O início da transição para refrigeração líquida, que no Brasil se deu a partir de '74 com o Passat e na Europa já se refletia na modularidade possibilitando o compartilhamento de componentes entre os motores de ignição por faísca e os Diesel, poderia sinalizar que a Volkswagen estivesse pronta para oferecer essa mesma opção no mercado local antes que fosse instituída em '76 a proibição à venda de veículos 0km com essa opção que não tivessem uma capacidade de carga nominal de uma tonelada nem fossem 4X4 com caixa de transferência de dupla velocidade (a "reduzida" - que para fins de homologação pelos Requisitos Operacionais Básicos definidos pelo Exército poderia ser substituída por uma relação de 1ª marcha mais curta que o normal) ou acomodassem no mínimo 9 passageiros além do motorista. Era a época em que a injeção indireta ainda figurava como a única possibilidade para que se produzissem motores Diesel leves e compactos o suficiente para atender às aplicações em automóveis, além da maior viabilidade para promover a operação com óleos vegetais brutos como combustível alternativo, mas o então ministro Severo Fagundes Gomes enquanto titular da pasta da Indústria e Comércio aparentemente nem sequer atentou para essa possibilidade, além dos militares estarem inebriados pelo ufanismo do etanol. E assim, ao invés de valer-se da evolução tecnológica do Passat na época para eventualmente inserir com mais força o Diesel no Brasil, parecia mais fácil fazer o Fusca tomar mé...
De fato, a refrigeração a ar como uma característica marcante do Fusca podia soar como empecilho à readequação do projeto para incluir um motor Diesel, mas na prática estava longe de ser efetivamente um impedimento. Por mais que hoje a refrigeração líquida já esteja desmistificada até em adaptações no Fusca e outros modelos baseados na mesma configuração mecânica, é necessário considerar ainda as perspectivas da época e eventualmente considerar até soluções menos ortodoxas. Cabe também dar um destaque ao fato de alguns motores "de trator" projetados na Alemanha terem dimensões que já os permitiam servir de forma satisfatória para adaptações no Fusca, inclusive um modelo da Hatz que é produzido pela Agrale até a atualidade denominado M-790 e que chegou a ser testado brevemente em alguns táxis de Porto Alegre durante a década de '70 mesmo. Talvez alguma resistência por parte da Volkswagen ao uso de um motor feito por terceiros tenha exercido influência para desencorajar a continuidade dessa iniciativa, mas a viabilidade técnica teve a chance de ser demonstrada tanto para potenciais operadores quanto membros do governo do general Ernesto Geisel que pudessem tomar uma decisão mais benéfica à segurança energética brasileira. A presença ainda expressiva do Fusca e derivados como o Gurgel X-12/Tocantins em zonas rurais, onde a configuração de motor e tração traseiros favorece a capacidade de incursão em terrenos irregulares sem o custo e complexidade de um sistema de tração 4X4, também leva a crer que seja justo derrubar restrições baseadas nas capacidades de carga ou passageiros ainda hoje aplicadas a veículos de tração simples...
Mesmo que se possa dizer que a Volkswagen não teria sido prejudicada pelas restrições ao Diesel, e até beneficiada por um maior nivelamento da competição no segmento de entrada com o Chevette e o Fiat 147 então modernos em contraste ao Fusca que já mostrava sinais da idade avançada do projeto, a princípio o fabricante mais favorecido por essa medida foi a Toyota, tendo em vista que a oferta de motor Diesel ainda fazia com que alguns consumidores permanecessem preferindo o Bandeirante em detrimento de alternativas com tração simples que pudessem soar mais atrativas pelas mais diversas razões como simplicidade de manutenção e custo inicial menor. É lógico que um 4X4 de concepção tradicional tem suas virtudes, mas não convinha desconsiderar o impacto no consumo de combustível naqueles períodos nebulosos em que os choques dos preços do petróleo se tornavam um temor constante. Por mais que possa inicialmente soar absurdo que um Bandeirante pudesse ser preterido em benefício de um modesto Fusca ou um Gurgel, é natural considerar que uma espécie de "reserva de mercado" foi resultado tanto do encerramento de produção do principal concorrente direto (Jeep CJ-5) devido à competição com a Gurgel quanto do "privilégio" de poder usar motor Diesel.
Cabe traçar também um paralelo com a Argentina, onde o Citroën 2CV é o modelo cuja importância histórica é mais comparável à do Fusca no mercado brasileiro, e diga-se de passagem o exemplar das fotos acima chamou a atenção de uma simpática senhora justamente por tê-lo visto inicialmente como um "Fusca esquisito" até dar-se conta de que se tratava de um modelo radicalmente diferente e que até pode ser considerado superior em alguns aspectos apesar do desempenho mais modesto do motor flat-twin de 602cc em comparação a um Fusca 1300 por exemplo. Apesar de ser até hoje muito difícil encontrar um motor Diesel compacto o suficiente para caber no 2CV sem alterar de forma perigosa a distribuição de peso entre os eixos mas ainda proporcionar um desempenho compatível com o que o motor original oferece, e nenhum maluco ter ao menos tentado fazer uma conversão "misto-quente" com base no motor original, tal situação não levou os argentinos a rejeitar ou ver com desconfiança a aplicabilidade do Diesel em veículos de segmentos intermediários ou mais prestigiosos. Enfim, diante de evidências tanto de ordem técnica e administrativa quanto da acomodação do consumidor antes da crise do petróleo, é injusto culpar o Fusca pela atual restrição ao Diesel em veículos leves no Brasil.
Se antes da Ford e da Chevrolet lançarem versão a diesel das caminhonetes já tinha quem adaptava motor Perkins de trator nelas, até o 3.152 de 3 cilindros eu já vi em C10, não ia ser tão estranho Fusca com motor de trator Agrale. E se esse mesmo motor serviu aos trancos e barrancos no caminhãozinho Agrale TX-1100, até que não ficaria tão frouxo no Fusca.
ResponderExcluirFui ver qual era esse motor Agrale, pode até não ser o mais fácil de adaptar por causa do peso mas já quebraria o galho mesmo.
ResponderExcluirO peso assusta, mas eu se tivesse um Volkswagen de motor traseiro ficaria tentado a adaptar por ser refrigerado a ar mesmo.
ExcluirAté que parece fazer algum sentido. Mexer com a Volkswagen na época que era a fábrica de carros mais importante do país seria uma incomodação das grandes.
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