either in Portuguese, Spanish or English.


- - LEIA ANTES DE COMENTAR / READ BEFORE COMMENT - -

Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html